É um mistério da
política económica dos últimos tempos. Poucos se atrevem hoje a invocar a
política industrial. Mas a verdade é que, por vias travessas e sem a nomear, há
sinais de que o tema volta a estar na agenda. Ainda não será hoje que analisarei os ecos do seminário CCDRN de ontem
sobre inovação e estratégias regionais de especialização inteligente, mas os
referentes são os mesmos.)
Para
quem abraçou a teoria e a política económica do desenvolvimento como área de
interesse e investigação uma das poucas vantagens de se ter ultrapassado com
êxito a barreira dos 70 é termos uma perceção de tempo longo sobre a evolução
do pensamento sobre estas matérias.
O
estudo das sucessivas vagas de crescimento económico asiático em contexto de
mercados abertos iniciada nos anos 70, primeiro a Coreia do Sul e Taiwan
(Singapura é um caso à parte de cidade-estado) e depois de países como a
Malásia e o Vietname entre outros, não esquecendo obviamente a China e a Índia
como casos de gigantes, apanhou os economistas do desenvolvimento de inspiração
mais liberal em contramão, numa espécie de negação de evidências básicas.
A
influência do malfadado Consenso de Washington e alguns resultados desastrosos
de políticas industriais em economias em desenvolvimento tinham feito descer
sobre esta dimensão das estratégias de desenvolvimento uma espécie de anátema,
dando mau nome e má fama aos ensaios de construção de trajetórias industriais
autónomas. Ora, a notoriedade dos resultados alcançados pelas economias asiáticas
anteriormente referidas, pese embora as circunstâncias particulares de regimes
mais ou menos musculados em que ocorreram (com relevância maior para o caso
chinês) que tornam a extensão de tais experiências arriscada, gerou
perplexidade entre os economistas que tinham abandonado o campo das políticas
industriais. Mas à medida que tais experiências asiáticas foram estudadas,
expurgando todas condições facilitadoras não suscetíveis de replicadas, a
perplexidade foi aumentando. Na verdade, o que tais economias nos mostraram é
que era possível a partir do acesso a progresso tecnológico e conhecimento
importados construir trajetórias autónomas, passando de estádios em que o
acesso à difusão de progresso tecnológico que outros lideram é dominante a estádios
mais avançados em que o esforço de inovação autónomo supera já a difusão
importada.
O que
é curioso e digno de psicanálise rigorosa é a evidência de que se iniciou uma
orientação algo estranha. Os factos que as economias asiáticas nos trouxeram
foram integrados, o pensamento foi mudando mas o termo política industrial nunca
foi invocado como o fora anteriormente. Por exemplo, a União Europeia tem-se
refugiado em temas como o da política de inovação e competitividade, ao qual as
estratégias de especialização inteligente foram mais recentemente adicionadas,
embora continue a ser difícil encontrar o termo política industrial no léxico
utilizado. Por isso, como o referi em post anterior, o Financial Times,
a propósito da aposta em ganhar autonomia na produção de baterias para veículos
elétricos sublinhava que finalmente a União Europeia parecia decidida a assumir
de frente os desafios da política industrial.
Por
isso, não é sem ironia que me chegou ao radar de pesquisa um artigo recente,
publicado como Working Paper do FMI que tem este título delicioso: “The Return of the Policy That Shall Not Be Named:
Principles of Industrial Policy” (O Regresso da Política
que não será assim designada: princípios de política industrial) (link aqui).
A
velha argumentação que desancava na política industrial pela utilização
indiscriminada de direitos aduaneiros à importação assenta numa visão muito
reducionista do que a política industrial pode representar, a qual passa antes
por apostas consistentes em orientação de exportação, através de cuidadas escolhas
dos transacionáveis a promover.
Não
resisto a uma citação do artigo de Ruda Cherif e Fuad Hasanov:
“Alexander Hamilton, o
primeiro Secretário do Tesouro dos EUA, desenhou uma estratégia para promover a
indústria transformadora para recuperar o desvio face à Grã-Bretanha (Hamilton
1791). Chang (2002) e Cohen e De Long (2016) argumentam que o domínio económico
dos EUA foi o resultado de um conjunto de intervenções visionárias do Estado que
distorceram então o mercado e que começaram com Alexander Hamilton. Entre tais
políticas que invocam, o desenvolvimento da investigação parece ter desempenhado
um papel predominante no desenvolvimento das indústrias nascentes.”
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