sábado, 7 de dezembro de 2019

E SE FALÁSSEMOS DE POLÍTICA INDUSTRIAL?



É um mistério da política económica dos últimos tempos. Poucos se atrevem hoje a invocar a política industrial. Mas a verdade é que, por vias travessas e sem a nomear, há sinais de que o tema volta a estar na agenda. Ainda não será hoje que analisarei os ecos do seminário CCDRN de ontem sobre inovação e estratégias regionais de especialização inteligente, mas os referentes são os mesmos.)

Para quem abraçou a teoria e a política económica do desenvolvimento como área de interesse e investigação uma das poucas vantagens de se ter ultrapassado com êxito a barreira dos 70 é termos uma perceção de tempo longo sobre a evolução do pensamento sobre estas matérias.

O estudo das sucessivas vagas de crescimento económico asiático em contexto de mercados abertos iniciada nos anos 70, primeiro a Coreia do Sul e Taiwan (Singapura é um caso à parte de cidade-estado) e depois de países como a Malásia e o Vietname entre outros, não esquecendo obviamente a China e a Índia como casos de gigantes, apanhou os economistas do desenvolvimento de inspiração mais liberal em contramão, numa espécie de negação de evidências básicas.

A influência do malfadado Consenso de Washington e alguns resultados desastrosos de políticas industriais em economias em desenvolvimento tinham feito descer sobre esta dimensão das estratégias de desenvolvimento uma espécie de anátema, dando mau nome e má fama aos ensaios de construção de trajetórias industriais autónomas. Ora, a notoriedade dos resultados alcançados pelas economias asiáticas anteriormente referidas, pese embora as circunstâncias particulares de regimes mais ou menos musculados em que ocorreram (com relevância maior para o caso chinês) que tornam a extensão de tais experiências arriscada, gerou perplexidade entre os economistas que tinham abandonado o campo das políticas industriais. Mas à medida que tais experiências asiáticas foram estudadas, expurgando todas condições facilitadoras não suscetíveis de replicadas, a perplexidade foi aumentando. Na verdade, o que tais economias nos mostraram é que era possível a partir do acesso a progresso tecnológico e conhecimento importados construir trajetórias autónomas, passando de estádios em que o acesso à difusão de progresso tecnológico que outros lideram é dominante a estádios mais avançados em que o esforço de inovação autónomo supera já a difusão importada.

O que é curioso e digno de psicanálise rigorosa é a evidência de que se iniciou uma orientação algo estranha. Os factos que as economias asiáticas nos trouxeram foram integrados, o pensamento foi mudando mas o termo política industrial nunca foi invocado como o fora anteriormente. Por exemplo, a União Europeia tem-se refugiado em temas como o da política de inovação e competitividade, ao qual as estratégias de especialização inteligente foram mais recentemente adicionadas, embora continue a ser difícil encontrar o termo política industrial no léxico utilizado. Por isso, como o referi em post anterior, o Financial Times, a propósito da aposta em ganhar autonomia na produção de baterias para veículos elétricos sublinhava que finalmente a União Europeia parecia decidida a assumir de frente os desafios da política industrial.

Por isso, não é sem ironia que me chegou ao radar de pesquisa um artigo recente, publicado como Working Paper do FMI que tem este título delicioso: The Return of the Policy That Shall Not Be Named: Principles of Industrial Policy (O Regresso da Política que não será assim designada: princípios de política industrial) (link aqui).

A velha argumentação que desancava na política industrial pela utilização indiscriminada de direitos aduaneiros à importação assenta numa visão muito reducionista do que a política industrial pode representar, a qual passa antes por apostas consistentes em orientação de exportação, através de cuidadas escolhas dos transacionáveis a promover.

Não resisto a uma citação do artigo de Ruda Cherif e Fuad Hasanov:

Alexander Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro dos EUA, desenhou uma estratégia para promover a indústria transformadora para recuperar o desvio face à Grã-Bretanha (Hamilton 1791). Chang (2002) e Cohen e De Long (2016) argumentam que o domínio económico dos EUA foi o resultado de um conjunto de intervenções visionárias do Estado que distorceram então o mercado e que começaram com Alexander Hamilton. Entre tais políticas que invocam, o desenvolvimento da investigação parece ter desempenhado um papel predominante no desenvolvimento das indústrias nascentes.”

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