(What have the poor ever done for us?)
(O 12 de dezembro de todas
as decisões no Reino Unido aproxima-se vertiginosamente e maus pressentimentos
emergem na minha antecipação do que pode acontecer na quinta-feira. Não porque as sondagens coloquem o exibicionista Johnson à frente do
escrutínio, e isso por si só já é um balde de água fria nas minhas expectativas,
mas porque as condições necessárias ao voto tático exigido a uma derrota dos
Conservadores me parecem longe de estar preenchidas muito pelo efeito Corbyn.)
É
verdade que se reconhece a existência de vias possíveis para trazer a esperança
de uma derrota conservadora. O eleitorado da Escócia e da Irlanda do Norte pode
representar um alento. Os conservadores adversários do BREXIT porque se sentem
enganados na apresentação pouco transparente dos custos da saída da União podem
trazer um outro impulso a uma reviravolta de última hora. As populações mais
jovens e cosmopolitas podem ignorar os seus pressupostos ideológicos e querer
votar em função da possibilidade de um segundo referendo para o BREXIT só
possível com a derrota de Boris Johnson. Pode ainda acontecer que o próprio
Johnson seja derrotado no seu círculo eleitoral e isso determinaria, mesmo com
a vitória dos Conservadores o seu afastamento, pois um primeiro-Ministro tem de
ser eleito para o Parlamento, aliás como todos os membros do Governo. Tal
cenário parece face aos dados disponíveis pouco verosímil. Tudo isso pode
acontecer, mas não foi por acaso ou capricho que nunca como desta vez se multiplicaram
as organizações cívicas com apelo insistente e sistemático ao voto tático. É
que os círculos uninominais baralham muita coisa e basta perder por um para uma
massa de votantes poder ficar sem representação, pois desta vez não colhe o argumento
dos vencedores reclamando que vão representar todos os eleitores mesmo os
vencidos. A opção pelos Conservadores é fraturante, pois internamente Johnson
parece não ter adversário. Não há assim segurança para dizer que um
representante LIB DEM ceda a sua posição a um trabalhista se essa for a
situação observada e o inverso também será verdadeiro.
A
questão crucial a colocar é se estão efetivamente reunidas as premissas e as
condições facilitadoras do voto tático? Aqui começam os meus maus
pressentimentos.
Comecemos
pelo argumento de que uma velha democracia como a britânica tem cultura
política e eleitoral que baste para discernir se o voto tático é a melhor
opção. Aparentemente o argumento poderia colher. Mas um eleitorado que se deixa
enganar infantilmente pelos argumentos do BREXIT que são na sua grande maioria
falsos e alimentados por métodos pouco cristalinos do ponto de vista do fazer
da opinião pública pode não ser capaz de vencer a inércia ideológica e não
compreender o que está desta vez em jogo.
Mas
talvez o principal fator crítico para a viabilização do voto tático em escala
suficiente para derrotar Johnson sejam os anticorpos que o próprio Corbyn tem
gerado no eleitorado, umas vezes através de uma minuciosa deturpação da
informação escrutinável e publicada feita pela entourage de Johnson, outras
vezes pela própria teimosia de Corbyn, como aqui referi a propósito do programa
de Governo que apresentou ao eleitorado.
No seu
último post (link aqui), Simon Wren-Lewis, apoiante trabalhista designa esses anticorpos do
eleitorado face à possibilidade de Corbyn governar com um termo de inspiração
filosófica, “othering”. Andei a
estudar o tema e concluo que o “othering”
acontece quando sentimos em relação a alguém que ele não é um de nós, nutrindo
assim uma distanciação tal que nos leva a não ajuizar as reais capacidades do
próprio. Quando comparamos os traços de comportamento de Boris Johnson e de
Jeremy Corbyn, lideranças que se confrontam nestas eleições, não me parece
difícil compreender que Corbyn não apresenta maiores desvantagens do que as
reveladas por Johnson em termos de governação. Os traços de profunda
instabilidade são marca de Johnson e não de Corbyn, mas a verdade é que se
generalizou no eleitorado a perceção de que o líder trabalhista não reuniria as
condições necessárias para o cargo de primeiro-Ministro. Wren-Lewis mostra que
algumas das acusações que acreditaram o “othering” são falsas, como por
exemplo o putativo racismo de Corbyn ou mesmo o seu pressuposto anti-semitismo
matéria em que a situação do partido não tem nada que ver com o pensamento do
seu líder. Mas seja pela falsidade de campanhas de informação, seja pela
profunda inabilidade de Corbyn em tratar essas questões, criou-se no eleitorado
britânico a ideia de que mesmo um desconjuntado mental e arrogantemente
exibicionista como Johnson é se torna mais capaz da liderança do Governo do que
Corbyn. Em Portugal, chama-se a isto candidamente “má imprensa de um candidato”.
No Reino Unido é muito mais do que isso, habilmente engendrado pela máquina
tabloide que serve os Conservadores.
Através
de um tweet recomendado pelo meu filho Hugo, James O’Brien, um locutor de rádio
relativamente popular, chego a uma máxima que define bem a diferença entre
apoiar ou não os Conservadores: “It’s not hard. Vote Conservative if you think you’re being deprived
of the life you think you deserve by people who have even less than you do.
Don’t vote Conservative if you think you’re being deprived of the life you
deserve by people who already have way, way more than you do”. (Não é difícil. Vota Conservadores se achares que estás a ser privado da
vida que pensas merecer por aqueles que têm ainda menos do que tu. Não votes
Conservadores se achares que estás a ser privado da vida que mereces por aquelas
pessoas que já têm mais, muito mais do que tu tens).
Lapidar
não acham? Mas será que mesmo os que sentiram na pele a absurda e estúpida austeridade dos
Conservadores não vão compreender a clareza deste princípio? Tudo leva a crer
que em parte sim e isso põe-me fora do sério, haja ou não o efeito “othering”
de Corbyn.
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