segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

MAUS PRESSENTIMENTOS

(What have the poor ever done for us?)


 (O 12 de dezembro de todas as decisões no Reino Unido aproxima-se vertiginosamente e maus pressentimentos emergem na minha antecipação do que pode acontecer na quinta-feira. Não porque as sondagens coloquem o exibicionista Johnson à frente do escrutínio, e isso por si só já é um balde de água fria nas minhas expectativas, mas porque as condições necessárias ao voto tático exigido a uma derrota dos Conservadores me parecem longe de estar preenchidas muito pelo efeito Corbyn.)

É verdade que se reconhece a existência de vias possíveis para trazer a esperança de uma derrota conservadora. O eleitorado da Escócia e da Irlanda do Norte pode representar um alento. Os conservadores adversários do BREXIT porque se sentem enganados na apresentação pouco transparente dos custos da saída da União podem trazer um outro impulso a uma reviravolta de última hora. As populações mais jovens e cosmopolitas podem ignorar os seus pressupostos ideológicos e querer votar em função da possibilidade de um segundo referendo para o BREXIT só possível com a derrota de Boris Johnson. Pode ainda acontecer que o próprio Johnson seja derrotado no seu círculo eleitoral e isso determinaria, mesmo com a vitória dos Conservadores o seu afastamento, pois um primeiro-Ministro tem de ser eleito para o Parlamento, aliás como todos os membros do Governo. Tal cenário parece face aos dados disponíveis pouco verosímil. Tudo isso pode acontecer, mas não foi por acaso ou capricho que nunca como desta vez se multiplicaram as organizações cívicas com apelo insistente e sistemático ao voto tático. É que os círculos uninominais baralham muita coisa e basta perder por um para uma massa de votantes poder ficar sem representação, pois desta vez não colhe o argumento dos vencedores reclamando que vão representar todos os eleitores mesmo os vencidos. A opção pelos Conservadores é fraturante, pois internamente Johnson parece não ter adversário. Não há assim segurança para dizer que um representante LIB DEM ceda a sua posição a um trabalhista se essa for a situação observada e o inverso também será verdadeiro.

A questão crucial a colocar é se estão efetivamente reunidas as premissas e as condições facilitadoras do voto tático? Aqui começam os meus maus pressentimentos.

Comecemos pelo argumento de que uma velha democracia como a britânica tem cultura política e eleitoral que baste para discernir se o voto tático é a melhor opção. Aparentemente o argumento poderia colher. Mas um eleitorado que se deixa enganar infantilmente pelos argumentos do BREXIT que são na sua grande maioria falsos e alimentados por métodos pouco cristalinos do ponto de vista do fazer da opinião pública pode não ser capaz de vencer a inércia ideológica e não compreender o que está desta vez em jogo.

Mas talvez o principal fator crítico para a viabilização do voto tático em escala suficiente para derrotar Johnson sejam os anticorpos que o próprio Corbyn tem gerado no eleitorado, umas vezes através de uma minuciosa deturpação da informação escrutinável e publicada feita pela entourage de Johnson, outras vezes pela própria teimosia de Corbyn, como aqui referi a propósito do programa de Governo que apresentou ao eleitorado.

No seu último post (link aqui), Simon Wren-Lewis, apoiante trabalhista designa esses anticorpos do eleitorado face à possibilidade de Corbyn governar com um termo de inspiração filosófica, “othering”. Andei a estudar o tema e concluo que o “othering” acontece quando sentimos em relação a alguém que ele não é um de nós, nutrindo assim uma distanciação tal que nos leva a não ajuizar as reais capacidades do próprio. Quando comparamos os traços de comportamento de Boris Johnson e de Jeremy Corbyn, lideranças que se confrontam nestas eleições, não me parece difícil compreender que Corbyn não apresenta maiores desvantagens do que as reveladas por Johnson em termos de governação. Os traços de profunda instabilidade são marca de Johnson e não de Corbyn, mas a verdade é que se generalizou no eleitorado a perceção de que o líder trabalhista não reuniria as condições necessárias para o cargo de primeiro-Ministro. Wren-Lewis mostra que algumas das acusações que acreditaram o “othering” são falsas, como por exemplo o putativo racismo de Corbyn ou mesmo o seu pressuposto anti-semitismo matéria em que a situação do partido não tem nada que ver com o pensamento do seu líder. Mas seja pela falsidade de campanhas de informação, seja pela profunda inabilidade de Corbyn em tratar essas questões, criou-se no eleitorado britânico a ideia de que mesmo um desconjuntado mental e arrogantemente exibicionista como Johnson é se torna mais capaz da liderança do Governo do que Corbyn. Em Portugal, chama-se a isto candidamente “má imprensa de um candidato”. No Reino Unido é muito mais do que isso, habilmente engendrado pela máquina tabloide que serve os Conservadores.

Através de um tweet recomendado pelo meu filho Hugo, James O’Brien, um locutor de rádio relativamente popular, chego a uma máxima que define bem a diferença entre apoiar ou não os Conservadores: “It’s not hard. Vote Conservative if you think you’re being deprived of the life you think you deserve by people who have even less than you do. Don’t vote Conservative if you think you’re being deprived of the life you deserve by people who already have way, way more than you do”. (Não é difícil. Vota Conservadores se achares que estás a ser privado da vida que pensas merecer por aqueles que têm ainda menos do que tu. Não votes Conservadores se achares que estás a ser privado da vida que mereces por aquelas pessoas que já têm mais, muito mais do que tu tens).

Lapidar não acham? Mas será que mesmo os que sentiram na pele  a absurda e estúpida austeridade dos Conservadores não vão compreender a clareza deste princípio? Tudo leva a crer que em parte sim e isso põe-me fora do sério, haja ou não o efeito “othering” de Corbyn.

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