terça-feira, 17 de dezembro de 2019

O MOTOR TEM PROBLEMAS MAS BUSCA UM NOVO CARBURANTE!



 (Duas notícias aparentemente não relacionadas, embora ambas tenham como origem a situação económica alemã, mas que após uma segunda leitura evidenciam o pragmatismo do motor alemão. Uma das notícias sugere que ainda daremos pela falta da perseverança da Senhora Merkel.)

O gráfico que abre este post, extraído do sempre útil, pela manhã bem cedo, Financial Times Brussels Briefing (link aqui), mostra informação proveniente de um vulgar inquérito a empresários, captando as suas perspetivas, boas ou más, quanto à evolução das suas encomendas. Por mais distraídos ou inábeis que sejamos a ler este tipo de informação, salta claramente o péssimo ambiente de expectativas que o empresariado industrial alemão alimenta quanto ao futuro que aí se perfila. Uma das mais fortes limitações que este tipo de indicadores apresenta consiste no facto de sinalizarem uma má onda em termos de evolução da carteira de encomendas (é clássica a observação de que os empresários tendem sistematicamente a sobreavaliar estas quebras estimadas de procura), mas nada dizendo sobre as razões que se ocultam por detrás da sua formação. O empresariado alemão pode estar a antecipar os múltiplos fatores de incerteza que pesam hoje sobre a procura das exportações europeias, mas nada nos indica se aspetos mais gravosos em alguns mercados estarão a condicionar toda a amostra. E certamente que a também interrogada relação Europa-EUA na sequência do BREXIT pode estar presente entre os fatores justificativos.

Mas o que pode ser associado ao gráfico anteriormente apresentado é a evidência coerente com outro tipo de informações sobre a evolução da produção industrial alemã de que o motor de crescimento industrial europeu está com perturbações. O que é uma evidência que testa a ideia generalizada da superioridade do modelo manufatureiro alemão, o qual por si só suscita toda uma avaliação das razões que se ocultam nessa evidência. Ora, parece não haver dúvidas de que a evolução da indústria transformadora alemã é uma espécie de indicador avançado do panorama de crescimento europeu e isso já é uma matéria de grande relevância para economias como a portuguesa, colocando-nos em alerta para vicissitudes que podem estar aí ao virar da esquina.

A outra notícia, abundantemente publicitada nos principais jornais de referência entre os europeus, fala da iniciativa de Angela Merkel, em estreita colaboração com as principais Câmaras de Comércio e Indústria, de sensibilização da economia alemã para o grave problema da escassez de trabalhadores qualificados. Se as expectativas dos empresários estão arrefecidas, foram divulgados outros inquéritos a empresários alemães em que 58% dos mesmos afirma que a falta de trabalhadores qualificados constitui o principal fator de risco dos seus negócios. Temos uma repartição relativamente equilibrada de problemas entre a economia da procura (pessimismo em relação à carteira de encomendas) e a economia da oferta (forte escassez de trabalhadores qualificados após um longo período de crescimento económico e baixíssimo desemprego). Merkel prepara a Alemanha para uma grande iniciativa de abertura à vinda de trabalhadores qualificados. Políticos, empresários e sindicatos parecem dispostos a cooperar para facilitar o acesso ao território alemão de trabalhadores qualificados, o que não deixa de ser irónico num país em que a receção de imigrantes foi olhada com grande desconfiança, valendo a Merkel alguns dissabores e resistências. O ministro das Finanças alemão Olaf Scholz, cuja corrente no SPD foi recentemente derrotada por uma tendência interna bastante mais à esquerda, afirmou mesmo que “aceitámos que somos um país de imigração e que lidamos com a mesma de maneira flexível”.

Resta-nos a compensação de que tal posicionamento tende a contrariar fortemente o isolacionismo da extrema-direita alemã que tem vindo a pôr as unhas de fora nos últimos tempos. Mas de outro ponto de vista, o nosso e o do exigente esforço de convergência com que somos confrontados, o risco é a economia alemã exercer um efeito de atração-rapina de jovens qualificados, recentemente formados no país, comprometendo por essa via a nossa própria trajetória industrial. Não sabemos se a iniciativa alemã para a superação da escassez de trabalhadores olhará para a Europa ou se tem por referência outras origens de imigração, como por exemplo a asiática, mas não só. De qualquer modo, o risco está aí. Para além do gap salarial ameaçar continuamente o mercado de trabalho português e potenciar a diáspora qualificada, uma iniciativa pragmática de atração de trabalhadores qualificados na economia alemã constituirá sempre um fator de drenagem que comprometerá a já crítica situação interna em Portugal em matéria de escassez de trabalhadores qualificados.

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