(Duas notícias aparentemente não relacionadas,
embora ambas tenham como origem a situação económica alemã, mas que após uma
segunda leitura evidenciam o pragmatismo do motor alemão. Uma das notícias sugere que ainda daremos pela falta da perseverança da
Senhora Merkel.)
O gráfico que abre este post, extraído do sempre útil, pela manhã
bem cedo, Financial Times Brussels Briefing (link aqui), mostra informação
proveniente de um vulgar inquérito a empresários, captando as suas perspetivas,
boas ou más, quanto à evolução das suas encomendas. Por mais distraídos ou
inábeis que sejamos a ler este tipo de informação, salta claramente o péssimo
ambiente de expectativas que o empresariado industrial alemão alimenta quanto
ao futuro que aí se perfila. Uma das mais fortes limitações que este tipo de
indicadores apresenta consiste no facto de sinalizarem uma má onda em termos de
evolução da carteira de encomendas (é clássica a observação de que os empresários
tendem sistematicamente a sobreavaliar estas quebras estimadas de procura), mas
nada dizendo sobre as razões que se ocultam por detrás da sua formação. O
empresariado alemão pode estar a antecipar os múltiplos fatores de incerteza
que pesam hoje sobre a procura das exportações europeias, mas nada nos indica
se aspetos mais gravosos em alguns mercados estarão a condicionar toda a
amostra. E certamente que a também interrogada relação Europa-EUA na sequência
do BREXIT pode estar presente entre os fatores justificativos.
Mas o que pode ser associado ao gráfico anteriormente apresentado é a
evidência coerente com outro tipo de informações sobre a evolução da produção
industrial alemã de que o motor de crescimento industrial europeu está com
perturbações. O que é uma evidência que testa a ideia generalizada da
superioridade do modelo manufatureiro alemão, o qual por si só suscita toda uma
avaliação das razões que se ocultam nessa evidência. Ora, parece não haver
dúvidas de que a evolução da indústria transformadora alemã é uma espécie de
indicador avançado do panorama de crescimento europeu e isso já é uma matéria
de grande relevância para economias como a portuguesa, colocando-nos em alerta
para vicissitudes que podem estar aí ao virar da esquina.
A outra notícia, abundantemente publicitada nos principais jornais de
referência entre os europeus, fala da iniciativa de Angela Merkel, em estreita
colaboração com as principais Câmaras de Comércio e Indústria, de
sensibilização da economia alemã para o grave problema da escassez de
trabalhadores qualificados. Se as expectativas dos empresários estão
arrefecidas, foram divulgados outros inquéritos a empresários alemães em que
58% dos mesmos afirma que a falta de trabalhadores qualificados constitui o
principal fator de risco dos seus negócios. Temos uma repartição relativamente
equilibrada de problemas entre a economia da procura (pessimismo em relação à
carteira de encomendas) e a economia da oferta (forte escassez de trabalhadores
qualificados após um longo período de crescimento económico e baixíssimo
desemprego). Merkel prepara a Alemanha para uma grande iniciativa de abertura à
vinda de trabalhadores qualificados. Políticos, empresários e sindicatos
parecem dispostos a cooperar para facilitar o acesso ao território alemão de
trabalhadores qualificados, o que não deixa de ser irónico num país em que a
receção de imigrantes foi olhada com grande desconfiança, valendo a Merkel alguns
dissabores e resistências. O ministro das Finanças alemão Olaf Scholz, cuja
corrente no SPD foi recentemente derrotada por uma tendência interna bastante
mais à esquerda, afirmou mesmo que “aceitámos que somos um país de imigração e
que lidamos com a mesma de maneira flexível”.
Resta-nos a compensação de que tal posicionamento tende a contrariar
fortemente o isolacionismo da extrema-direita alemã que tem vindo a pôr as
unhas de fora nos últimos tempos. Mas de outro ponto de vista, o nosso e o do
exigente esforço de convergência com que somos confrontados, o risco é a
economia alemã exercer um efeito de atração-rapina de jovens qualificados,
recentemente formados no país, comprometendo por essa via a nossa própria
trajetória industrial. Não sabemos se a iniciativa alemã para a superação da
escassez de trabalhadores olhará para a Europa ou se tem por referência outras
origens de imigração, como por exemplo a asiática, mas não só. De qualquer
modo, o risco está aí. Para além do gap salarial ameaçar continuamente o
mercado de trabalho português e potenciar a diáspora qualificada, uma iniciativa
pragmática de atração de trabalhadores qualificados na economia alemã
constituirá sempre um fator de drenagem que comprometerá a já crítica situação
interna em Portugal em matéria de escassez de trabalhadores qualificados.
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