segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O NEGÓCIO DO ANO


Aproximo-me a passos largos de alguns acusados de radicalismo nesta nossa querida terra. Com efeito, o anúncio de um acordo de venda de seis barragens da EDP à francesa Engie por 2,2 mil milhões – o que já é chamado de “negócio do ano” – vem trazer novamente a primeiro plano a clamorosa desgraça que foi a privatização da EDP (sobretudo no tocante à sua 8ª fase, outubro 2011). Como é sabido, esta última fase da dita privatização trouxe um novo “parceiro de referência” (a “China Three Gorges”, escolhida em detrimento das brasileiras Eletrobras e Cemig e da alemã E.ON) para assumir a maior participação acionista (21,35%) no capital da EDP, tendo o dito pago por ela um montante de 2,69 mil milhões de euros. Desde então, esse parceiro tem vindo a encaixar dividendos significativos e logrará agora, com a venda das seis barragens (se o Governo tal autorizar), uma compensação superior a 80% do valor investido há oito anos (mesmo que possa não se tratar de uma entrada direta para os cofres do referido acionista).

Paralelamente, esta privatização evidencia ainda a verdadeira atrocidade que foi a amiga gestão troikista no quadro do então chamado “programa de ajuda externa” (abaixo, dois cartunes daquela lamentável conjuntura). A esse propósito, Carlos Moedas (secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro à época) afirmou há uns meses na Assembleia da República: “Tínhamos a noção de que se aquela [privatização da EDP] corresse mal, todo o programa [de assistência financeira] correria mal. Tenho dúvidas de que, se não conseguíssemos fazer esta privatização, pudéssemos acabar bem.” Uma declaração bem elucidativa do que esteve em causa naquele momento. Não querendo entrar pelo assunto dentro, nem pelas inúmeras questiúnculas internas que ele suscitou (lembram-se da contribuição extraordinária e do conflito aberto entre Álvaro e Gaspar?), só posso concluir sem mais alardes que estivemos perante amigos daqueles que nos dispensam inimigos e perante agentes desses amigos que foram por isso mesmo incapazes de dignificar a função que desempenhavam em nome de um interesse nacional que mostraram desconhecer.

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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