(Humor A. Seco)
(Por curiosa convergência das circunstâncias, a alergia
de Cavaco ao glúten Marcelo cruza-se algures com o já evidente vazio da direita
mais desregulacionista determinado pela incapacidade de sublimar a ausência de Passos
Coelho. Que sensação de vazio deve
ser aquela que constata que Passos não tem sucessor.)
Até aqui tratava-se de duas frustrações que
caminhavam separadamente.
Por um lado, o Professor Cavaco mergulhava na sensação da incompreensão
pelos putativos serviços prestados à Pátria. Ele que se teve sempre em boa
conta, inatacável e sem dúvidas, aquela questão das ações do BPN armazenou-as
em lugar recôndito da memória cache inacessível, via-se injustiçado pelo
esmagamento de popularidade que o Presidente Marcelo transmitia, fazendo respirar
de alívio uma imensa mole transversal cansada de tanta rigidez e presunção. Ao
princípio, refugiado no esquecimento mediático, mas depois, com tanta frustração,
o Professor quis beliscar a medo o novo Professor, o das selfies. Imagino a desilusão de quem se viu com um certo lugar na
história e de repente se julga esquecido, sem pavor, na memória dos Portugueses.
Penso que esta frustração deve ser bem mais pesada do que abrir os jornais e as
televisões e assistir à continuidade da vida, em regime não assistido, da geringonça.
Por outro lado, a direita mais desregulacionista (tenho pejo de lhe chamar
direita liberal, pois acho que não está na linha da ideia de liberalismo que
por exemplo os 175 anos do THE ECONOMIST comemoram, cujo manifesto merece
leitura profunda) começou a penar com a saída de Passos e com os desatinos para
a sua substituição. Lendo os venenos que brotam do Observador, afinal a
manifestação mais consistente dessa direita, rapidamente se chega à conclusão que
por ali não passa ideologia, mas tão só ressentimento, ressabiamento, ajustes
de contas, maneiras de mal-estar com a vida e com o País, más consciências por
períodos passados da sua vida política. Durante algum tempo, toda essa gente
esperou que emergisse uma alternativa ao vazio de Passos, Montenegro, Hugo
Soares ou qualquer outra personalidade que singrasse nessa orientação. Mas tudo
se desmoronou. Eram personalidades coladas com material que não é de confiança,
frágeis, mais interessados nas suas vidinhas do que propriamente numa rota
ideológica consistente. A emergência de Rui Rio conseguiu, pela negativa e por
rejeição visceral, cultural, de corte e de tribo, adiar o problema do vazio de Passos.
Atirando ao boneco das incongruências e desprendimento político de Rio, a direita
em questão alimentou-se de algum tempo de energia para aguentar o vazio. Mas o
próprio Rio é alvo que não compensa, pois usa a tática sibilina de não dar
troco é o pior que pode fazer-se a quem pretende encontrar na controvérsia
energia para combater as suas próprias frustrações.
Como referi, estas duas frustrações foram evoluíndo separadamente. O caso Joana Marques
Vidal permitiu alguma aproximação. O Professor Aníbal resolveu beliscar de novo
o Professor Marcelo, fazendo-o indiretamente e sem frontalidade, clamando que
se tratava da decisão mais estranha da geringonça. Passos, o próprio Passos, veio
à liça, recusando condecoração e alinhando pela defesa da Procuradora. A
direita desregulacionista bateu palmas e finalmente parece ter admitido que só
Passos e não mais ninguém do que Passos pode salvar a honra do convento. Pedro
Marques Lopes no Diário de Notícias de domingo defende e a meu ver com intuição
essa tese.
Não deixa de ser um paradoxo. O verdadeiro liberalismo tem consistência,
estrutura e regra geral pensamento que honra esse legado. Ora, se Passos é o
salvador dessa herança, o paradoxo estará em que uma das mais frágeis
personalidades da nossa história política recente, sem pensamento à altura
dessa tradição, perfila-se como a única alternativa. Cavaco não terá talvez
pensado nesta convergência, mas foi nela apanhado para digerir a sua frustração
pós-experiência.