sábado, 15 de setembro de 2018

RIO SEM AFLUENTES



(Há quem diga que certos políticos são como os melões. Só se percebe o seu verdadeiro potencial em plena decisão. Em meu entender, Rui Rio é um político previsível, sobretudo porque não se lhe conhecem as influências formatadoras do seu pensamento. Depois de algum estado de graça sobretudo por ter tido a ousadia de enfrentar toda a vasta corte de passistas é tempo dos finalmente.)

Conheço Rui Rio dos tempos da Faculdade de Economia, eu como professor e ele como estudante e dirigente associativo. Recordo-me de algumas das suas posições mais desembestadas inspiradas por um certo anticomunismo primário, mas não lhe atribuo grande importância, e entendo-as como uma espécie de doença infantil de quem pretende progredir na política pela direita. O meu conhecimento mais maturado vem da observação exterior do seu consulado na Câmara Municipal do Porto, em que fiz parte do grupo que ficou surpreendido não pela sua vitória, mas antes pela dimensão da mesma, largamente influenciada pelos últimos anos pouco diligentes do poder de Fernando Gomes. A observação exterior a que me refiro só foi interrompida por dois momentos de contacto direto, um de natureza pública em conferência organizada pela CMP em que fiz uma intervenção com Rio presente e um outro uma entrevista bastante simpática e informal a propósito do estudo para a Associação Comercial do Porto sobre a desajeitada proposta do PS de eleições diretas para as presidências das Áreas Metropolitanas.

Mas considero que o seu exercício de poder na CMP foi tão cristalino que a referida observação exterior e sem “inside information”é suficiente para o tornar um líder previsível. Há quem depreciativamente classifique Rio como um contabilista, que é um chiste inspirado sobretudo pela sua aversão a uma cultura menos popular. É conhecida a aversão visceral não escondida que Rio mantinha em relação a toda a corte formada em torno do Porto Capital Europeia da Cultura. No meu comportamento muito desalinhado eu também considero que nessa corte há demasiadas primas donas que não acrescentam nada a uma cultura desassossegada e não acomodada. Mas a aversão de Rio era tão patológica (creio que uma questão de auto-inferioridade) que nunca foi capaz de distinguir entre o trigo e joio. Aliás, estranha e paradoxalmente, a cultura da Cidade foi buscar energias e respostas a uma criatividade profunda e anti-poder, pelo que, ao contrário do que o próprio Rio pretenderia, a sua posição acabou por fazer a diferença entre os acomodados e os verdadeiramente empreendedores da cultura. Não comungo nessa depreciação de personalidade. Há momentos e situações em que os contabilistas são bem-vindos. Admito que na altura a CMP estivesse a precisar de alguns apertos e dimensionamento.

Cruzando os tempos de liderança da CMP e os agora atribulados tempos de candidatura e de liderança efetiva do PSD, o que eu penso que caracteriza verdadeiramente Rio como político é a pretensão de alinhar por um novo tipo de populismo. Rio, um líder populista? Parece paradoxal, não é? Mas não me parece que seja.

Rio pauta a sua atuação pelo que considera ser o entendimento correto da forma de pensar do eleitor não-alinhado e anti-elites económicas e políticas. A sua precipitada e atabalhoada reação à chamada taxa ROBLES é disso um paradigma. Em vez de analisar tecnicamente a taxa (o que estava ao seu alcance embora não seja um especialista em fiscalidade), Rio preferiu pronunciar-se porque o seu eleitor modelo acha que um político estadista não deve rejeitar uma ideia porque ela é de esquerda ou de direita e assumiu-o em público. Simplesmente apenas com o erro de não ter medido tecnicamente a medida. Aqui está, a sua preocupação de cavalgar o seu eleitor de referência. Podemos dizer que esse é o mesmo tom em relação à sua posição relativamente à justiça portuguesa que o levou inclusivamente a não ser o tom do seu partido em relação à Procuradora Joana Marques Vidal. O seu eleitor de referência acha que a justiça é preguiçosa, lenta e por isso não hesita em seguir nessa onda. De certa maneira, a sua ofensiva contra a cultura que ele considerava elitista alojada no Porto Capital Europeia da Cultura ia pelo mesmo diapasão. Não é fácil descortinar mais exemplos, já que Rio não é pródigo em pensamentos vertidos para o vulgar dos mortais.

Do meu ponto de vista, concedi-lhe um período de estado de graça essencialmente por dois motivos. Primeiro, porque ousou enfrentar toda aquela corte de liberais de pacotilha da ala passista e chamar as coisas pelos nomes. Suficiente para lhe dar algum tempo de expectativa. Segundo, porque Rio considera e bem que não pode andar a reboque de jornalistas necessitados de fazer pela sua vidinha em termos de manchetes apelativas. Preocupação de elevada sanidade politica em Portugal, sobretudo se não alinhar pela promiscuidade de relacionamento com algum jornalismo da praça. A maergem de manobra não era grande. O primeiro motivo esgotou-se de forma relativamente rápida. O segundo tem vastos escolhos e exigem um arcaboiço dos diabos.

Terminada a margem de manobra, emerge o verdadeiro Rio. Singraria se o tal eleitor de referência para o seu “populismo” à la Rui Rio se manifestasse nas sondagens. Mas pelo que se vai conhecendo não há sinais disso. Teimoso como é, Rio ainda acreditará que não se manifestam em sondagens mas que o farão em eleições. O problema é que podem fazer-lhe a cama e nem sequer possibilitar-lhe esse último teste.

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