Como uma peça com mais de quatro séculos de idade pode manter tamanha atualidade quanto a temáticas amorosas, sobretudo ciúme e traição e alguns dos mistérios que fazem a psicologia masculina, é algo que desde logo fascina no texto de Shakespeare (“Otelo, o Mouro de Veneza”, 1603). Depois, e no caso vertente da estreia da peça no nosso Teatro Nacional de S. João (com a presença, muito excecional ao que me dizem, de um primeiro-ministro), a encenação, a cenografia e os figurinos de Nuno Carinhas são de grande qualidade e os dez intérpretes evoluem excelentemente (parabéns especiais a António Durães no papel de Otelo, um general mouro que serve o reino de Veneza, mas também aos desempenhos dos atores que representam a sua esposa Desdémona, o seu tenente Cássio e o seu suboficial Iago). Cito do programa: “Ele conquista a nossa simpatia de um modo mais imediato do que qualquer outro herói de William Shakespeare, mas alguém notou que existe um inferno (‘hell’) em Othello. Mas só existe Otelo – o nobre e destemido guerreiro, o ‘estranho forasteiro / de aqui e toda a parte’ – porque existe Iago, o profeta do ressentimento e da desordem, e porque existe a bela Desdémona, palavra shakespeariana que significa ‘amor’. A peça começa e termina numa escuridão que é perfurada pela luz e avança, imparável, por entre as sombras de Veneza e Chipre, geografias da ordem e do caos, mergulhadas ou rodeadas de água, elemento que conduz, transporta, reflete, espelha, distorce. Na obra em cena de Nuno Carinhas, Otelo surge depois de Macbeth (2017), formando um díptico shakespeariano onde o encenador coloca em perspetiva duas radicais e exuberantes visões do mal. ‘Só se vê a maldade em pleno uso.’” Um espetáculo imperdível!
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