terça-feira, 4 de setembro de 2018

A PROCURADORA




(A tendência do PS para o abismo e argolada de certas posições assusta e incomoda. O modo como ingénua ou deliberadamente se deixou enrolar no lio da sucessão da Procuradora Joana Marques Vidal brada aos céus e irrita profundamente quem vota no PS e não sequer confundir, como eu, com este folclore da má política em Portugal. E, cereja no cimo do bolo, o por vezes arrogante Embaixador Seixas da Costa que deve julgar-se um oráculo não tinha melhor síntese do que clamar que JMV é a procuradora da direita.)


Três evidências para contextualizar a reflexão.

Primeiro, a Procuradora Joana Marques Vidal, com todos os seus possíveis defeitos e virtudes, conseguiu atingir na opinião pública portuguesa uma aceitação que nenhum outro Procurador tinha conseguido. Não estão em causa alguns atrasos e contradições de evolução de processos que, por vezes, nos espantam. Mas é um facto que globalmente o mandato de JMV é considerado por todos positivo, existindo na opinião pública a expectativa de que finalmente algo vai ser concretizado em termos de condenação de grandes prevaricadores. Ninguém ignora que a complexidade do direito processual português nos pode sempre reservar uma surpresa desagradável, mas o mandato de JMV pode alterar a suspeição que parte da opinião pública portuguesa foi alimentando em relação à justiça.

Segundo, o PS tem passado entre os pingos da chuva em matéria de envolvimento de alguns dos seus elementos a processos de corrupção, plasmados essencialmente no chamado caso Marquês e suas ramificações. O paradoxo é claro: a governação mais reformista do PS, a de José Sócrates, pelo menos no primeiro mandato, é também a mais delicada nessas matérias. Com a habilidade política de António Costa e alguma sorte, o PS tem conseguido manter-se à margem da evolução desfavorável dos processos e da condenação implícita que a opinião pública associa a Sócrates. É por isso nesse trilho de que à justiça o que é da justiça e à política o que é da política que o partido deve continuar, afirmando a transparência da sua governação e preparando-se para acatar politicamente, e tirar devido ensinamento das mesmas, as decisões da justiça.

Terceiro, embora careça de clarificação legislativa que deveria ter sido promovida, prevalece em Portugal a tese de que o mandato do Procurador deve ser único e longo, existindo até um pronunciamento público da própria JMV nesse sentido.

Neste contexto de evidência, não lembraria ao diabo classificar a Procuradora como uma procuradora da direita. Pois na sequência de uma incontinência verbal tweeteira, o Embaixador Seixas da Costa assume a tese e, como não é um qualquer zé-ninguém na história do partido, vem dar força ao argumento generalizado de que o PS está incomodado com JMV e com a sua atuação. O PS parece querer brincar com o fogo e nem sequer o facto do partido estar hoje melhor defendido quanto aos estilhaços do caso Marquês, qualquer que seja o seu desfecho final, justifica o desplante.

Uma de duas. Se o PS entende que o critério do mandato único e longo é para respeitar então assuma a iniciativa legislativa para clarificar de vez essa questão e defenda perante o Presidente da República e a opinião pública portuguesa essa posição de forma clara e transparente e mostrando que não tem pedra no sapato quanto à Procuradora. Uma posição oficial, clara e corajosa que se sobreponha a todos os canários das redes sociais e assuma as consequências políticas da mesma. Caso contrário, ou seja se não tiver tomates para esta posição, então admita um novo mandato mostrando que está preparado para todos os rumos condenatórios que os processos em curso poderão acarretar, mostrando quem não deve não teme.

Claro que a Procuradora Joana Marques Vidal pode querer dar uma bofetada de luva branca a toda esta gente não aceitando um novo mandato. Nesse caso, um novo desafio institucional estaria criado, o de encontrar um nome à altura da aceitação que conseguiu granjear na opinião pública.

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