domingo, 30 de setembro de 2018

O ANÍBAL ESTÁ INCOMODADO

(Humor A. Seco)


(Por curiosa convergência das circunstâncias, a alergia de Cavaco ao glúten Marcelo cruza-se algures com o já evidente vazio da direita mais desregulacionista determinado pela incapacidade de sublimar a ausência de Passos Coelho. Que sensação de vazio deve ser aquela que constata que Passos não tem sucessor.)

Até aqui tratava-se de duas frustrações que caminhavam separadamente.

Por um lado, o Professor Cavaco mergulhava na sensação da incompreensão pelos putativos serviços prestados à Pátria. Ele que se teve sempre em boa conta, inatacável e sem dúvidas, aquela questão das ações do BPN armazenou-as em lugar recôndito da memória cache inacessível, via-se injustiçado pelo esmagamento de popularidade que o Presidente Marcelo transmitia, fazendo respirar de alívio uma imensa mole transversal cansada de tanta rigidez e presunção. Ao princípio, refugiado no esquecimento mediático, mas depois, com tanta frustração, o Professor quis beliscar a medo o novo Professor, o das selfies. Imagino a desilusão de quem se viu com um certo lugar na história e de repente se julga esquecido, sem pavor, na memória dos Portugueses. Penso que esta frustração deve ser bem mais pesada do que abrir os jornais e as televisões e assistir à continuidade da vida, em regime não assistido, da geringonça.

Por outro lado, a direita mais desregulacionista (tenho pejo de lhe chamar direita liberal, pois acho que não está na linha da ideia de liberalismo que por exemplo os 175 anos do THE ECONOMIST comemoram, cujo manifesto merece leitura profunda) começou a penar com a saída de Passos e com os desatinos para a sua substituição. Lendo os venenos que brotam do Observador, afinal a manifestação mais consistente dessa direita, rapidamente se chega à conclusão que por ali não passa ideologia, mas tão só ressentimento, ressabiamento, ajustes de contas, maneiras de mal-estar com a vida e com o País, más consciências por períodos passados da sua vida política. Durante algum tempo, toda essa gente esperou que emergisse uma alternativa ao vazio de Passos, Montenegro, Hugo Soares ou qualquer outra personalidade que singrasse nessa orientação. Mas tudo se desmoronou. Eram personalidades coladas com material que não é de confiança, frágeis, mais interessados nas suas vidinhas do que propriamente numa rota ideológica consistente. A emergência de Rui Rio conseguiu, pela negativa e por rejeição visceral, cultural, de corte e de tribo, adiar o problema do vazio de Passos. Atirando ao boneco das incongruências e desprendimento político de Rio, a direita em questão alimentou-se de algum tempo de energia para aguentar o vazio. Mas o próprio Rio é alvo que não compensa, pois usa a tática sibilina de não dar troco é o pior que pode fazer-se a quem pretende encontrar na controvérsia energia para combater as suas próprias frustrações.

Como referi, estas duas frustrações foram evoluíndo separadamente. O caso Joana Marques Vidal permitiu alguma aproximação. O Professor Aníbal resolveu beliscar de novo o Professor Marcelo, fazendo-o indiretamente e sem frontalidade, clamando que se tratava da decisão mais estranha da geringonça. Passos, o próprio Passos, veio à liça, recusando condecoração e alinhando pela defesa da Procuradora. A direita desregulacionista bateu palmas e finalmente parece ter admitido que só Passos e não mais ninguém do que Passos pode salvar a honra do convento. Pedro Marques Lopes no Diário de Notícias de domingo defende e a meu ver com intuição essa tese.

Não deixa de ser um paradoxo. O verdadeiro liberalismo tem consistência, estrutura e regra geral pensamento que honra esse legado. Ora, se Passos é o salvador dessa herança, o paradoxo estará em que uma das mais frágeis personalidades da nossa história política recente, sem pensamento à altura dessa tradição, perfila-se como a única alternativa. Cavaco não terá talvez pensado nesta convergência, mas foi nela apanhado para digerir a sua frustração pós-experiência.

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