(Tenho para mim que a descentralização concretizada por benesses políticas
mais ou menos táticas sem o suporte de programas coerentemente reivindicados de
baixo para cima dão normalmente para o torto. Este parece ser o caso da farsa, não sei em
quantos atos mais, do INFARMED, que permitiu a Rui Moreira alguma flores de estilo,
nada mais do que isso.)
Há dias, quando procurava dar alguma coerência a montes de papéis na minha
secretária e adjacências, dei com umas páginas de um Diário de Notícias antigo em
que este vosso amigo era entrevistado e que o jornalista tinha puxado para título
a afirmação “O Norte é um mito”. Já há algum tempo que destilo veneno sobre
esta ideia de que um Norte coeso e político existe. O Norte é por agora um
instrumento de valorização de protagonismos, fortemente atomizados, cada qual o
mais engenhoso possível, para financiar um projeto ou uma ambição, por pequena
que ela seja. Tal pretensa coerência é sistematicamente trocada por ligações
diretas ao Poder central ou aos aparelhos partidários que por aí trabalham. Quer
isto dizer que não nos temos em devida conta. E, nos tempos que correm, ter-se
em devida conta é rejeitar qualquer tentativa de acantonamento do tipo “entretenham-se
com os vossos problemas e ambições locais, que nós cá pela capital trataremos
do problema nacional e da nossa inserção no mundo”. Acantonamento, como diria o
outro, só por cima do meu cadáver e chega de peditórios para uma unidade que não
existe.
A farsa do INFARMED, que tem de tudo desde maridos enganados, gente ingénua
e interesses adquiridos, releva desta questão. Imagino que, algures num ministério,
um assessor de imprensa perdido no vazio de números para apresentar e sem massa
crítica de realizações inventou com anuência política uma deslocalização. A
partir daí iniciou-se uma via-sacra conhecida que acabará pour cause numa Comissão de Descentralização provavelmente composta
por gente da mais reputada possível e com proximidade à corte. Até cair no mais
completo esquecimento. Nada mais do que isso, além de algumas reações mais de estilo
do que contundentes e Rui Moreira a capitalizar a indiferença indigente da
praça.
Diz o povo que quando a esmola é grande até o pobre desconfia e gente mais
lúcida e desapaixonada cedo percebeu que a ideia não era para levar a sério. A
indiferença já é sintomática de alguma coisa. O estado das coisas tende para a
apatia. Uma reprogramação ardilosa de fundos cria alguma agitação, mas subterraneamente
há sempre gente a manobrar na relação direta. E assim se vai regredindo na
consciência regional.
A OCDE acaba de publicar (2018 com dados de 2016) a mais recente informação
estatística sobre despesa e receita pública realizada por níveis subnacionais
de governação, como se sabe em Portugal essencialmente limitada à esfera local.
A inércia do que é verdadeiramente estrutural emerge com clareza dessa informação:
para uma despesa pública que é de 45% do PIB nacional, que é um dos pesos mais
elevados do universo OCDE, só 12,6% é realizada pelo nível subnacional. É verdade
que o nível subnacional responde por 52% do investimento público, mas em
percentagem do PIB não representa mais do que 0,8%.
Tudo o mais é treta, conversa da treta.
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