(Dez anos depois da queda do Lehman Brothers e da
exponenciação dos acontecimentos que precipitaram a Grande Recessão é tempo e
data bastantes para os economistas pensarem mais distanciadamente sobre o que
efetivamente aconteceu. A penosidade dos efeitos da destruição da crise justifica a pergunta
sacramental: aprendeu-se alguma coisa e a economia tornou-se mais humilde?)
O mês de
setembro foi particularmente rico em matéria de contributos para um debate sério
sobre a verdadeira dimensão dos efeitos da crise de 2007-2008 sobre a regeneração
do pensamento económico. Não se trata de regressar à questão que os desconfiados
ou desiludidos com a economia teórica colocam sistematicamente: por que razão
os economistas não previram a crise? A questão orientadora não é essa. As
crises cíclicas são intrínsecas ao capitalismo, por mais relevante que seja
insistir que a duração das expansões e recessões não está predeterminada e é
fortemente variável. Por isso, nessa perspetiva há sempre uma métrica probabilística
que nos permite navegar na sucessão de expansões e recessões. O problema é que
a crise de 2007-2008 não foi uma recessão qualquer. Não foi por acaso que a
batizaram de “a grande recessão”. E em parte isso deve-se às características evolutivas
que o capitalismo foi assumindo desde os anos 90, sem que tais alterações tivessem
merecido as devidas adaptações por parte do discurso económico dominante. Para
além disso, a riqueza do debate mais recente não se prende apenas com os fatores
que determinaram a profundidade da “Grande Recessão”. Faz parte (e muito relevante
que ela é) do debate a matéria das interrogações sobre a política económica e
monetária do pós-crise 2007-2008, a tal que acabou por permitir uma recuperação
lenta e agónica, bastante mais longa e anémica do que se esperaria.
À medida que
se vão conhecendo novos contributos para o debate, mais evidente se torna que o
pensamento macroeconómico dominante não estava preparado para integrar nos
modelos de precipitação das crises os fatores financeiros (o que alguns economistas
designam de financeirização da economia). Os sistemas bancário e financeiro, mais
o primeiro do que o segundo, sempre foram entendidos como uma meta-inovação da
economia, gerando por isso uma fraca propensão para os economistas admitirem
que essa meta-inovação poderia ser o princípio de degenerescência que levaria ao
eclodir da crise financeira.
Deste último
ponto de vista, dez anos passados sobre o colapso do Lehman Brothers a pergunta
inevitável é esta: estão os sistemas bancário e financeiro mais robustos do que
aparentavam na antecâmara da crise de 2007? Muito se escreveu sobre essa matéria,
do ponto de vista sobretudo das reparações realizadas em tais sistemas. Nestas
coisas, o Economist tem regra geral uma posição honesta e desassombrada. O
artigo que era dedicado a este tema na edição de 8 a 14 de setembro passada
resumia a resposta a essa questão num título elucidativo: UNRESOLVED! Resumindo,
muito se fez mas não o suficiente para extirpar dos sistemas não só maus players, mas também reguladores
condescendentes. A concentração bancária aumentou na Europa e nos EUA desde
2007, pode dizer-se paradoxalmente com recurso a fortes recapitalizações entre
algumas das quais com fundos públicos, regra geral pagos posteriormente. Ninguém
ignora que pode ocorrer de novo o chamado risco moral. Haverá sempre um resgate
para evitar males piores.
O que é
relevante é que se conhecem hoje melhor os mecanismos que acalentaram e
precipitaram a crise. Entre esses mecanismos, é sobretudo importante citar os
mecanismos do crédito. Ben Bernanke, governador do FED antes de Janet Yellen
acaba de publicar no Brookings um valioso artigo com novas evidências sobre o
efeito-precipitação que os mercados de crédito desempenharam. Mais especificamente,
os efeitos do pânico financeiro sobre a oferta de crédito, rebaixando-a
insuportavelmente, revelaram-se determinantes para explicar a não prevista
severidade da grande recessão. O argumento central é este:
“O ponto de
partida para compreender ambos os canais de transmissão da crise (dívida das
famílias e colapso dos preços da habitação e fragilidades do sistema financeiro)
e o papel mais geral dos fatores associados aos mercados de crédito na macroeconomia
é o reconhecimento de que há um custo associado conectando quem empresta com indivíduos
merecedores de crédito. Quem empresta tem informação menos do que perfeita e devem
por isso suportar os custos de analisar e avaliar os devedores potenciais e de
os monitorizar depois de conceder o empréstimo. Esses custos acrescem ao prémio
financeiro externo, a diferença entre todos os custos de financiar um devedor
privado com risco e o custo de emprestar a um devedor perfeitamente seguro como
o governo dos EUA. Em geral, a dimensão do prémio financeiro externo depende da
saúde financeira de credores e devedores.”
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