domingo, 16 de setembro de 2018

UMA DÉCADA PASSOU, E DEPOIS?



(Dez anos depois da queda do Lehman Brothers e da exponenciação dos acontecimentos que precipitaram a Grande Recessão é tempo e data bastantes para os economistas pensarem mais distanciadamente sobre o que efetivamente aconteceu. A penosidade dos efeitos da destruição da crise justifica a pergunta sacramental: aprendeu-se alguma coisa e a economia tornou-se mais humilde?)

O mês de setembro foi particularmente rico em matéria de contributos para um debate sério sobre a verdadeira dimensão dos efeitos da crise de 2007-2008 sobre a regeneração do pensamento económico. Não se trata de regressar à questão que os desconfiados ou desiludidos com a economia teórica colocam sistematicamente: por que razão os economistas não previram a crise? A questão orientadora não é essa. As crises cíclicas são intrínsecas ao capitalismo, por mais relevante que seja insistir que a duração das expansões e recessões não está predeterminada e é fortemente variável. Por isso, nessa perspetiva há sempre uma métrica probabilística que nos permite navegar na sucessão de expansões e recessões. O problema é que a crise de 2007-2008 não foi uma recessão qualquer. Não foi por acaso que a batizaram de “a grande recessão”. E em parte isso deve-se às características evolutivas que o capitalismo foi assumindo desde os anos 90, sem que tais alterações tivessem merecido as devidas adaptações por parte do discurso económico dominante. Para além disso, a riqueza do debate mais recente não se prende apenas com os fatores que determinaram a profundidade da “Grande Recessão”. Faz parte (e muito relevante que ela é) do debate a matéria das interrogações sobre a política económica e monetária do pós-crise 2007-2008, a tal que acabou por permitir uma recuperação lenta e agónica, bastante mais longa e anémica do que se esperaria.

À medida que se vão conhecendo novos contributos para o debate, mais evidente se torna que o pensamento macroeconómico dominante não estava preparado para integrar nos modelos de precipitação das crises os fatores financeiros (o que alguns economistas designam de financeirização da economia). Os sistemas bancário e financeiro, mais o primeiro do que o segundo, sempre foram entendidos como uma meta-inovação da economia, gerando por isso uma fraca propensão para os economistas admitirem que essa meta-inovação poderia ser o princípio de degenerescência que levaria ao eclodir da crise financeira.

Deste último ponto de vista, dez anos passados sobre o colapso do Lehman Brothers a pergunta inevitável é esta: estão os sistemas bancário e financeiro mais robustos do que aparentavam na antecâmara da crise de 2007? Muito se escreveu sobre essa matéria, do ponto de vista sobretudo das reparações realizadas em tais sistemas. Nestas coisas, o Economist tem regra geral uma posição honesta e desassombrada. O artigo que era dedicado a este tema na edição de 8 a 14 de setembro passada resumia a resposta a essa questão num título elucidativo: UNRESOLVED! Resumindo, muito se fez mas não o suficiente para extirpar dos sistemas não só maus players, mas também reguladores condescendentes. A concentração bancária aumentou na Europa e nos EUA desde 2007, pode dizer-se paradoxalmente com recurso a fortes recapitalizações entre algumas das quais com fundos públicos, regra geral pagos posteriormente. Ninguém ignora que pode ocorrer de novo o chamado risco moral. Haverá sempre um resgate para evitar males piores.

O que é relevante é que se conhecem hoje melhor os mecanismos que acalentaram e precipitaram a crise. Entre esses mecanismos, é sobretudo importante citar os mecanismos do crédito. Ben Bernanke, governador do FED antes de Janet Yellen acaba de publicar no Brookings um valioso artigo com novas evidências sobre o efeito-precipitação que os mercados de crédito desempenharam. Mais especificamente, os efeitos do pânico financeiro sobre a oferta de crédito, rebaixando-a insuportavelmente, revelaram-se determinantes para explicar a não prevista severidade da grande recessão. O argumento central é este:

O ponto de partida para compreender ambos os canais de transmissão da crise (dívida das famílias e colapso dos preços da habitação e fragilidades do sistema financeiro) e o papel mais geral dos fatores associados aos mercados de crédito na macroeconomia é o reconhecimento de que há um custo associado conectando quem empresta com indivíduos merecedores de crédito. Quem empresta tem informação menos do que perfeita e devem por isso suportar os custos de analisar e avaliar os devedores potenciais e de os monitorizar depois de conceder o empréstimo. Esses custos acrescem ao prémio financeiro externo, a diferença entre todos os custos de financiar um devedor privado com risco e o custo de emprestar a um devedor perfeitamente seguro como o governo dos EUA. Em geral, a dimensão do prémio financeiro externo depende da saúde financeira de credores e devedores.”

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