domingo, 23 de setembro de 2018

MAS AFINAL O QUE PROVOCOU A GRANDE RECESSÃO? (II)



(Todos devemos aprender com a riqueza e honestidade do debate americano em matéria de ideias económicas. Krugman questionou a tese de Ben Bernanke de que a disrupção violenta do sistema financeiro e dos mercados de crédito tenha sido o elemento determinante da Grande Recessão, pedindo mais informação sobre os mecanismos de propagação de tal impulso. A bem do debate Bernanke respondeu.)

Atento a este debate, chamei a atenção em post anterior sobre as implicações que ele veicula do ponto de vista de saber se numa próxima recessão a economia americana e mundial em geral estão ou não em condições para uma resposta mais rápida e tranquilizadora à mesma. Por outras palavras, à questão “teremos ou não aprendido alguma coisa?” responderemos diferenciadamente consoante seja a bolha imobiliária ou a disrupção violenta dos mercados de crédito o determinante passado da Grande Recessão.

As dúvidas de Krugman apontavam numa direção clara. Aparentemente, teria sido o investimento em capital fixo residencial (comercial e de habitação das famílias) a ser mais atingido no colapso de 2008, o que sugere o maior peso explicativo da bolha imobiliária como fator determinante da Grande Recessão. À posição de Bernanke que apontava para a disrupção violenta dos mercados de crédito como o fator determinante, Krugman contrapunha a necessidade de identificação dos mecanismos através dos quais o impulso do colapso do crédito teria atuado.

Bernanke replicou (link aqui) uns dias depois e como é usual nestas ocasiões o desenvolvimento do debate vai permitindo aproximar argumentos e sobretudo fazer luz sobre o problema. O que Bernanke nos diz na réplica a Krugman é que não há dúvida de que o rebentamento da bolha imobiliária é o elemento de impulso inicial determinante: “Certamente, o colapso da bolha imobiliária foi o elemento-chave de precipitação da crise; a queda dos preços de habitação diminuiu a riqueza e a despesa, ao mesmo tempo que conduziu a significativas reduções na construção de residências.” Aparentemente há acordo mas: “o elemento mais demolidor do rebentamento da bolha foi a sua influência na geração de um pânico financeiro mais alargado, incluindo a corrida ao financiamento de retalho e a vendas massivas e indiscriminadas mesmo de créditos não hipotecários. O pânico por sua vez determinou a queda brusca da oferta de crédito, conduzindo a economia a um declínio ainda mais severo do que teria ocorrido sem esse pânico. A minha evidência para esta reivindicação aponta para que os indicadores de pânico, incluindo os significativos aumentos nos custos de financiamento das instituições financeiras e nas subidas agudas dos yields de securities não hipotecárias sejam melhores indicadores de previsão do tempo e profundidade da recessão do que as variáveis relacionadas com os preços da habitação, preços de mercado das hipotecas ou as taxas de delinquência de hipotecas”.

Em resposta ao pedido de Krugman de melhor explicitação dos mecanismos de propagação de efeitos, Bernanke considera que uma situação de pânico financeiro tenderá a afetar empresas e famílias em geral e não apenas aquelas que estão à procura de crédito. A constituição de poupanças de precaução e a concretização de despedimentos em massa, determinando a redução da despesa destes últimos e a constituição de reservas líquidas para fazer face ao futuro incerto. Bernanke invoca evidências de aumento das poupanças de precaução de empresas e famílias como prova da intensificação dos efeitos provocados pelo pânico financeiro. Mas na resposta de Bernanke podemos ainda encontrar leituras sugestivas sobre o comportamento de variáveis como o investimento residencial, o investimento não residencial, as despesas reais de consumo e o próprio comércio externo americano. A finura da análise aponta para que os efeitos iniciais provocados pelo impacto da bolha imobiliária tenham sido depois fortemente impactados pelo pânico financeiro. Segundo Bernanke, não só o investimento residencial caiu mais do que teria caído apenas pelo efeito do quebrar da bolha, mas também o investimento em capital fixo não residencial acabou por experimentar os efeitos do pânico. E, além disso, a destruição do PIB só começou a intensificar-se depois do pânico financeiro se ter instalado. Na modéstia da minha análise, a réplica de Bernanke parece-me muito consistente e revela mais profundidade do que um simples artigo de opinião para o NYT.

Krugman já reagiu (link aqui) . As posições aproximaram-se. Mas Krugman permanece na dele. Os elementos adicionais de Bernanke não o terão convencido de que o pânico financeiro tenha acrescentado profundidade e declive à queda das diferentes variáveis. E refugia-se num argumento final: “termos experimentado uma recessão tão profunda e prolongada apesar dos bancos terem sido resgatados mostra os limites de uma perspetiva centrada nos elementos financeiros”.

Não sei se o debate terá qualquer prolongamento. Fica-me entretanto a ideia de que seria sensato não ignorar os argumentos de Bernanke. Até porque as realizações concretizadas nessa matéria depois de 2008 deixam a desejar e não auguram boa coisa para uma próxima recessão.

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