(A convite da ADRAT e do António Montalvão Machado lá
estarei amanhã em Chaves naquela associação para o desenvolvimento a falar de
cultura e governança territorial, não esquecendo o contexto do momento europeu
e do País. Oportunidade para dirigir
algumas mensagens aos protagonistas do quadro institucional local e também aos
decisores de políticas públicas.)
Vou
construir uma reflexão sobre a relação entre cultura e governança territorial
no contexto do Alto Tâmega que parte de uma reflexão muito pessoal do momento
europeu (cheio de atalhos, desafios e sobretudo ameaças) e do próprio momento
do País interpretado do ponto de vista do seu futuro. Este modelo de reflexão é
o que me parece mais próximo do tema das Conversas IN deste ano e do seu
ambiente de reflexão aberta, tipo tertúlia. Gosto muito deste tipo de liberdade
reflexiva, sobretudo porque me permite libertar de alguns espartilhos que a
consultoria nos traz. Não se trata de ignorar esta última, trata-se apenas de
ganhar alguns momentos de distensão, descansar refletindo.
Como é que
vejo o momento europeu?
Quando olho
para a União vejo sobretudo um projeto “stuck
in the middle”, numa espécie de armadilha de hesitação entre o recarregar
de baterias com maior atenção à sua democraticidade e envolvimento dos
eleitorados e parlamentos nacionais e o aprofundamento do seu edifício com
maior relevância da dimensão transnacional, não necessariamente federal. Esta
indefinição e encalhamento tem conduzido a uma perigosa descida de expectativas
quanto às vantagens do projeto europeu, sobretudo porque a memória histórica é
curta e muitos europeus já não percecionam o contexto que determinou a
necessidade da Europa.
Vejo também
um projeto e instituições ameaçados por tendências instaladas nos seus
eleitorados nacionais, que constituem uma mescla de populismo, nacionalismo,
protecionismo, protofascismo, autoritarismo e desagregação de um liberalismo
democrático saudável. Quando falo em populismo falo de um movimento político
que é contra as elites, autoritário e nacionalista. Tem variantes mas tem este
núcleo central e o facto de ter determinantes económicos hoje bem
identificados: perdas de emprego, de rendimento, marginalização ignoradas ou
abordadas atabalhoadamente.
Vejo também
um projeto também ameaçado por alterações significativas na ordem económica
internacional ditadas por visões tacanhas e distorcidas do comércio
internacional e dos seus equilíbrios/desequilíbrios.
Resta dizer
que, embora partilhe um largo universo de críticas à configuração atual do
projeto europeu, não lhe atribuo mesmo assim uma força determinante do nosso
estagnacionismo, de uma espécie de constrangimento absoluto ao desenvolvimento
português que o espartilho comunitário estaria a provocar. Não estou convencido
da bondade do contrafactual, ou seja se Portugal estivesse fora sou cético
quanto às margens de manobra que teríamos nesse contexto.
Como é que
vejo o momento do País no qual vale a pena discutir cultura e governança
territorial para o Alto Tâmega?
Vejo uma
economia de pequena dimensão que busca ainda um modelo económico (e de
organização social) capaz de gerar ritmos de crescimento económicos
distributivos e sustentados para viabilizar uma trajetória de descida
continuada do peso da dívida (não só pública, esclareça-se), remunerar a
qualificação acrescida dos seus jovens para os fixar e prosseguir a
convergência real com a União Europeia.
Vejo um País
fortemente e cada vez mais centralizado, mas que paradoxal e contraditoriamente
necessita de alargar a base territorial da sua competitividade, trazendo novos
recursos (ativos) específicos à valorização económica em economia aberta.
Vejo ainda
um País que busca um movo modelo ou lógica de racionalização do investimento
público e dos contextos facilitadores do investimento empresarial que se
substitua ao esgotado e exaurido modelo “municípios versus Poder Central”,
apontando para a valorização de geometrias variáveis de organização territorial
intermédia.
Uma
sociedade que enfrenta os desafios criados por uma população que não confia
suficientemente nas suas elites, debatendo-se com a degradação de alguns
serviços públicos, com baixos níveis de participação cívica e política e picos
muito intermitentes de indignação.
Uma
sociedade carenciada de formas criativas de intermediação entre os mecanismos
de conceção e decisão de políticas públicas e o cidadão, tendo em vista reduzir
ao máximo os desvios identificados entre as intenções de políticas, a sua
efetiva execução e os resultados atingidos/esperados.
Ou seja,
discutir cultura e governação territorial no Alto Tâmega não é uma discussão
abstrata ou académica. Vale a pena equacionar os seus contornos para ter uma
VOZ e um contributo de resposta aos vastos desafios europeus e nacionais que
sintetizei anteriormente. O Alto Tâmega tem certamente os seus próprios
problemas e desafios para resolver e responder. Mas uma abordagem proativa a
esses desafios exige que consideremos os de maior escala.
E o que é
que faz a cultura nesta reflexão?
Estou mais
próximo de conceções antropológicas de cultura do que outras variantes. Convivo bem com um conceito de cultura do tipo: padrão integrado
de conhecimento, de valores e convicções e de comportamentos que depende da
capacidade de aprendizagem coletiva e da transmissão de conhecimento às gerações
futuras. Mas não me entendo com culturas fechadas, sobretudo porque as sociedades
não o são. Devemos, entretanto, distinguir entre aculturação e endogeneização
de influências e culturas externas. No primeiro processo, a cultura interna perde
o domínio da transformação. Na endogeneização, pelo contrário, a cultura interna
transforma-se a partir influência externa mas não perde o foco. Podemos até
afirmar que quanto mais robusto (robustez não quer dizer fechamento ou isolamento)
for o quadro cultural mais ambição pode esse território assumir para se
diferenciar e criar valor a partir dessa diferença.
A governação
territorial pressupõe e exige uma cultura de cooperação de recursos. Regra geral
essa cultura de cooperação não é espontânea. Requer um processo de construção
persistente, coerente, sem desfalecimentos ou desvios /recuos que gerem efeitos
de demonstração negativos. Parece-me que o Alto Tâmega está nesse caminho.
Contra ventos e marés, incompreensões e invenções da burocracia, tem conseguido
manter níveis elevados de cooperação de recursos, construindo uma trajetória
consistente de governança territorial.
Mas o papel
da governação territorial vai além disso. Não se substituindo aos espaços políticos
de proximidade com os cidadãos, que devem continuar a ser desenvolvidos em contextos
de maior proximidade aos cidadãos, a nível municipal, urbano e inframunicipal.
Existe hoje um vasto espaço de funções para a governança territorial em harmonia
com a cidadania e com a cultura do território: (i) aumentos de escala de intervenção
na valorização de recursos, racionalizando investimento e atraindo o que é
necessário; (ii) intermediação de políticas públicas junto do território e dos
cidadãos residentes; (iii) desenvolvimento e promoção de dimensões mais débeis do
quadro cultural da Região que importa reforçar, seja por exemplo, a capacidade
de empreendimento nestes contextos; (iv) organizar territorialmente os sistemas
de educação e formação construindo uma síntese inovadora entre a formação para
a navegação profissional na agressiva economia global e a educação/formação para
a fixação de jovens no território.
Estou certo que
a própria dinâmica da governança territorial determinará ela própria novas funções.
Estou certo também que a ADRAT estará nessa frente.
Sem comentários:
Enviar um comentário