quarta-feira, 19 de setembro de 2018

NAS CONVERSAS IN



(A convite da ADRAT e do António Montalvão Machado lá estarei amanhã em Chaves naquela associação para o desenvolvimento a falar de cultura e governança territorial, não esquecendo o contexto do momento europeu e do País. Oportunidade para dirigir algumas mensagens aos protagonistas do quadro institucional local e também aos decisores de políticas públicas.)

Vou construir uma reflexão sobre a relação entre cultura e governança territorial no contexto do Alto Tâmega que parte de uma reflexão muito pessoal do momento europeu (cheio de atalhos, desafios e sobretudo ameaças) e do próprio momento do País interpretado do ponto de vista do seu futuro. Este modelo de reflexão é o que me parece mais próximo do tema das Conversas IN deste ano e do seu ambiente de reflexão aberta, tipo tertúlia. Gosto muito deste tipo de liberdade reflexiva, sobretudo porque me permite libertar de alguns espartilhos que a consultoria nos traz. Não se trata de ignorar esta última, trata-se apenas de ganhar alguns momentos de distensão, descansar refletindo.

Como é que vejo o momento europeu?

Quando olho para a União vejo sobretudo um projeto “stuck in the middle”, numa espécie de armadilha de hesitação entre o recarregar de baterias com maior atenção à sua democraticidade e envolvimento dos eleitorados e parlamentos nacionais e o aprofundamento do seu edifício com maior relevância da dimensão transnacional, não necessariamente federal. Esta indefinição e encalhamento tem conduzido a uma perigosa descida de expectativas quanto às vantagens do projeto europeu, sobretudo porque a memória histórica é curta e muitos europeus já não percecionam o contexto que determinou a necessidade da Europa.

Vejo também um projeto e instituições ameaçados por tendências instaladas nos seus eleitorados nacionais, que constituem uma mescla de populismo, nacionalismo, protecionismo, protofascismo, autoritarismo e desagregação de um liberalismo democrático saudável. Quando falo em populismo falo de um movimento político que é contra as elites, autoritário e nacionalista. Tem variantes mas tem este núcleo central e o facto de ter determinantes económicos hoje bem identificados: perdas de emprego, de rendimento, marginalização ignoradas ou abordadas atabalhoadamente.

Vejo também um projeto também ameaçado por alterações significativas na ordem económica internacional ditadas por visões tacanhas e distorcidas do comércio internacional e dos seus equilíbrios/desequilíbrios.

Resta dizer que, embora partilhe um largo universo de críticas à configuração atual do projeto europeu, não lhe atribuo mesmo assim uma força determinante do nosso estagnacionismo, de uma espécie de constrangimento absoluto ao desenvolvimento português que o espartilho comunitário estaria a provocar. Não estou convencido da bondade do contrafactual, ou seja se Portugal estivesse fora sou cético quanto às margens de manobra que teríamos nesse contexto.

Como é que vejo o momento do País no qual vale a pena discutir cultura e governança territorial para o Alto Tâmega?

Vejo uma economia de pequena dimensão que busca ainda um modelo económico (e de organização social) capaz de gerar ritmos de crescimento económicos distributivos e sustentados para viabilizar uma trajetória de descida continuada do peso da dívida (não só pública, esclareça-se), remunerar a qualificação acrescida dos seus jovens para os fixar e prosseguir a convergência real com a União Europeia.

Vejo um País fortemente e cada vez mais centralizado, mas que paradoxal e contraditoriamente necessita de alargar a base territorial da sua competitividade, trazendo novos recursos (ativos) específicos à valorização económica em economia aberta.

Vejo ainda um País que busca um movo modelo ou lógica de racionalização do investimento público e dos contextos facilitadores do investimento empresarial que se substitua ao esgotado e exaurido modelo “municípios versus Poder Central”, apontando para a valorização de geometrias variáveis de organização territorial intermédia.

Uma sociedade que enfrenta os desafios criados por uma população que não confia suficientemente nas suas elites, debatendo-se com a degradação de alguns serviços públicos, com baixos níveis de participação cívica e política e picos muito intermitentes de indignação.

Uma sociedade carenciada de formas criativas de intermediação entre os mecanismos de conceção e decisão de políticas públicas e o cidadão, tendo em vista reduzir ao máximo os desvios identificados entre as intenções de políticas, a sua efetiva execução e os resultados atingidos/esperados.

Ou seja, discutir cultura e governação territorial no Alto Tâmega não é uma discussão abstrata ou académica. Vale a pena equacionar os seus contornos para ter uma VOZ e um contributo de resposta aos vastos desafios europeus e nacionais que sintetizei anteriormente. O Alto Tâmega tem certamente os seus próprios problemas e desafios para resolver e responder. Mas uma abordagem proativa a esses desafios exige que consideremos os de maior escala.

E o que é que faz a cultura nesta reflexão?

Estou mais próximo de conceções antropológicas de cultura do que outras variantes. Convivo bem com um conceito de cultura do tipo: padrão integrado de conhecimento, de valores e convicções e de comportamentos que depende da capacidade de aprendizagem coletiva e da transmissão de conhecimento às gerações futuras. Mas não me entendo com culturas fechadas, sobretudo porque as sociedades não o são. Devemos, entretanto, distinguir entre aculturação e endogeneização de influências e culturas externas. No primeiro processo, a cultura interna perde o domínio da transformação. Na endogeneização, pelo contrário, a cultura interna transforma-se a partir influência externa mas não perde o foco. Podemos até afirmar que quanto mais robusto (robustez não quer dizer fechamento ou isolamento) for o quadro cultural mais ambição pode esse território assumir para se diferenciar e criar valor a partir dessa diferença.

A governação territorial pressupõe e exige uma cultura de cooperação de recursos. Regra geral essa cultura de cooperação não é espontânea. Requer um processo de construção persistente, coerente, sem desfalecimentos ou desvios /recuos que gerem efeitos de demonstração negativos. Parece-me que o Alto Tâmega está nesse caminho. Contra ventos e marés, incompreensões e invenções da burocracia, tem conseguido manter níveis elevados de cooperação de recursos, construindo uma trajetória consistente de governança territorial.

Mas o papel da governação territorial vai além disso. Não se substituindo aos espaços políticos de proximidade com os cidadãos, que devem continuar a ser desenvolvidos em contextos de maior proximidade aos cidadãos, a nível municipal, urbano e inframunicipal. Existe hoje um vasto espaço de funções para a governança territorial em harmonia com a cidadania e com a cultura do território: (i) aumentos de escala de intervenção na valorização de recursos, racionalizando investimento e atraindo o que é necessário; (ii) intermediação de políticas públicas junto do território e dos cidadãos residentes; (iii) desenvolvimento e promoção de dimensões mais débeis do quadro cultural da Região que importa reforçar, seja por exemplo, a capacidade de empreendimento nestes contextos; (iv) organizar territorialmente os sistemas de educação e formação construindo uma síntese inovadora entre a formação para a navegação profissional na agressiva economia global e a educação/formação para a fixação de jovens no território.

Estou certo que a própria dinâmica da governança territorial determinará ela própria novas funções. Estou certo também que a ADRAT estará nessa frente.

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