segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O FUTURO EUROPEU PRÓXIMO VISTO POR PISANY-FERRY



(As eleições europeias não estão longe, pressente-se que podem marcar uma viragem ou precipitar o enterro e sucedem-se, por isso, as cenarizações para o futuro próximo. No meio desta algazarra de ideias alguma triagem é necessária. A voz e as ideias de Jean Pisany-Ferry merecem atenção.)

A cada eleição recente entre as economias europeias mais maduras e a norte a cena repete-se. Primeiro, o frisson do crescimento anunciado da extrema-direita, xenófoba, nacionalista e isolacionista, anti-imigração, com disseminação crescente do pensamento autoritário e não liberal. Segundo, os atos eleitorais mostram um padrão, que dá conta da existência dessa tendência latente. Terceiro, as restantes forças conseguem conter os danos mas a tendência está lá, alimentando outras e estes movimentos começam a internacionalizar-se. O senhor Orbán veio da Hungria a Itália afirmar um novo internacionalismo. Pouco recomendável, diga-se. Outros atos desta natureza irão multiplicar-se.

As eleições suecas deste domingo obedecem a este padrão. A extrema-direita sueca ascende a terceira força política, embora ficando aquém da força que lhe era atribuída. A indeterminação política aumenta. Não é o caos anunciado, mas a incerteza política veio para ficar até porque não é ainda claro quem formará governo.

Como seria expectável, a formação deste padrão começa a marcar o ambiente político das próximas europeias, aconselhando a um diferente olhar dos eleitorados nacionais sobre estas eleições. Não é tempo de utilização das europeias para mostrar cartões às governações em exercício, sejam eles vermelhos, amarelos ou de congratulações efusivas. É tempo de grandes frentes para barrar o caminho à organização europeia da xenofobia, das ameaças à liberdade e ao autoritarismo.

Pisany-Ferry tem pensamento sobre a matéria. A entrevista a Teresa de Sousa (links aqui e aqui) é uma boa oportunidade para relembrar esse pensamento e o seu artigo no Social Europe de hoje tem a vantagem de o sistematizar de forma condensada (link aqui). Podem dizer-me que a sua passagem pelo Bruegel Institute o associa ao pensamento dominante que circula pelos corredores do poder em Bruxelas. Mas o facto de ter sido o coordenador do programa eleitoral de Macron torna-o uma referência obrigatória.

O que Pisany-Ferry nos vem dizer é que a polarização política em regra associada ao contraponto no Parlamento Europeu entre PPE e Socialistas e Sociais-Democratas que alguns associam (em meu entender apressadamente à divisão direita-esquerda) não é hoje a divisão dominante que vai estar no centro das decisões nas próximas eleições europeias. O que me parece é que a concentração de poder no Parlamento Europeu entre aquelas duas famílias políticas não foi tão benéfica como se apregoa. Faz parte do problema criado. O confronto entre PPE e Socialistas Europeus não foi tão marcado como o deveria ser. Ambas as formações têm culpas no cartório. Os socialistas deixaram-se enfeitiçar pelo “managerialismo” e sedução do mercado e deixaram de ser contraponto. Abriram-se à ortodoxia europeia em matérias como o Tratado Orçamental, a própria filosofia de constituição do BCE e na gestão macroeconómica da crise. Por sua vez, o PPE condescendeu progressivamente com a emergência do autoritarismo em partidos que constam das duas fileiras (a filiação de Orbán no PPE é um insulto à democracia liberal).

Neste contexto, para o qual a degenerescência das duas forças que dominam o PE muito contribuiu, a divisão está obviamente longe de se estruturar numa relação direita-esquerda. Por mais atentos que devamos estar aos constrangimentos da agenda política de Macron em França, que podem deitar por terra a sua afirmação europeia, a verdade é que o presidente francês percebeu que a divisão era outra. Compreendeu que era preciso barrar o caminho ao autoritarismo e à xenofobia sobretudo a partir do momento em que, para espanto de muita gente, encontrou na via europeia o antídoto certo para combater Le Pen e a sua ameaça em França. Macron federa hoje essa barreira, fazendo todos os esforços para manter Merkel nessa luta, ao autoritarismo e à rejeição das migrações. Pisany-Ferry diz-nos o seguinte: “Em mais do que uma mão cheia de países, a divisão direita-esquerda já não caracteriza a cena política. Na Polónia, Hungria e na maioria da Europa Central, o confronto central é entre nacionalistas não liberais e pró-liberais Europeus. Em França, a escolha de 2017 não foi entre esquerda e direita, mas entre Macron, o campeão da abertua de cuja campanha fui assessor) e Marine Le Pen, o completo oposto dessa posição. E em Itália, as forças quer de centro-direita quer de centro-esquerda foram marginalizadas por dois novos partidos antissistema com raízes na extrema-direita e na extrema-esquerda.”

Pisany-Ferry insiste e bem que isso não significa que nas questões e eleitorados nacionais as temáticas divisivas direita-esquerda tenham desaparecido e que devam desaparecer da militância política. Bastaria pensar nas questões da desigualdade da distribuição do rendimento para compreender essa necessidade. O que acontece é que em muitos casos a defesa dessas posições sobretudo à esquerda acabam por traduzir-se em posições anti-Europa (o nacionalismo de esquerda), não compreendendo a centralidade da oposição Macron versus autoritarismo xenófobo. Entendamo-nos. Para suportar Macron na sua luta contra o fechamento não solidário europeu não tenho necessariamente de me identificar com as suas teses no plano interno. O que temos de compreender é que há tempos de grandes frentes, sobretudo quando o fundamental é impedir o avanço das forças não democráticas. Há uma certa esquerda que não compreendeu ainda esta urgência. E a pergunta certa a fazer é a seguinte: há alternativa ao binómio Macron-Merkel para liderar essa barreira tendo em conta as próximas eleições europeias? Há tempo útil para a constituir?

Tempos difíceis exigem questões simples. Os medos e as fobias securitárias combatem-se numa frente sequencial: primeiro, combate-se a dose de desinformação e mentira em que são construídos e a batalha da imprensa livre e não manejada é um grande combate; segundo, combatem-se pela positiva, mostrando que as pessoas são escutadas nos seus problemas e que se propõe uma abordagem rigorosa e honesta para os minimizar, se possível erradicar. O que não podemos reagir é com indiferença ou menosprezo, propondo vias celestiais.

Estar com Macron e Merkel nesse combate não significa abdicar de influenciar o rumo europeu e sobretudo a sua gestão macroeconómica.

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