(As eleições europeias não estão longe, pressente-se que
podem marcar uma viragem ou precipitar o enterro e sucedem-se, por isso, as
cenarizações para o futuro próximo. No meio desta algazarra de ideias alguma triagem é
necessária. A voz e as ideias de Jean Pisany-Ferry merecem atenção.)
A cada
eleição recente entre as economias europeias mais maduras e a norte a cena
repete-se. Primeiro, o frisson do
crescimento anunciado da extrema-direita, xenófoba, nacionalista e
isolacionista, anti-imigração, com disseminação crescente do pensamento
autoritário e não liberal. Segundo, os atos eleitorais mostram um padrão, que
dá conta da existência dessa tendência latente. Terceiro, as restantes forças
conseguem conter os danos mas a tendência está lá, alimentando outras e estes
movimentos começam a internacionalizar-se. O senhor Orbán veio da Hungria a
Itália afirmar um novo internacionalismo. Pouco recomendável, diga-se. Outros
atos desta natureza irão multiplicar-se.
As eleições
suecas deste domingo obedecem a este padrão. A extrema-direita sueca ascende a
terceira força política, embora ficando aquém da força que lhe era atribuída. A
indeterminação política aumenta. Não é o caos anunciado, mas a incerteza
política veio para ficar até porque não é ainda claro quem formará governo.
Como seria
expectável, a formação deste padrão começa a marcar o ambiente político das
próximas europeias, aconselhando a um diferente olhar dos eleitorados nacionais
sobre estas eleições. Não é tempo de utilização das europeias para mostrar
cartões às governações em exercício, sejam eles vermelhos, amarelos ou de
congratulações efusivas. É tempo de grandes frentes para barrar o caminho à
organização europeia da xenofobia, das ameaças à liberdade e ao autoritarismo.
Pisany-Ferry
tem pensamento sobre a matéria. A entrevista a Teresa de Sousa (links aqui e
aqui) é uma boa oportunidade para relembrar esse
pensamento e o seu artigo no Social Europe de hoje tem a vantagem de o
sistematizar de forma condensada (link aqui). Podem dizer-me que a sua passagem
pelo Bruegel Institute o associa ao pensamento dominante que circula pelos
corredores do poder em Bruxelas. Mas o facto de ter sido o coordenador do
programa eleitoral de Macron torna-o uma referência obrigatória.
O que
Pisany-Ferry nos vem dizer é que a polarização política em regra associada ao
contraponto no Parlamento Europeu entre PPE e Socialistas e Sociais-Democratas
que alguns associam (em meu entender apressadamente à divisão direita-esquerda)
não é hoje a divisão dominante que vai estar no centro das decisões nas
próximas eleições europeias. O que me parece é que a concentração de poder no
Parlamento Europeu entre aquelas duas famílias políticas não foi tão benéfica
como se apregoa. Faz parte do problema criado. O confronto entre PPE e
Socialistas Europeus não foi tão marcado como o deveria ser. Ambas as formações
têm culpas no cartório. Os socialistas deixaram-se enfeitiçar pelo “managerialismo” e sedução do mercado e
deixaram de ser contraponto. Abriram-se à ortodoxia europeia em matérias como o
Tratado Orçamental, a própria filosofia de constituição do BCE e na gestão
macroeconómica da crise. Por sua vez, o PPE condescendeu progressivamente com a
emergência do autoritarismo em partidos que constam das duas fileiras (a
filiação de Orbán no PPE é um insulto à democracia liberal).
Neste
contexto, para o qual a degenerescência das duas forças que dominam o PE muito
contribuiu, a divisão está obviamente longe de se estruturar numa relação
direita-esquerda. Por mais atentos que devamos estar aos constrangimentos da
agenda política de Macron em França, que podem deitar por terra a sua afirmação
europeia, a verdade é que o presidente francês percebeu que a divisão era
outra. Compreendeu que era preciso barrar o caminho ao autoritarismo e à
xenofobia sobretudo a partir do momento em que, para espanto de muita gente,
encontrou na via europeia o antídoto certo para combater Le Pen e a sua ameaça
em França. Macron federa hoje essa barreira, fazendo todos os esforços para
manter Merkel nessa luta, ao autoritarismo e à rejeição das migrações. Pisany-Ferry
diz-nos o seguinte: “Em mais do que
uma mão cheia de países, a divisão direita-esquerda já não caracteriza a cena política.
Na Polónia, Hungria e na maioria da Europa Central, o confronto central é entre
nacionalistas não liberais e pró-liberais Europeus. Em França, a escolha de
2017 não foi entre esquerda e direita, mas entre Macron, o campeão da abertua
de cuja campanha fui assessor) e Marine Le Pen, o completo oposto dessa
posição. E em Itália, as forças quer de centro-direita quer de centro-esquerda
foram marginalizadas por dois novos partidos antissistema com raízes na
extrema-direita e na extrema-esquerda.”
Pisany-Ferry
insiste e bem que isso não significa que nas questões e eleitorados nacionais
as temáticas divisivas direita-esquerda tenham desaparecido e que devam
desaparecer da militância política. Bastaria pensar nas questões da
desigualdade da distribuição do rendimento para compreender essa necessidade. O
que acontece é que em muitos casos a defesa dessas posições sobretudo à
esquerda acabam por traduzir-se em posições anti-Europa (o nacionalismo de
esquerda), não compreendendo a centralidade da oposição Macron versus
autoritarismo xenófobo. Entendamo-nos. Para suportar Macron na sua luta contra
o fechamento não solidário europeu não tenho necessariamente de me identificar
com as suas teses no plano interno. O que temos de compreender é que há tempos
de grandes frentes, sobretudo quando o fundamental é impedir o avanço das
forças não democráticas. Há uma certa esquerda que não compreendeu ainda esta
urgência. E a pergunta certa a fazer é a seguinte: há alternativa ao binómio
Macron-Merkel para liderar essa barreira tendo em conta as próximas eleições
europeias? Há tempo útil para a constituir?
Tempos
difíceis exigem questões simples. Os medos e as fobias securitárias combatem-se
numa frente sequencial: primeiro, combate-se a dose de desinformação e mentira
em que são construídos e a batalha da imprensa livre e não manejada é um grande
combate; segundo, combatem-se pela positiva, mostrando que as pessoas são
escutadas nos seus problemas e que se propõe uma abordagem rigorosa e honesta
para os minimizar, se possível erradicar. O que não podemos reagir é com
indiferença ou menosprezo, propondo vias celestiais.
Estar com
Macron e Merkel nesse combate não significa abdicar de influenciar o rumo
europeu e sobretudo a sua gestão macroeconómica.
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