sábado, 22 de setembro de 2018

O IRRASCÍVEL BARREIRO RIVAS



(As crónicas de Xosé Luís Barreiro Rivas na VOZ de GALICIA têm veneno e ironia ao meu gosto. Conhecendo a personalidade deste professor de ciência política da Universidade de Santiago de Compostela, melhor compreendo a ironia dos seus chistes. Este excerto sobre a exumação dos restos mortais de Franco do Vale dos Caídos e as propostas para a sua transformação são do melhor que o irrascível cronista já escreveu.)

Há muito boa gente que pensa que a questão em torno da exumação e retirada dos restos mortais do ditador Franco do Vale dos Caídos é algo fora de tempo. Há dias, na sua passagem por Lisboa, Pérez-Reverte dizia provocatoriamente que lhe era indiferente o que quisessem fazer sobre Franco. Para ele, deixou de ser um problema há quarenta anos.

Barreiro Rivas usa a sua portentosa ironia para tomar posição sobre o assunto. Tem veneno suficiente para uma crónica diferente, como eu gosto.

O meu plano tem duas partes: tirar o morto de Cuelgamuros, de que Sánchez se encarregará; e preencher de novo o espaço com algo sólido – um centro de memória? Um cemitério civil? Um monumento comido pelas ervas daninhas, como as ruínas maias, que as gerações futuras convertem em património mundial? – para que o coração da basílica possa continuar a bater sem sentir o angustiante vazio do ditador.

A proposta consiste em converter o templo hipogeu num Arquivo Nacional de trabalhos académicos e títulos honoris causa que, realizados depois da Guerra Civil, tenham sido ocultados, repudiados, esquecidos ou voluntariamente extraviados pelos seus autores, de modo que, ao mesmo tempo que convertemos o lixo em património, consigamos que ninguém queira ser relacionado com farol tão ageste. A cerimónia começaria com a transladação dos trabalhos de Cifuentes, Montón, Casado e Sánchez para o túmulo de Franco, para que, uma vez exumado seu cadáver, se possa preencher o espaço com mercadoria tão preciosa, e se volte a tapar com a lápide ao contrário.

Depois, após ampliar quatro vezes a basílica, começaríamos a libertar as universidades e as bibliotecas das centenas de milhar de teses ocultas, títulos espúrios, e trabalhos e expedientes manipulados, para que ali descansem em paz, sem fazer distinção entre autores fascistas, vermelhos, populistas ou centristas.

Para compensar estas expropriações, a comunidade beneditina que guarda o Vale rezaria pelos autores ali representados, para que não voltem a escrever mais nada. Seria o primeiro monumento do mundo dedicado à memória do inútil . uma enorme percentagem da produção científica e académica – que converteria em anónimos todos os trabalhos de tramitação que ninguém quer reivindicar. Seria um alívio, sem dúvida, para todos e todas”.

Veneno e ironia do melhor.

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