(As crónicas de Xosé Luís Barreiro Rivas na VOZ de GALICIA
têm veneno e ironia ao meu gosto. Conhecendo a personalidade deste professor de
ciência política da Universidade de Santiago de Compostela, melhor compreendo a
ironia dos seus chistes. Este excerto sobre a exumação dos restos mortais de Franco do Vale dos Caídos
e as propostas para a sua transformação são do melhor que o irrascível cronista
já escreveu.)
Há muito boa
gente que pensa que a questão em torno da exumação e retirada dos restos
mortais do ditador Franco do Vale dos Caídos é algo fora de tempo. Há dias, na
sua passagem por Lisboa, Pérez-Reverte dizia provocatoriamente que lhe era
indiferente o que quisessem fazer sobre Franco. Para ele, deixou de ser um
problema há quarenta anos.
Barreiro Rivas
usa a sua portentosa ironia para tomar posição sobre o assunto. Tem veneno
suficiente para uma crónica diferente, como eu gosto.
“O meu plano tem duas partes: tirar o morto de Cuelgamuros,
de que Sánchez se encarregará; e preencher de novo o espaço com algo sólido –
um centro de memória? Um cemitério civil? Um monumento comido pelas ervas daninhas,
como as ruínas maias, que as gerações futuras convertem em património mundial? –
para que o coração da basílica possa continuar a bater sem sentir o angustiante
vazio do ditador.
A proposta consiste em converter o templo hipogeu num Arquivo Nacional de
trabalhos académicos e títulos honoris causa que, realizados depois da Guerra
Civil, tenham sido ocultados, repudiados, esquecidos ou voluntariamente extraviados
pelos seus autores, de modo que, ao mesmo tempo que convertemos o lixo em
património, consigamos que ninguém queira ser relacionado com farol tão ageste.
A cerimónia começaria com a transladação dos trabalhos de Cifuentes, Montón, Casado
e Sánchez para o túmulo de Franco, para que, uma vez exumado seu cadáver, se
possa preencher o espaço com mercadoria tão preciosa, e se volte a tapar com a lápide
ao contrário.
Depois, após ampliar quatro vezes a basílica, começaríamos a libertar as universidades
e as bibliotecas das centenas de milhar de teses ocultas, títulos espúrios, e
trabalhos e expedientes manipulados, para que ali descansem em paz, sem fazer
distinção entre autores fascistas, vermelhos, populistas ou centristas.
Para compensar estas expropriações, a comunidade beneditina que guarda o
Vale rezaria pelos autores ali representados, para que não voltem a escrever mais
nada. Seria o primeiro monumento do mundo dedicado à memória do inútil . uma
enorme percentagem da produção científica e académica – que converteria em anónimos
todos os trabalhos de tramitação que ninguém quer reivindicar. Seria um alívio,
sem dúvida, para todos e todas”.
Veneno e ironia
do melhor.
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