(O economista americano assina no Project Syndicate um artigo sobre o
conceito de estagnação secular que assenta num erro de perspetiva e numa descuidada
interpretação do que tem sido escrito sobre o conceito. Com origem numa preocupação válida, a de demonstrar
que o estímulo fiscal na economia americana como resposta aos acontecimentos de
2007-2008 deveria ter sido mais amplo, Stiglitz acaba por revelar uma interpretação
distorcida do conceito de estagnação secular. Acontece aos melhores.)
Joseph
Stiglitz tem-se destacado na análise crítica da gestão da crise de 2007-2008 em
termos de política económica e monetária. A sua visão crítica da gestão
macroeconómica de Obama e agora dos desvarios da administração Trump é
amplamente conhecida. Entre os economistas Nobel vivos, a par de Krugman, é dos
mais combativos e tem pena afiada, assumindo-se como um dos principais rostos
interventivos da Progressive Economy.
No seu
artigo mais recente no Project Syndicate (link aqui), o economista americano mantém o seu registo
crítico sobre a gestão macroeconómica do pós 2007-2008, mas mete ao barulho o
conceito de estagnação secular, desvalorizando-o e em meu entender errando o tiro.
Stiglitz talvez não morra de amores pelos pais da moderna interpretação do
velho conceito de estagnação secular de Alvin Hansen nos anos 30 (com Larry
Summers à cabeça), vá lá saber-se e nem me interessa. O economista americano interpreta
a atratividade que a reinterpretação do conceito mereceu nos últimos tempos
como um pretexto dos responsáveis pela gestão da recuperação macroeconómica da
crise de 2008 para justificar a sua incompetência em conseguir uma recuperação
mais rápida e robusta. Algo que em discurso direto poderia ser assim descrito: “sim,
a recuperação foi anémica mas não nos culpem, mas dirijam as vossas críticas às
ameaças de estagnação secular.
Stiglitz tem
razão em defender que o estímulo fiscal da governação Obama poderia ter sido
mais amplo e se o tivesse sido muito provavelmente a recuperação não teria sido
tão direcionada para a melhoria dos rendimentos do 1º mais rico da população
americana. Mas parece-me um erro de perspetiva a sua afirmação: “Tivesse o estímulo fiscal sido mais amplo e a recuperação
teria sido mais forte e não haveria qualquer conversa sobre estagnação secular”.
O bias da argumentação de Stiglitz é por
demais evidente. Na sua ânsia de demonstrar o seu argumento de que o estímulo
fiscal de Obama foi tímido, cai numa interpretação errada do conceito de
estagnação secular. Tal como foi apresentado e abundantemente referido neste
blogue, o conceito de estagnação secular passa pelas dificuldades observadas na
recuperação pós 2007-2008 mas não apenas por aí. O conceito aponta para novas
condições estruturais de crescimento económico na economia americana e nas
economias maduras em geral que estão para além das condições de recuperação das
crises (da última e das que necessariamente irão registar-se nos próximos
tempos). É um fenómeno estrutural que mexe com o baixo valor da taxa de juro natural,
com as interrogações do progresso técnico sobre o ritmo de crescimento da
produtividade, com o declínio demográfico ocidental e com a influência do baixo
preço relativo do capital sobre o investimento em capital fixo em condições de
excesso de poupança disponível e não com o modo como a gestão macroeconómica da
recuperação é realizada. Aliás, esta última é neste caso uma variável dependente.
Terá de revestir-se de novas frentes para enfrentar precisamente os desafios da
ameaça de estagnação secular, designadamente a maior necessidade da política
fiscal e as grandes limitações da política monetária.
Stiglitz não
compreendeu que o conceito de estagnação secular é do tempo longo na economia e
que a sua fiabilidade reforça a necessidade de estímulos fiscais mais fortes como
ele próprio advoga. Em economia do tempo longo, há conceitos que podem
revelar-se de difícil medida e não é por isso que lhes reservamos a classificação
de mitos, como Stiglitz o faz para a estagnação secular.
Nem os
melhores resistem, por vezes, à tentação dos argumentos enviesados.
Sem comentários:
Enviar um comentário