segunda-feira, 10 de setembro de 2018

REBELDIA RESILIENTE



(Uma nova sondagem eleitoral sobre a situação política na Catalunha mostra a presença resiliente da rebeldia independentista, apesar do ambiente menos crispado que hoje se vive nas relações com Madrid. Más notícias para Sánchez que não vê na situação política local qualquer abertura retribuidora do seu esforço de diálogo.)

A fazer fé na sondagem Sociométrica realizada para o jornal El Español (link aqui), se a Catalunha fosse hoje às urnas a Esquerra Republicana seria o partido mais votado, mantendo-se uma maioria absoluta independentista ligeiramente acima dos 50% e cerca de 53% dos inquiridos confia que a independência será mais tarde ou mais cedo uma realidade. Sabemos que as sondagens são voláteis. Devem, por isso, ser olhadas com cautela. Mas analisando objetivamente e sem emoções os dados obtidos há uma certa coerência nos mesmos. Senão vejamos.

O facto dos eleitores sondados concederem 25% à Esquerra Republicana é coerente com o maior pragmatismo político da organização (é seguramente entre os independentistas a organização menos aventureira) e o eleitorado parece valorar essa posição. Em simultâneo, a instabilidade do PD de Cat apresentada como Junts per Catalunya é penalizada, o que significa que as sucessivas tropelias de Puigdemont a partir do exterior não são do agrado do independentismo. Parece registar-se uma tendência para um certo realinhamento entre os independentistas, sugerindo que um novo governo da Generalitat poderia ter uma composição diversa. Essa ideia é também consistente com alguma perda dos radicais da CUP. Mas o que decorre dos dados da sondagem (e isso são más notícias para Sánchez e para que se opõem ao independentismo) é que o constitucionalismo voltaria a perder em pleno terreno eleitoral, mostrando uma vez mais que a rebeldia é resiliente, veio para ficar e nas condições em que se manifesta isso a equivale a dizer que a sociedade catalã continuará fraturada, fortemente fraturada.

Quatro outras informações são consistentes com este ambiente geral. Primeiro, o CIUDADANOS de Inês Arrimadas perde o estatuto de partido mais votado, em linha com as dificuldades de manter uma trajetória de crescimento a nível nacional. Segundo, o Partido Socialista Catalão recupera alguma percentagem de eleitorado capitalizando a abertura de Sánchez ao diálogo. Terceiro, compreensivelmente dada a sua posição face à Catalunha, o PP mantêm-se na margem da irrelevância política regional. Quarto, a força política resultante da aliança do PODEMOS com a autarca de Barcelona Ada Colau mantém votação, sobretudo graças ao peso do governo da Cidade.

Amanhã é dia de Diada e na rua confrontar-se-ão duas posições. A da Diada como afirmação de identidade e autonomia. A da Diada como património do independentismo. A história das Diadas anteriores, sobretudo as mais pujantes e participadas não autorizam esse argumento que o presidente da Generalitar terá querido fazer passar. Mas o problema é que a posição dos catalanistas não independentistas, mas ciosos de afirmar a sua identidade e autonomia, tem hoje condições quase impossíveis de manifestação das suas ideias. Haverá muita gente neste grupo que não ousa afirmar em público a sua presença, receando não o peso da pressão independentista (embora este não seja brando e para menosprezar, antes pelo contrário), mas antes o risco de serem confundidos com as posições constitucionalistas. Essa temeridade é o primeiro passo para ceder a rua aos independentistas, que já deram aliás provas mais do que muitas de serem exímios em manipular os manuais do agit pro.

Tem razão LLuís Bassets (link aqui) quando nos diz que não é de uma Catalunha que se trata mas de duas: “A divisão converteu a Catalunha em duas nações, em lugar de uma só. E como sucede com as nações, ambas nascidas na luta, uma contra a outra e na negação mútua de qualquer legitimidade, incluindo a da sua existência, cada uma desejará celebrar à sua maneira o 11 de setembro, a Diada nacional que em tempos remotos reunia todos e que agora serve para exibir a fratura em todo o seu esplendor.”

Entretanto, a sondagem que nos serve de guia regista apenas 28% de eleitores a defender a reaplicação do 155º.

Passa também por aqui a erosão política do governo de Sánchez. A abertura ao diálogo e sobretudo a paciência político-institucional para ir aguentando a guerrilha de Torras e seus apoiantes colhe num primeiro momento, aquele que resulta da passagem da tensão a uma menor crispação. Mas mal esta não crispação se instala o diálogo sem resultados à vista é fator de erosão. Não terá sido por acaso que Pedro Sánchez no seu resumo político dos 100 dias de governação omitiu qualquer referência à situação política na Catalunha. O jogo político continuará bloqueado enquanto, primeiro, o independentismo, apesar de realinhado internamente, continuar a dominar os atos eleitorais e, segundo, enquanto a rebeldia resiliente continuar a projetar a sua afirmação no curto prazo e na aceleração do tempo político. Se essa rebeldia assumisse uma postura de concretização a mais longo prazo isso talvez concedesse alguma margem ao aprofundamento do diálogo político com resultados. Por isso, à menor escorregadela a crispação regressará.

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