quarta-feira, 31 de agosto de 2016

POBRE POVO BRASILEIRO!

(Laerte Coutinho, http://folha.uol.com.br)

(Chico Caruso, http://oglobo.globo.com)

Está concretizado o mal, acrescentar mais o quê que não seja algo próximo de uma sentida encomenda do povo brasileiro ao Criador?

O SENHORIO DE CARIZ SOCIAL


Se há assunto que tenho por ser de enormíssima complexidade e delicadeza política, sobretudo num país com os traços estruturais de debilidade socioeconómica e a evolução histórica recente de Portugal, esse é o problema habitacional e do mercado de arrendamento. Acho mesmo que será quiçá essa a questão que melhor ilustra a dimensão de “monstro” que não soubemos evitar de construir no pós-25 de abril, sempre ao sabor de intermináveis imposições das sucessivas conjunturas políticas e em consequente resultado de avanços seguidos de recuos, de combates seguidos de negociações e compromissos, de comportamentos e opções predominantemente inexplicáveis, covardes ou eleitoralistas. Como será também aquela que melhor poderá servir de barómetro fidedigno sobre o estado da opinião pública e sobre o potencial de conflitualidade expressa ou velada (mas eleitoralmente explicitada) socialmente em presença.

Depois dos quarenta anos de imobilismo ou abordagens desarticuladas (e em praticamente todos os sentidos) a que assistimos após o congelamento das rendas no período subsequente à Revolução de 1974, recordo destes anos mais recentes as démarches de Eduardo Cabrita no quadro da governação Sócrates e as pomposas manobras de diversão do “Novo Regime de Arrendamento Urbano” de Assunção Cristas no contexto da governação Passos. Chegou agora a vez de José Mendes, secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, fazer a sua incursão pelo dossiê, o que foi por estes dias anunciado numa entrevista ao “Público” que teve grande destaque de primeira página.

Há dias, acordei ao som de um noticiário da TSF em que se sintetizava o essencial da problemática em curso. Assim: “Benefícios fiscais ou seguros de renda. Estas são duas das hipóteses em cima da mesa. O governo quer alterar a lei do arrendamento e criar condições para as famílias mais afetadas pela crise dos últimos anos poderem manter-se no mercado, sem pagarem quantias acima do seu rendimento. Em entrevista ao jornal Público, o secretário Adjunto e do Ambiente explica que entre, os agregados que estão na habitação social e aqueles da classe média que estão alojados e podem pagar renda, existe uma fatia de famílias que não se enquadram em nenhuma destas situações. São, segundo José Mendes, famílias que nos últimos anos estiveram sujeitas a fortes restrições no seu rendimento e que passaram a ter dificuldade em pagar a renda de casa. O Governo quer, em primeiro lugar, perceber a dimensão deste segmento. Depois, e já com os números na mão, segue-se uma mudança na lei de forma a criar incentivos aos senhorios. José Mendes, ao Público, fala num novo quadro legislativo, em que se insere a figura de ‘senhorio de cariz social’. Em troca, os proprietários passam a praticar rendas com valores limite, acessíveis à classe média e media baixa.”

Logo de seguida, vinha a reação dos proprietários pela voz de um seu representante (António Frias Marques): “Nós ficamos estupefactos com essa ideia que podemos considerar peregrina. E isto porquê? Há um universo – e esse número nós sabemos quantos arrendatários, quantos inquilinos são, são cerca de 50 mil, são pessoas que estão protegidas durante cinco anos, com a renda indexada aos seus rendimentos. E, quanto a nós, o Governo só tem que cumprir aquilo que está na lei. E o que é que diz a lei? A lei diz que vai existir um subsídio de renda para esse grupo de pessoas que estão protegidas com, realmente, os arrendamentos indexados àquilo que recebem mensalmente, normalmente de pensões de reforma. E posso-lhe dizer o número de pessoas que pagam até 50 euros de renda – nós conhecemos casos de pessoas que habitam em palácios e que pagam menos de 50 euros de renda. A única coisa que o Governo deve fazer é criar o subsídio de renda e atribuir a essas pessoas, para pagarem aos senhorios, a diferença entre aquilo que eles podem pagar e a renda técnica. O que é a renda técnica, que podemos considerar a renda justa? A renda justa são 6,7% do valor patrimonial tributário – que foi atribuído ao imóvel pelas próprias Finanças e com que nós concordamos perfeitamente. Aí é que se estava a fazer justiça, não só uma justiça social como uma justiça económica.” Reafirmando ainda: “Quem está dentro dos problemas do arrendamento sabe perfeitamente que a grande maioria dos senhorios nessa condição, que tem rendas indexadas – rendas que podemos considerar baixíssimas, menos de 50 euros –, a maior parte destes senhorios posso-lhe dizer que paga mais de IMI do que recebe de rendas. De forma que a única coisa que tinham de começar era por corrigir essa situação. (...) Milhares de reclamações entraram nas Finanças sobre esse assunto, todas elas são indeferidas. Portanto, se querem realmente fazer qualquer coisa de justo, comecemos por aí.”

Os dados estão novamente lançados e o tema está de novo de volta ao primeiro plano. Com a agravante de a discussão já vir desvirtuada por uma enorme agressividade – a entrevista do especialista e advogado Meneses Leitão à SIC foi disso prova mais que evidente, chegando a roçar o insulto político. Mas dizer que estamos perante a defesa de interesses no seu melhor será, a meu ver, demasiado simplista. A matéria tem que se lhe diga, abrange a sociedade como um todo e tem foros de manifesta centralidade em sede de contributo para a consolidação de uma classe média e, por essa via, de uma economia mais sustentável e de uma democracia mais sólida. Além de ser também especialmente sensível para os lados mais à esquerda do espetro partidário, uma esquerda que de momento integra a maioria parlamentar de apoio ao Governo. É por tudo isto que importa tratar o problema com o máximo de pinças possível, o que aconselha vivamente uma gestão política assente numa nem sempre frequente conjugação de requisitos de conhecimento, experiência, bom senso e habilidade negocial...


ESCOLHAS PÚBLICAS CRUCIAIS NA IRLANDA




(A investigação da Comissão Europeia às ajudas fiscais da Irlanda à Apple e a determinação da Comissária Vestager colocam treze mil milhões de dólares potenciais à disposição do governo irlandês, com escolhas públicas cruciais não só para o futuro dos Irlandeses mas também para um novo código de tributação das multinacionais)

Ontem era notícia que, muito provavelmente, o governo irlandês criaria uma conta que seria intocável para depositar os 13.000 milhões de dólares que se estima a APPLE deverá devolver à Irlanda, acaso a Comissão Europeia vença o seu caso com a multinacional americana. Estaria em jogo a possibilidade do governo irlandês iniciar um longo processo judicial de tentativa de demonstração de que a subsidiação fiscal da APPLE não constituiria ajudas de estado ilegais à luz do direito comunitário, juntando-se assim às alegações da própria APPLE quanto à referida decisão da Comissão Europeia.

Imagino os main partners dos escritórios de advocacia especializados em ajudas de Estado a esfregar as mãos por contendas jurídicas tão apetitosas.

Mas no seio desta grande questão, há uma outra bem mais importante, relativamente ao qual o governo irlandês e os irlandeses em geral terão de responder com clareza. Finton O’Toole coloca essa questão de forma muito crua no The Irish Times e até pode ser apresentada como um dilema crucial: ou a Irlanda pretende manter o seu estatuto de território de atração preferencial de multinacionais interessadas em pagar impostos irrisórios face ao seu volume global de negócios (e com isso gerar toda uma série de benefícios internos apesar da quebra de punção fiscal) ou então pretende reinventar-se num mundo em que seja solicitada a essas multinacionais uma maior responsabilidade na geração de recursos públicos fiscais. Este dilema tem uma variável de contexto que não pode ser ignorada: a Irlanda tem uma taxa elevadíssima de aprovação da sua integração na União Europeia.

Como vai o governo irlandês posicionar-se face a este dilema? Vai apelar da sentença, manter intocável o tesouro dos 13.000 milhões de dólares e não abdicar do seu estatuto de bondade fiscal como atrator de multinacionais e do seu investimento? Ou vai utilizar a prenda da devolução fiscal como um suporte de um programa de investimentos públicos (que O’Toole elenca com pormenor, link aqui) que podem até passar pela negociação de uma presença mais partilhada da APPLE em território irlandês? E se a opção irlandesa, democraticamente validada, for a primeira, será que o conflito inevitável com a DG Concorrência irá alterar a taxa de satisfação relativamente às instituições europeias?

Grandes decisões levam a outras grandes decisões! Mais uma demonstração de que as instituições europeias não podem estar entregues a invertebrados!

MAIS SOBRE A MAÇÃ

(Kipper Williams, http://www.guardian.co.uk)


Embora as convergências analíticas e opinativas sejam frequentes, tem sido raro o diálogo desenvolvido entre os dois titulares deste blogue. Não pretende este post contribuir para colmatar tal lacuna, antes decorre de uma inspiração fortuita proveniente da leitura do último escrito do António Figueiredo sobre o recente incidente fiscal entre a Apple e a Comissão Europeia. Mais acima, a dentada de um burocrata comunitário na maçã e algumas primeiras páginas sobre a matéria. Abaixo, uma perspetiva atualizada do negócio da maior empresa do mundo e uma ilustração gráfica da sua renitência ao pagamento de impostos fora de portas, situação esta que está subjacente à intervenção dos serviços da comissária Vestager e à competente prova de vida que a mesma parece objetivamente traduzir (she does not care where any company is from a somar à menção acima de que I would think I need to take a second look at my tax bill). Nada de muito novo, pois, somente o recurso a alguns complementos de arquivo julgados propositados.