(Nestes dias de
modorra estival e não querendo fazer dos incêndios que vão marcando os últimos
dias de férias aqui por Seixas-Caminha matéria de blogue, ainda é a imagem da energia desmedida de
Telma Monteiro que marca a reflexão de hoje)
Embora não seja central
na minha atividade profissional, o ordenamento do território já me fez queimar
algumas pestanas, sobretudo ao nível do macro-ordenamento do país e da região
Centro em particular. A coordenação dos trabalhos do Plano Regional de Ordenamento
do Território da região Centro, concluindo no seu devido tempo, e que aguarda
inexplicavelmente desenvolvimentos legislativos, os quais já não acredito que venham
a ter lugar depois de tanto baralhamento político na governação Paf, constituiu
talvez o marco principal dessa minha incursão por tema tão desacreditado em Portugal.
No âmbito desse
trabalho, tive oportunidade de conviver de perto com especialistas do ordenamento
florestal e da prevenção de incêndios florestais e percebi que não era por ausência
de conhecimento nacional sobre a matéria que o país assiste resignado, para gáudio
do voyeurismo televisivo mais sórdido, à trágica destruição de património, vidas,
paisagens, culturas. De facto, já não há paciência para os que apenas se lembram
do ordenamento na canícula incendiária dos agostos que se sucedem, pois entre
esses defensores de última hora do ordenamento do território seguramente que
encontraremos responsáveis ativos pela sua desvalorização e banalização. Para
além disso, como o meu amigo Américo Mendes costuma lembrar (excelente o seu artigo
recente no Público sobre as brigadas de monitorização florestal que ninguém
parece interessado em apoiar), continua a ignorar-se que mais do que 95% da
floresta nacional é privada e que o Estado deixa muito a desejar na preservação
do pouco que lhe cabe na repartição da propriedade.
Por isso, com tanta
hipocrisia no ar, é legítimo admitir que os interesses em torno da via reativa rapidamente
se sobrepõem em detrimento do investimento na prevenção e na gestão florestal
moderna. Quem é que de juízo perfeito se atreve a negar a relevância do balúrdio
dos meios aéreos de combate aos incêndios como forma de intervenção de recurso?
Por isso as inúmeras vozes
(em regra críticas da governação que apanha esta questão por resolver quando o
país está a banhos) que se atiram à reprodução mecânica do discurso do
ordenamento, recorrentemente e em plena tragédia de fogos por todo o lado, têm
toda a razão em denunciar essa hipocrisia. É que a sua visão do ordenamento do
território é poética, ignorando que não há ordenamento do território sem investimento
público forte e sistemático e o ordenamento florestal não foge à regra.
Nesse contexto de
hipocrisia congénita e disseminada pela ação política a vários níveis, apetece
destacar a energia de Telma Monteiro, como exemplo de perseverança, que já se
anunciava naquele desfile da sessão inaugural, em que a judoca portuguesa irradiava
a felicidade de uma adolescente, incomum em alguém que procurava denodadamente
uma medalha na sua quarta presença olímpica e que não desiste de uma possível
participação em Tóquio. A genuinidade é o melhor antídoto para a hipocrisia.
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