terça-feira, 16 de agosto de 2016

A MINHA RENTRÉE




(Reflexões soltas em torno da situação do país, agora que o regresso ao trabalho permitirá retomar a escrita do blogue com a regularidade de sempre)

A Wine Spectator de agosto que aguardava na secretária o meu regresso ao trabalho dedica uma pequena mas incisiva atenção aos vinhos brancos portugueses, com destaque para os do Douro e isso lembra-me a extrema diversidade de Alvarinhos (é preciso estimular as economias locais) que degustei (com moderação) nestes dias de canícula de agosto, no refúgio de Seixas.

Nos últimos tempos, a minha rentrée anda um pouco desfasada da maioritariamente observada em fins de agosto, apontando-lhe apenas o único inconveniente de coincidir com a festa do Pontal. Mas ressalvando esta coincidência, esta rentrée é mais calma, apanha a cidade ainda expectante da pressão futura e as manhãs de nevoeiro que alimentam regra geral estes dias de agosto são o contexto ideal para o regresso ao trabalho e à escrita de alguns relatórios que aguardam ou começo ou conclusão.

O regresso ao trabalho é também oportunidade para uma olhada breve à situação económica do país, agora que macroeconomicamente temos já elementos respeitantes ao segundo trimestre do ano corrente.

Nas condições típicas de estagnação secular que atravessam as economias avançadas (destino das exportações portuguesas) e de incerteza estrutural que paira sobre a economia global, só obviamente com um enorme esforço de aumento de quota de participação nos mercados externos seria possível assegurar que a exportação fosse um motor decisivo de ritmos de crescimento económico mais acentuados. Mas um aumento de quotas de mercado não é concretizável sem dinâmica de investimento privado que se veja. Grande parte da resiliência das exportações portuguesas foi assegurada com aproveitamento de capacidade produtiva não utilizada, com largo destaque para os mercados de Angola, Brasil e China, todos eles em retração ou pelo menos sem a manutenção dos ritmos de crescimento do passado.

E aqui estamos no nó górdio da governação atual. Creio que fui dos primeiros a escrever que a aposta na reposição dos níveis de consumo privado (quer no programa original do PS, quer na sua transformada formulação resultante do acordo parlamentar à esquerda) só funcionaria como elemento de transição entre paradigmas de governação macroeconómica, ou seja, entre o modelo de desvalorização interna da Troika como pretenso fator de competitividade e o do balanceamento das condições de austeridade. Só por pura magia seria possível assegurar que a reposição gradual do consumo das famílias tivesse impacto relevante em termos de crescimento económico, entendendo-se aqui por magia um salto tão brusco dos níveis de consumo cuja origem é impossível descortinar.

No discurso e prática do governo de António Costa, onde abundou clareza quanto à reposição dos níveis de consumo privado faltou clarividência em matéria de enquadramento do investimento privado, até porque a atribulada (e ainda hoje não totalmente explicada) execução do Portugal 2020 limitou bastante o contributo do investimento público cofinanciado por Fundos Estruturais. É conhecido que na economia portuguesa, os efeitos do aumento do consumo privado se orientam predominantemente para os serviços e parte será diluída nos meandros da economia paralela.

Pode dizer-se que é tarefa ciclópica estimular o investimento privado (sobretudo o focado em atividades transacionáveis) no contexto de incerteza que paira sobre a economia global, que contará sempre mais do que os riscos de instabilidade política interna. Mas precisamente por essa razão é que se torna necessário um discurso coerente sobre o relançamento do investimento privado e não pode ser apenas o Partido Socialista a compreendê-lo, também os restantes protagonistas do acordo parlamentar à esquerda terão de o admitir, após o reequilíbrio das condições de barganha social que lentamente tem sido possível introduzir na cena política nacional. A recente informação publicada pelo Banco de Portugal respeitante ao inquérito aos cinco principais bancos sobre o mercado de crédito confirma a estabilização da procura de crédito por parte das empresas, grandes e PME sem diferenças assinaláveis. O que é sinal de estagnação do investimento.

A magnitude desta questão permanece intacta após férias e continuará a representar o nó górdio de toda a governação seja na parte final de 2016, seja em 2017. Não se esqueça que o fraco crescimento económico homólogo e em cadeia do 2º trimestre de 2016 acontece com um ano turístico que será certamente um dos mais fulgurantes dos últimos anos, o que provavelmente determinará no terceiro trimestre um crescimento em cadeia superior ao observado no 2º trimestre.

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