(Reflexões soltas
em torno da situação do país, agora que o regresso ao trabalho permitirá retomar a escrita do blogue
com a regularidade de sempre)
A Wine Spectator de agosto que aguardava na secretária o meu regresso
ao trabalho dedica uma pequena mas incisiva atenção aos vinhos brancos
portugueses, com destaque para os do Douro e isso lembra-me a extrema
diversidade de Alvarinhos (é preciso estimular as economias locais) que
degustei (com moderação) nestes dias de canícula de agosto, no refúgio de
Seixas.
Nos últimos tempos, a
minha rentrée anda um pouco desfasada da maioritariamente observada em fins de
agosto, apontando-lhe apenas o único inconveniente de coincidir com a festa do
Pontal. Mas ressalvando esta coincidência, esta rentrée é mais calma, apanha a
cidade ainda expectante da pressão futura e as manhãs de nevoeiro que alimentam
regra geral estes dias de agosto são o contexto ideal para o regresso ao trabalho
e à escrita de alguns relatórios que aguardam ou começo ou conclusão.
O regresso ao trabalho é
também oportunidade para uma olhada breve à situação económica do país, agora
que macroeconomicamente temos já elementos respeitantes ao segundo trimestre do
ano corrente.
Nas condições típicas de
estagnação secular que atravessam as economias avançadas (destino das
exportações portuguesas) e de incerteza estrutural que paira sobre a economia
global, só obviamente com um enorme esforço de aumento de quota de participação
nos mercados externos seria possível assegurar que a exportação fosse um motor
decisivo de ritmos de crescimento económico mais acentuados. Mas um aumento de
quotas de mercado não é concretizável sem dinâmica de investimento privado que
se veja. Grande parte da resiliência das exportações portuguesas foi assegurada
com aproveitamento de capacidade produtiva não utilizada, com largo destaque
para os mercados de Angola, Brasil e China, todos eles em retração ou pelo
menos sem a manutenção dos ritmos de crescimento do passado.
E aqui estamos no nó
górdio da governação atual. Creio que fui dos primeiros a escrever que a aposta
na reposição dos níveis de consumo privado (quer no programa original do PS,
quer na sua transformada formulação resultante do acordo parlamentar à
esquerda) só funcionaria como elemento de transição entre paradigmas de
governação macroeconómica, ou seja, entre o modelo de desvalorização interna da
Troika como pretenso fator de competitividade e o do balanceamento das condições
de austeridade. Só por pura magia seria possível assegurar que a reposição
gradual do consumo das famílias tivesse impacto relevante em termos de
crescimento económico, entendendo-se aqui por magia um salto tão brusco dos
níveis de consumo cuja origem é impossível descortinar.
No discurso e prática do
governo de António Costa, onde abundou clareza quanto à reposição dos níveis de
consumo privado faltou clarividência em matéria de enquadramento do
investimento privado, até porque a atribulada (e ainda hoje não totalmente
explicada) execução do Portugal 2020 limitou bastante o contributo do
investimento público cofinanciado por Fundos Estruturais. É conhecido que na
economia portuguesa, os efeitos do aumento do consumo privado se orientam
predominantemente para os serviços e parte será diluída nos meandros da
economia paralela.
Pode dizer-se que é
tarefa ciclópica estimular o investimento privado (sobretudo o focado em
atividades transacionáveis) no contexto de incerteza que paira sobre a economia
global, que contará sempre mais do que os riscos de instabilidade política
interna. Mas precisamente por essa razão é que se torna necessário um discurso
coerente sobre o relançamento do investimento privado e não pode ser apenas o
Partido Socialista a compreendê-lo, também os restantes protagonistas do acordo
parlamentar à esquerda terão de o admitir, após o reequilíbrio das condições de
barganha social que lentamente tem sido possível introduzir na cena política
nacional. A recente informação publicada pelo Banco de Portugal respeitante ao
inquérito aos cinco principais bancos sobre o mercado de crédito confirma a
estabilização da procura de crédito por parte das empresas, grandes e PME sem
diferenças assinaláveis. O que é sinal de estagnação do investimento.
A magnitude desta
questão permanece intacta após férias e continuará a representar o nó górdio de
toda a governação seja na parte final de 2016, seja em 2017. Não se esqueça que
o fraco crescimento económico homólogo e em cadeia do 2º trimestre de 2016 acontece
com um ano turístico que será certamente um dos mais fulgurantes dos últimos
anos, o que provavelmente determinará no terceiro trimestre um crescimento em
cadeia superior ao observado no 2º trimestre.
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