(A segunda metade
dos anos 90 foi fértil em testemunhos fundamentados de economistas que, no
fundo, eram avisos sobre a insustentabilidade dos rumos que a globalização
estava a assumir; o recuo
atual em que o processo se encontra diz-nos que tais avisos foram olimpicamente
ignorados)
Já neste blogue me
referi, repetidas vezes, ao significado que o BREXIT apresenta do ponto de
vista do modo como eleitores e globalização se relacionam. As eleições
primárias nos EUA e os seus reflexos nas presidenciais de novembro próximo
evoluíram no mesmo registo de rejeição do discurso win-win associado à globalização. Ainda ontem, Sigmar Gabriel, do
SPD, vice-presidente do governo de Merkel, referiu que o acordo transatlântico
entre a União Europeia e os EUA tinha falhado. Vários nacionalismos europeus em
afirmação alinham também por esse mesmo registo.
A segunda metade dos
anos 90, com prolongamentos para a década de 2000, foi fértil em estudos e
obras de economistas que alertaram para a insustentabilidade do aprofundamento
do processo de globalização sem uma adequada ponderação dos efeitos provocados
pelo processo em grupos perdedores. Se os desmandos da globalização financeira
foram os primeiros a ser denunciados, colocando em evidência o forte contributo
da livre e desregulada movimentação dos capitais para a instabilidade
financeira, o aprofundamento da globalização económica resistiu mais aos
críticos da globalização.
Mas, como antes referi,
na segunda metade dos anos 90, Kevin O’Rourke e Jeffrey Williamson, seguindo a
via da história económica e estudando em particular os fins do século XIX na
chamada economia do atlântico norte (Europa e EUA), mostraram claramente que a
ideia do win-win era uma ilusão e que
na altura eram os proprietários de terra europeus que perderam acentuadamente
rendimento nesse período de aprofundamento da globalização económica.
Curiosamente, na época em que O’Rourke e Williamson publicaram a investigação
sobre a economia atlântica dos fins do século XIX, estava já no centro do
debate a perda que os trabalhadores menos qualificados das economias avançadas
experimentavam face à elevadíssima oferta de trabalho menos qualificado que,
por via da globalização económica, os países asiáticos valorizavam então no
comércio internacional. O’Rourke, apoiado no aviso da sua obra com Williamson,
defende compreensivelmente no VOX EU, que os problemas suscitados pela relação
entre globalização e desigualdade e os seus efeitos sobre a rejeição de mais
integração económica emergiram há longo tempo. Houve assim oportunidade não
aproveitada para atempadamente corrigir rumo.
Mas na segunda metade
dos anos 90, outros avisos emergiram e gostaria de me concentrar hoje num
deles. Dani Rodrik é conhecido por ter sido o primeiro economista a demonstrar
o chamado trilema da globalização, ou seja, que não é possível simultaneamente
aprofundar a globalização económica e financeira, manter o Estado-Nação e
preservar a democracia. Mas não é nesse contributo de Rodrik que gostaria de me
concentrar. Antes mesmo de formalizar o referido trilema, Rodrik mostrou, em
1998, que, à medida que o século XX avançava, mais claro era que as economias
mais abertas tinham maior governo, ou seja, maior presença do Estado. O artigo
de Rodrik (“Why do more open economies have bigger
governments?” foi publicado no Journal of Political Economy, uma das revistas de referência e
melhor pontuadas nos rankings
científicos, pelo que o argumento de que o artigo terá passado despercebido não
tem cabimento. Rourke refere artigo da VOX EU que outros economistas mostraram
que a tese de Rodrik era válida para períodos anteriores a 1914.
A explicação para que os
avisos tivessem caído em saco roto é simples e direta. O aprofundamento da
globalização, em termos económicos e financeiros, foi nos anos 80 e 90 o
instrumento fundamental para a afirmação do neoliberalismo económico como
solução de governança mundial. Para que houvesse coerência entre o instrumento
e os princípios que se pretendiam afirmar, não era possível admitir que o
processo geraria perdedores estruturais que teriam de ser objeto de
intervenções compensatórias. Admiti-lo seria considerar a necessidade de
governos mais atentos e mais interventivos na correção de tais perdas
estruturais. Isso explica também que o tema da globalização das pessoas,
efeitos das imigrações nas economias avançadas, fosse lateralizado. Como é
sabido, uma boa gestão das imigrações exige uma política mais alargada de
serviços públicos. Manter imigração elevada em tempo de destruição de serviços
públicos (como no Reino Unido) só pode conduzir à rejeição das próprias
imigrações.
Por todas estas
questões, o neoliberalismo é hoje um pensamento em crise, sendo esta última
contemporânea da convicção popular de que a globalização não é o apregoado
processo win-win. Os tempos vão de
feição para que seja de novo percetível aos olhos dos eleitores que mercados e
estado são complementos indissociáveis. Apesar disso, a social-democracia
europeia não tem produzido nada de relevante na recuperação dessa
complementaridade e essa é que é para mim a verdadeira tragédia. Assim como se
deixou afagar pelos cantos da sereia desreguladora e da globalização, a
social-democracia bem pode ceder aos encantos do nacionalismo para conter os
avanços dos populismos. O risco é grande pois não se vislumbra pensamento para
reinventar a complementaridade entre mercados e estado.
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