sábado, 13 de agosto de 2016

O EXTRAORDINÁRIO BOOM FESTIVAL



Aproveitando uma nem sempre fácil deslocação a Idanha-a-Nova, como perder a oportunidade ali tão à mão de ir vivenciar um pouco do dia de abertura oficial do “Boom Festival”, um indesmentível exemplo português da força da “economia criativa”? Conhecia-lhe a fama entre alguma da juventude que me é mais ou menos próxima, uma fama que levou o jornal britânico “The Guardian” a colocá-lo na lista dos dez melhores festivais de música da Europa e a referir-se-lhe nestes termos: “Ali cria-se uma comunidade espiritual que alimenta a união e o respeito”; ou a destacar, ainda, “o fabuloso ambiente alternativo, criado pela música e dança, mas também arte e várias atividades”. Embora os organizadores da “Good Moon” (que já vão em oito edições, 7500 artistas e 110 mil participantes, desde o arranque em 1997) prefiram sublinhar que “mais do que um festival de música electrónica, o Boom é um evento bienal de cultura independente, multidisciplinar e sustentável, que reúne mais de 800 artistas de áreas de expressão criativa como videoarte, pintura, instalações, land art, teatro, cinema, música ou multimédia”.


Saí rendido à eficácia do conceito, aliás em constante desenvolvimento, e ao tremendo espírito empreendedor de Alfredo Vasconcelos e seus pares (na foto abaixo, ele e os outros três mais – Artur Mendes da Silva, o programador, Fernando Pinheiro, o produtor operacional, e Mariana Macedo, a gestora financeira – que ele referenciou durante uma simpática conversa que nos proporcionou durante um longo e impressivo tour de reconhecimento pela imensidão da herdade) e demais colaboradores. O tema escolhido para este ano foi o Xamanismo (depois da Água em 2010, a Alquimia em 2012 e o Feminino em 2014), a mais antiga forma de religião da humanidade – “assente numa forte ligação ecológica, na consciencialização da interdependência dos organismos terrestre e na crença da existência de mundos invisíveis, os quais podem ser explorados através do uso de plantas sagradas e de outras técnicas indutoras de estados alterados de consciência” – e uma das mais importantes inspirações (teóricas e artísticas) mundiais do movimento psicadélico e visionário.


Uma localização mágica (nas margens da albufeira estranhamente batizada de Marechal Carmona), uma independência absoluta (não existe um único patrocínio à vista em todos aqueles 150 hectares), uma organização primorosa, uma atenção implacável a todos os detalhes (especialmente comportamentais de segurança e de natureza ambiental, mas também incluindo dimensões de troca de ideias, conhecimentos e experiências em vários planos relevantes), um recurso intransigente a trabalhadores locais ao longo de toda a preparação anual, uma utilização preferencial de produtos orgânicos da região nas cantinas instaladas, uma exploração de ligações científicas capazes de proporcionar melhorias salientes (designadamente em termos de construção e materiais e de eco-diversidade e tratamento de água e resíduos), uma rede de “embaixadores” espalhada pelo mundo, parcerias comerciais virtuosas, uma inexistência de quaisquer cabeças de cartaz artísticas, uma bilhética com seletividade de preços (genericamente não baratos) em função da origem do visitante, e por aí fora. É notável o resultado de ver aquelas mais de 33 mil pessoas de mais de 150 nacionalidades (apenas duas notas elucidativas: a venda de bilhetes começou em novembro passado e a 3 de dezembro os mesmos já estavam esgotados; nos dias anteriores ao evento, sai a cada seis minutos uma carrinha do aeroporto de Lisboa ou de Madrid com destino ao local) comungando e fruindo dos mais diferentes modos (obviamente que naquele enquadramento são grandes, e até naturais, as possibilidades de se fazerem diversas e menos ortodoxas trips) de tudo quanto lhes é posto à disposição na verdadeira “cidade” paradisíaca que ali se apresenta diante deles. Assim como que uma espécie de "Disneylândia para adultos" maioritariamente mais que remediados e bem instalados nas suas profissões. Daí que a decisão da “Good Moon” de adquirir aquele enorme e magnífico espaço, onde já anuncia que iniciará um projeto de âmbito cultural mais vasto (“Boomland”) durante todo o ano, se tenha desde logo deparado ao primeiro dia com uma imensa boa vontade em termos de financiamento colaborativo (crowdfunding).

Não resisto a um toque final e mais concreto sobre a fascinante figura de Alfredo Vasconcelos, aliás José Alfredo Crispiniano de Vasconcelos, o portuense que de algum modo lidera tudo aquilo e por lá é visivelmente encarado como referencial (e, às vezes, reverencial). Foi ele próprio quem nos relatou a essência da sua história de vida profissional: fez estudos universitários, passou uns anos pela química Dow, criou com um amigo uma empresa (HTML) e desenvolveu o portal de saúde “Cidade Médica Virtual”, vendeu muito bem essa sua iniciativa ao Grupo José de Mello (via o seu braço Adamastor Capital, que conheci bem nos meus tempos de dedicação ao private equity) durante o boom tecnológico de 2001/02 e mudou as suas opções desde então (com enfoque primordial no projeto “Good Mood” e em opções vivenciais mais ricas e alternativas) – isto dá realmente muitas voltas e há gente abençoada com a sorte e o engenho para conseguir delas tirar os devidos proveitos...

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