sábado, 30 de março de 2013

A ENTREVISTA E OS SEUS EFEITOS



Que triste, pequenino e atrofiado é o debate político num país em que a entrevista na sua televisão pública a um ex-primeiro ministro domina por quase uma semana esse mesmo debate político, pelo menos na sua dimensão mediática!
Sabíamos que José Pacheco Pereira era um dos críticos mais consequentes e impiedosos da forma de fazer política de Sócrates. O seu artigo no Público de hoje faz jus a essa dimensão sem paralelo no comentário político-reflexivo em Portugal, desmontando sabiamente à direita e à esquerda as razões para o êxito mediático não propriamente da entrevista mas dos seus efeitos. Mas agora essa crítica tem um outro significado e alcance. Em pleno apogeu do poder de Sócrates a crítica impiedosa de JPP poderia ter uma outra conotação. Hoje, depois de JPP se ter transformado no mais contundente crítico da anomia nacional em que a governação da atual maioria transformou o país, a sua denúncia do sobre-efeito da entrevista adquire um outro significado. Vale a pena ler.

EUROPEÍSMOS (III)

(Berend Vonx, http://www.trouw.nl)

(Kipper Williams, http://www.guardian.co.uk)
 
A mais linda invenção social da história da humanidade fervilha em imaginação e não cessa de inventar. Mês após mês, ano após ano, a construção europeia vai sendo desconstruída. Por estes dias, ninguém o disse melhor do que Paul De Grauwe: “Essas entidades [BCE, Comissão Europeia,…] não podem ser responsabilizadas politicamente. É um sistema que volta atrás na História – ao Antigo Regime – em que pessoas não eleitas é que decidiam. Não se pode viver num sistema em que os princípios democráticos básicos são ignorados.” Ou será que a Europa era só uma ficção?

INTERESSES POR TODA A PARTE


Com a devida vénia ao “Financial Times”, uma impressionante evidência da dimensão dos envolvimentos económico-financeiros e geopolíticos da família real do Qatar. Um país de 1,9 milhões de habitantes, dos quais menos de 20% são cidadãos nacionais, e detentor das terceiras maiores reservas mundiais de gás natural que diversifica pragmática e tentacularmente a sua base económica doméstica (designadamente através do seu fundo soberano QIA, com ativos a excederem já os 100 mil milhões de dólares) com uma indisfarçável ambição regional. E ainda faltam nove anos para o “Qatar 2022”…

PORQUE NÃO TE CALAS? (2)

 
Registo com agrado a adesão que o António Figueiredo me comunicou a esta, doravante nossa, nova rubrica. Não terá qualquer prémio pecuniário associado mas contará com a remuneração em espécie que a vinda ao nosso convívio não deixará certamente de granjear à vaidosa prolixidade de muitos personagens, deste modo procurando contribuir para o enaltecimento do seu indómito esforço autocontemplativo. Aliás naquela linha, crescentemente em voga, de “se não tiveres nada para dizer, não fiques calado: diz qualquer coisa, se possível tilintante”! Um derradeiro aviso: a ordem dos fatores será logicamente arbitrária, isto é, os eleitos surgirão ao sabor dos acontecimentos e sem quaisquer pretensões hierárquicas.
Nestes termos, e após ter aberto com o jovem Jeroen, ainda assim um bom pretexto para começar porque parece ser reconhecidamente “um tonto”, prossigo hoje com António de Sousa, um dos nossos campeões em cinzentismo e lugares-comuns – mas, poderá dizer-se, antes não ter ideias do que ser idiota…

CIRCO ITÁLIA

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

Por estes dias, o suspense esteve ao rubro em Itália. Cairia Bersani, leia-se: conseguiria formar um governo após a magra vitória eleitoral e a subsequente indigitação de Napolitano? Sobre quem cairia, leia-se: que apoio parlamentar conseguiria negociar? A resposta chegou, curta e grossa, pela boca do próprio: “solo un insano di mente potrebbe avere la fregola di mettersi a governare in questo momento”...

sexta-feira, 29 de março de 2013

DÚVIDAS DE PÁSCOA



A chuva que tem caído impiedosa deu finalmente tréguas cá por cima e pode ser que as aleluias aguentem, impedindo o seu desaparecimento precoce que precipitaria a efemeridade da sua presença.
Com este contexto e com tempo para a leitura, só perturbado pela conclusão de um paper sobre a fragmentação do pretensamente binário ensino superior para um encontro da APDR em Évora no dia 3 de abril e com pedaços de trabalho profissional que é necessário concluir, deu para bem caracterizar as dúvidas que atravessam toda a imprensa neste interregno de Páscoa.
Suspensos da decisão do Tribunal Constitucional e ainda com os efeitos colaterais do regresso de Sócrates (dois anos depois, o país parece não ter mudado pois a polarização é a mesma em torno da personalidade), há dúvidas bem mais importantes que devem merecer a atenção dos portugueses.
Tal como já havia aqui assinalado, os ziguezagues em torno do resgate cipriota mostram que a União Bancária é um nado-morto e que as decisões dos sucessivos Conselhos Europeus, independentemente de serem ou tomadas em condições de pressão negocial. Paul de Grauwe diz mesmo que ela está morta antes de nascer, pois os países europeus não manifestam vontade de partilhar os custos de uma crise bancária. Por isso, as decisões dos Conselhos Europeus não são para levar a sério.
Num plano mais interno mas com conexões evidentes com o que pode ser inferido a partir do marco de Chipre, parece assumir cada vez mais força a dúvida “ficar ou sair do euro”. O anúncio do novo livro de João Ferreira do Amaral, o único economista em Portugal com moral e fundamento para falar de uma saída do euro, vem repor e centrar o debate. E a sensação que fica é que quanto mais conhecemos alguns farsolas da construção europeia a tese de Ferreira do Amaral ganha consistência, pois os custos, ainda incalculáveis de uma saída do euro, começam a ser confrontados com os custos da solução alternativa, em acumulação vertiginosa e sem data à vista para uma desaceleração do seu crescimento. Por mais indeterminados que os primeiros se apresentem e por mais indeterminada que seja a emergência de uma solução programadas para essa saída, a verdade é que os custos de permanecer são cada vez mais palpáveis. Ora, a dimensão dos custos imediatamente percetíveis conta sempre mais do que a indeterminação dos custos futuros sem benefícios à vista.
Rui Ramos, na sua crónica do Expresso, parece associar a nossa permanência no euro como o “último capítulo da tentativa histórica de reconstituir Portugal à imagem do noroeste da Europa”. Mas que noroeste?
Dúvidas de Páscoa! Não propriamente metafísicas ou religiosas. Bem prosaicas e que marcarão qualquer que seja a decisão do Tribunal Constitucional os próximos tempos.

AONDE REGRESSOU SÓCRATES?


Os comentários ao “regresso de Sócrates” foram um bom retrato do País: cada um a procurar encontrar, mais ou menos atabalhoadamente, a sua linha muito própria de marcar a diferença e afirmar a originalidade. Um tão pequeno país e tantos génios nele!
 
Muita coisa lida e avaliada, arrisco distinguir três grandes tipologias de conteúdo: os pseudoobjetivos (“o que ele disse e o que é real”, “factos e números são verdadeiros ou falsos?” ou “desmontámos a narrativa de Sócrates na RTP”), os condicionados (“não esqueceu nada, não aprendeu nada” ou “o inocente e os culpados” ou “sozinho no passado”, para só citar alguns de muitos) e os honestos (“animal à solta”, “alguém para odiar” ou “Sócrates volta ao Truman Show”, citando os poucos possíveis). Mas ninguém foi mais claro do que Soares, que começou por ser contra mas acabou a reconhecer que o “regresso de Sócrates foi brilhante”!
 
Juízos de intenção à parte, a entrevista constituiu um irrepreensível exercício de estratégia, competência e eficácia política. Na defesa de um direito individual, no afastamento de intencionalidades irrelevantes, na eleição do inimigo principal, no tratamento dos inimigos secundários, na desconsideração dos agentes irrelevantes, na escolha cirúrgica dos argumentos, na recusa de fait-divers, na inconfundível e contrastante motivação liderante…


E, por muita graça que possamos achar ao “Bartoon” de hoje (acima reproduzido, com a devida vénia a Luis Afonso e ao “Público”), o certo é que Sócrates deixou claro ao cidadão comum – e foram mais de 1,6 milhões a ouvi-lo… – que não há uma mas duas “narrativas”. Daí que a questão que fica a valer a pena discutir verdadeiramente seja a que o artigo de Daniel Deusdado no JN enuncia, após o sublinhado de que “no momento mais quente da entrevista soubemos entretanto os escaldantes detalhes dos bastidores da novela: Sócrates, traído por Cavaco, que abre em 2011 o caminho ao fraquíssimo Passos e ao seu círculo próximo, que nos conduzem entretanto para um festival de irresponsabilidade circense e onde, na prática, descobrimos, quem manda é um homem pequenino e que fala devagarinho – Gaspar” e a consequente relacionação do atual “desespero dos cidadãos” com “uma verdade sua, tática, sem um rumo grande, de longo prazo, verdadeiro, apoiado em pessoas sólidas” por parte de cada um daqueles nossos infelizes atores políticos.
 
Ou seja, o que importará discutir desenvolve-se em torno do seguinte: “O Portugal em que milhões de portugueses vivem não se pode confundir com a novela do Sócrates Truman Show onde tudo é possível - basta querer. Portugal tem poucas empresas internacionais, pouco crédito, baixa poupança, uma grande dívida do Estado, um défice que só pode diminuir gerando desemprego de funcionários públicos, famílias e empresas endividadas porque todo o circuito financeiro mundial assenta em crédito (fácil). Que importa se o território é sistematicamente devastado por alguns projetos, sempre essencialíssimos para criar emprego e salvar esta geração, mas destruindo os recursos para décadas ou séculos? O desemprego é consequência de um processo histórico de desinvestimento nas empresas e canalização do capital para rentabilidades financeiras que, como se viu, eram irreais, ou para o imobiliário especulativo.”
 
Sendo que Deusdado ainda acrescenta, a concluir: “As últimas viagens que pude fazer pela Ásia e América fazem-me ter a certeza de uma coisa: o Mundo continua a mover-se a grande velocidade, a crescer. Ninguém quer saber de Portugal. Por isso temos de mudar este Governo pedindo a Passos que saia pelo seu pé, e deixar Sócrates, e o seu canto de sereia, a falar sozinho. O Truman Show é um filme viciante mas está a desfocar-nos do tempo para salvarmos a nossa vida e o país.” Mas não será, pergunto eu, que o problema principal de Sócrates é sobretudo de entourage e más companhias?

PÁSCOA COM FRANCISCO

Sexta-Feira Santa. Esta Páscoa chega sob os auspícios da escolha papal. Algo que agitou vigorosamente os interesses noticiosos à escala planetária e justifica que aqui volte ao assunto, através de uma seleção de cartunes consagrados ao fenómeno e seu acompanhamento por historieta em dez episódios com contornos ligeiramente desviantes.

1.       Tudo começou com a decisão de reforma de Bento XVI:

 
2.       Depois, os cardeais foram para a Capela…
 

(Jeff Danziger, http://www.nytimes.com)
 
3.       … onde regressavam após longa ausência:
 
 (Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)
 
4.       Houve quem jurasse que até viram o Lost…:

 (Bernardo Erlich, http://elpais.com)
 
5.       … mas o conclave deu os seus frutos (dizem os brasileiros que pela mão de Deus?):
 
 
6.       A Igreja passou a exibir um novo almirante…:
 
 
7.       … e a dançar ao ritmo do tango:
 
 (Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)
 
8.       Os problemas continuam a ser mais que muitos…:
 
 (Pat Oliphant, http://www.nytimes.com)
 
9.       … mas os pobres ganharam renovada atenção...:
 
 (Jeremy Banks, “Banx”, http://www.ft.com)
 
10.  ... e Francisco abriu o novo ciclo com uma cerimónia prometedoramente não convencional:
 
 (Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

quinta-feira, 28 de março de 2013

AZÁLIAS, ALELUIAS E O REGRESSO DE SÓCRATES

(Com a devida vénia ao DN - Orlando Almeida - Global Imagens)


Uns dias por Seixas, com uma ida ao Porto em trabalho e muita coisa para fazer no portátil que nos mantém sob a pressão inclemente de um trabalho que nunca acaba, a braços com uma chuva impiedosa que praticamente impede de ver o florescer das azálias, a graça das aleluias que correm o risco de perecer precocemente e a lenta transição da folhagem dos carvalhos para o verde irrepetível que os diferencia.
Entregue às limitações de uma televisão digital que, apenas com os quatro canais de ampla difusão e uma multidão desinteressante de canais espanhóis, nos priva dos canais de informação SIC Notícias, TVI 24 e RTP Informação, tenho uma perspetiva muito truncada do que foi a entrevista a José Sócrates, da qual terei visto praticamente apenas o último terço.
Sócrates é de facto uma personalidade muito previsível. Do que vi, nada ficou desfocado do que estava à espera. Combativo, telegénico embora mais consumido pelo tempo (mas quem o não está), fiel à sua estrutura de argumentação, acaba sempre por condicionar os jornalistas mesmo os mais contundentes e, neste caso, Vítor Gonçalves e Paulo Ferreira estão, ou estiveram, longe de o ser.
Das poucas vezes que me cruzei e privei com o ex-primeiro ministro, a esta distância já posso relatar uma das minhas experiências mais demonstrativas da personalidade combativa de José Sócrates. Por amabilidade do meu amigo Professor Alberto Castro tive o prazer de participar numa reunião no Porto, no Palácio da Bolsa, na qual o ex-primeiro ministro se dispunha a ouvir algum pensamento a norte, com jantar seguido de brainstorming. Para além do Professor Alberto Castro, Daniel Bessa e eu próprio (um grupo dito universitário), a reunião envolveu alguns empresários, Artur Santos Silva (BPI), Paulo Azevedo (SONAE), Rui Moreira (Associação Comercial do Poto e anfitrião), Pai Portela (Bial), representante grupo Amorim, Artur Duarte então AEROSOLES e a equipa do primeiro-ministro que envolvia nessa noite o ministro Fernando Teixeira dos Santos e o assessor Vítor Escária. Sócrates tinha chegado de Singapura com jetleg, tinha estado nesse dia no Parlamento, assistiu antes de jantar a uma reunião com investigadores na Universidade do Porto, jantou connosco e propunha-se ouvir o que o “pensamento” do Norte tinha para dizer. Ora, de acordo com os meus cálculos o brainstorming terá começado por volta das 22.30-23.00, Sócrates terá falado convicto e combativo cerca de 80% do tempo que durou a reunião e que terá acabado por volta das três e meia da madrugada. Uma noite que nunca esquecerei sobretudo porque nessa manhã o meu síndroma de Ménière apareceu (vão se lá saber as causalidades da medicina!) e passei a partir daí um mau bocado, hoje parece que adormecido.
Há demonstrações face to face que valem por manuais. Esta foi uma delas. Combatividade, obsessão argumentadora, grande preparação de dossiers, fixação em alguns números e muito reduzida capacidade de ouvir a reflexão dos outros. Nunca mais aquela impressão se desfez na minha memória apreciativa. Ontem, no terço de entrevista que captei, tudo isso reapareceu e o meu síndroma de Ménière parece continuar adormecido o que me chega por agora.
Só um ponto mais. Já não há pachorra para ouvir o ex-primeiro ministro a desfiar números das PPP e no dia seguinte o jovenzinho Meneses aparecer a reclamar falsidade e mentira dos mesmos. Num país decente e “accountable” haveria uma instituição tipo Tribunal de Contas que apresentaria ao povo os números acima de qualquer controvérsia não esclarecedora. E se não emergisse tal instituição um grupo de personalidades independentes e acima de qualquer pressão elaboraria um relatório tipo livro branco ou avaliação e colocaria os pontos nos iii. Pelos vistos nem estamos num país nem decente nem “accountable”.
Fiquei entretanto com a ideia de que a esperança da maioria em que o regresso de Sócrates suscitasse uma ampla reação, retirando o foco da agressividade popular do governo, vai ser mais um flop. Ou muito me engano ou Relvas vai ter mais um dossier acerca do qual alguém lhe vai pedir contas, sobretudo pelos efeitos colaterais imprevistos que poderão associados à abertura do espaço da TV pública para o regresso ao debate do ex-primeiro ministro. Quanto à picadela em Cavaco não é isso propriamente que preocupa a maioria.