O Engenheiro Belmiro de Azevedo não resistiu à
tentação e, no Clube dos Pensadores, um espaço de nome algo pomposo para o que
lá se vai dizendo, lá meteu a sua colherada nos destinos macroeconómicos do país,
diria eu para mal dos seus pecados.
Tenho sempre um mau pressentimento quando empresários
prestigiados no seu negócio e de saber inquestionável na arte de fazer
dinheiro, criando por essa via emprego e riqueza, se aventuram por outros domínios.
Tenho razões para confirmar esse mau pressentimento, a fazer fé nos relatos da
imprensa, mais acutilantes os da TSF e mais branqueadores os do Público (será
isto uma simples coincidência ou uma
mera questão de prioridades do registo jornalístico?).
Não tenho qualquer conflito de interesses com o
Engº Belmiro de Azevedo. O único ponto de contacto que registo em toda a minha
vida profissional foi a minha participação num grupo informal (pro bónus entenda-se)
que o Engº constituiu para o ajudar a preparar uma intervenção sua sobre a
problemática da reabilitação urbana no Porto, inserida na campanha eleitoral de
Elisa Ferreira à Câmara Municipal do Porto. Penso que o convite partiu do amigo
comum Professor Engº Rui Guimarães e a experiência saldou-se pela confirmação
daquele meu mau pressentimento. Ou seja, essa experiência mais cavou em mim a
ideia de que os empresários são inatacáveis no seu habitat natural, que é o de
pressentir as oportunidades e saber mobilizar recursos, competências e
capacidades para as aproveitar. Por isso ganham dinheiro e por isso também
ouvi-los dissertar sobre o seu próprio negócio constitui um poderoso material
para o estudo do “entrepreurship”. Quando
os deslocamos para outros ambientes mais reflexivos, passarinho gabado sai
chasco. Aliás, na altura fiquei um pouco surpreendido pela debilidade de
capacidade reflexiva e de problematização do grupo então constituído, que
reunia algumas figuras proeminentes do grupo SONAE. Foi para mim muito
informativo apreender o modo como ao estilo “épater le bourgeois” o grupo e o próprio líder eram impactados
pelas posições de um arquiteto muito pró-negócio, que aqui me dispenso de
mencionar por razões de pudor. Sempre aprendi a distinguir entre os dois negócios,
o das oportunidades de investimento lucrativo e o da reflexividade mais
alargada e a perceber que este último vale o que vale e que dificilmente é
relevante para o primeiro.
Ora, o Engº Belmiro de Azevedo fora do seu
habitat natural e no do Clube dos Pensadores resolver espingardear sobre os
baixos salários da economia portuguesa e sobre as manifestações de protesto cívico,
com expressão máxima no setembro de 2012 e no mais recente março de 2013.
E atirou para todos os lados, aparentemente em
revolta não sabemos contra quê. Assim, ao contrário do seu rival, o senhor Jerónimo
Martins e Pingo Doce, lá reiterou a ideia de que os baixos salários são a
salvação competitiva da economia nacional e que, um pouco ao estilo do “aguenta,
aguenta” de um Ulrich afinal menos combativo do que se esperaria, os baixos salários
são a garantia que resta aos que aspiram ainda a ter emprego. Não sei se o
homem SONAE falava como empresário plenamente inserido nos não transacionáveis e
abrigados da concorrência internacional ou se, pelo contrário, o fazia como
exportador (de serviços, de atividades transformadoras ou até das suas pretensões
a empresário agrícola de vocação externa).
Um grupo como a SONAE tem a obrigação de ter alguém
a estudar melhor estas coisas, sobretudo quando a sua figura carismática se
apresenta como presidente todo-poderoso de uma Business School, por acaso aquela a que a Universidade do Porto
decidiu dar o seu apoio e intervenção mais ou menos entusiásticos. Alguém podia
ter explicado ao Engº que há vantagens competitivas estáticas e dinâmicas, e
que só estas últimas asseguram a sustentabilidade do desenvolvimento a um país
e que no longo prazo a subida do salário é o indicador definitivo de qualquer
processo de desenvolvimento. Confundir que a entrada nos mecanismos do comércio
internacional se processa regra geral pela competitividade-salários com as
trajetórias dinâmicas nesse mesmo comércio internacional nas quais o mecanismo é
antes o da relação dinâmica salários – produtividade e o da procura de
atividades capazes de acomodar a subida do salário real é um insulto a uma
literacia económica básica. Como alguém que dedicou alguns (não poucos) anos da
sua vida à Faculdade de Economia do Porto e à UP, não me sinto orgulhoso (antes
pelo contrário envergonhado) de ter a presidir à Business School da UP alguém que manifesta tão frágil literacia
económica. E a idade não explica tudo. A posição tem várias interpretações. Uma
delas é a do Engº Belmiro de Azevedo não querer falar de produtividade, pois
como se sabe não é assunto exclusivo da classe trabalhadora. Outras haverá, mas
todas elas lamentáveis por certo, atendendo ao resultado.
Quanto à referência anedótica de que as grandes
manifestações cívicas de setembro de 2012 e de março de 2013 são apenas
carnaval para televisão ver e que o governo não deve ir no jogo pois o que essa
malta o que gosta é de se ver no écran, ela é mais insultuosa do que os descontos
indiscriminados do Pingo Doce no dia do Trabalhador. Para isso não há conselho
reflexivo que chegue para contrariar tal posição. É o dislate à solta. É verdade que o Engº reconhece que afinal é melhor existir essa possibilidade de manifestação, mas o dislate está lá cristalino.
Caro Engenheiro, continue a ganhar dinheiro por
muito tempo, que convivemos bem com isso, mesmo que possamos ignorar os seus
famosos descontos em cartão. Mas não fuja do seu habitat natural e haja alguém
frontal no seu grupo que lhe diga isso com a máxima clareza possível. Ruído e
dislates já temos que baste, sobretudo vindos da governação que quis agora
aconselhar.
Quanto ao Clube dos Pensadores pode mudar de nome
para Clube dos Dislates que seria bem mais apropriado.
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