terça-feira, 19 de março de 2013

CADA MACACO NO SEU GALHO …



O Engenheiro Belmiro de Azevedo não resistiu à tentação e, no Clube dos Pensadores, um espaço de nome algo pomposo para o que lá se vai dizendo, lá meteu a sua colherada nos destinos macroeconómicos do país, diria eu para mal dos seus pecados.
Tenho sempre um mau pressentimento quando empresários prestigiados no seu negócio e de saber inquestionável na arte de fazer dinheiro, criando por essa via emprego e riqueza, se aventuram por outros domínios. Tenho razões para confirmar esse mau pressentimento, a fazer fé nos relatos da imprensa, mais acutilantes os da TSF e mais branqueadores os do Público (será isto uma  simples coincidência ou uma mera questão de prioridades do registo jornalístico?).
Não tenho qualquer conflito de interesses com o Engº Belmiro de Azevedo. O único ponto de contacto que registo em toda a minha vida profissional foi a minha participação num grupo informal (pro bónus entenda-se) que o Engº constituiu para o ajudar a preparar uma intervenção sua sobre a problemática da reabilitação urbana no Porto, inserida na campanha eleitoral de Elisa Ferreira à Câmara Municipal do Porto. Penso que o convite partiu do amigo comum Professor Engº Rui Guimarães e a experiência saldou-se pela confirmação daquele meu mau pressentimento. Ou seja, essa experiência mais cavou em mim a ideia de que os empresários são inatacáveis no seu habitat natural, que é o de pressentir as oportunidades e saber mobilizar recursos, competências e capacidades para as aproveitar. Por isso ganham dinheiro e por isso também ouvi-los dissertar sobre o seu próprio negócio constitui um poderoso material para o estudo do “entrepreurship”. Quando os deslocamos para outros ambientes mais reflexivos, passarinho gabado sai chasco. Aliás, na altura fiquei um pouco surpreendido pela debilidade de capacidade reflexiva e de problematização do grupo então constituído, que reunia algumas figuras proeminentes do grupo SONAE. Foi para mim muito informativo apreender o modo como ao estilo “épater le bourgeois” o grupo e o próprio líder eram impactados pelas posições de um arquiteto muito pró-negócio, que aqui me dispenso de mencionar por razões de pudor. Sempre aprendi a distinguir entre os dois negócios, o das oportunidades de investimento lucrativo e o da reflexividade mais alargada e a perceber que este último vale o que vale e que dificilmente é relevante para o primeiro.
Ora, o Engº Belmiro de Azevedo fora do seu habitat natural e no do Clube dos Pensadores resolver espingardear sobre os baixos salários da economia portuguesa e sobre as manifestações de protesto cívico, com expressão máxima no setembro de 2012 e no mais recente março de 2013.
E atirou para todos os lados, aparentemente em revolta não sabemos contra quê. Assim, ao contrário do seu rival, o senhor Jerónimo Martins e Pingo Doce, lá reiterou a ideia de que os baixos salários são a salvação competitiva da economia nacional e que, um pouco ao estilo do “aguenta, aguenta” de um Ulrich afinal menos combativo do que se esperaria, os baixos salários são a garantia que resta aos que aspiram ainda a ter emprego. Não sei se o homem SONAE falava como empresário plenamente inserido nos não transacionáveis e abrigados da concorrência internacional ou se, pelo contrário, o fazia como exportador (de serviços, de atividades transformadoras ou até das suas pretensões a empresário agrícola de vocação externa).
Um grupo como a SONAE tem a obrigação de ter alguém a estudar melhor estas coisas, sobretudo quando a sua figura carismática se apresenta como presidente todo-poderoso de uma Business School, por acaso aquela a que a Universidade do Porto decidiu dar o seu apoio e intervenção mais ou menos entusiásticos. Alguém podia ter explicado ao Engº que há vantagens competitivas estáticas e dinâmicas, e que só estas últimas asseguram a sustentabilidade do desenvolvimento a um país e que no longo prazo a subida do salário é o indicador definitivo de qualquer processo de desenvolvimento. Confundir que a entrada nos mecanismos do comércio internacional se processa regra geral pela competitividade-salários com as trajetórias dinâmicas nesse mesmo comércio internacional nas quais o mecanismo é antes o da relação dinâmica salários – produtividade e o da procura de atividades capazes de acomodar a subida do salário real é um insulto a uma literacia económica básica. Como alguém que dedicou alguns (não poucos) anos da sua vida à Faculdade de Economia do Porto e à UP, não me sinto orgulhoso (antes pelo contrário envergonhado) de ter a presidir à Business School da UP alguém que manifesta tão frágil literacia económica. E a idade não explica tudo. A posição tem várias interpretações. Uma delas é a do Engº Belmiro de Azevedo não querer falar de produtividade, pois como se sabe não é assunto exclusivo da classe trabalhadora. Outras haverá, mas todas elas lamentáveis por certo, atendendo ao resultado.
Quanto à referência anedótica de que as grandes manifestações cívicas de setembro de 2012 e de março de 2013 são apenas carnaval para televisão ver e que o governo não deve ir no jogo pois o que essa malta o que gosta é de se ver no écran, ela é mais insultuosa do que os descontos indiscriminados do Pingo Doce no dia do Trabalhador. Para isso não há conselho reflexivo que chegue para contrariar tal posição. É o dislate à solta. É verdade que o Engº reconhece que afinal é melhor existir essa possibilidade de manifestação, mas o dislate está lá cristalino.
Caro Engenheiro, continue a ganhar dinheiro por muito tempo, que convivemos bem com isso, mesmo que possamos ignorar os seus famosos descontos em cartão. Mas não fuja do seu habitat natural e haja alguém frontal no seu grupo que lhe diga isso com a máxima clareza possível. Ruído e dislates já temos que baste, sobretudo vindos da governação que quis agora aconselhar.
Quanto ao Clube dos Pensadores pode mudar de nome para Clube dos Dislates que seria bem mais apropriado.

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