sábado, 23 de março de 2013

ÓSCAR LOPES

 
Morreu ontem, aos 95 anos, um homem bom. Licenciado em Filologia Clássica e em Ciências Histórico-Filosóficas, crítico literário, ensaísta, militante da cidadania e do Partido Comunista, vice-reitor da Universidade do Porto, professor catedrático (ver abaixo o parecer de Vitorino Nemésio que ajudou a viabilizar a sua contratação) e diretor da sua Faculdade de Letras, Óscar Lopes aceitaria certamente que aqui preferencialmente o nomeasse como professor efetivo dos liceus portugueses. Foram em absoluto indeléveis as marcas que imprimiu em tantos jovens da geração imediatamente anterior à minha, sobretudo no Alexandre Herculano e no D. Manuel II do Porto…

"O Ex.mo Reitor da Universidade do Porto, Prof. Doutor Rui Luís Gomes, distinguiu-me pedindo-me parecer sobre os méritos do licenciado Óscar Luso de Freitas Lopes, literariamente Óscar Lopes, professor efectivo dos liceus, professor e comissionado da Direcção da Faculdade de Letras dessa Universidade - a fim de que ela fundamente a proposta dele para a nomeação de professor catedrático efectivo, independentemente de provas académicas formais.
Óscar Lopes tem uma longa e notável carreira de professor e de crítico, de investigador das ciências humanas, de pedagogo e de metodólogo da didáctica de vários graus de ensino. (Fez crítica aplicada de livros, durante anos, no O Comércio do Porto e noutros jornais e revistas.)
A sua licenciatura em Filosofia Clássica (Lisboa), a sua preparação musical no Conservatório do Porto e filosófica na Universidade de Coimbra, durante o magistério de Joaquim de Carvalho; depois a sua frequência de universidades e institutos estrangeiros, sempre levado por funda curiosidade científica orientada para as novas correntes do surto das ciências sociais, prepararam-no excepcionalmente para a situação de cumieira que ocupa na cultura portuguesa.
Dotado de viva inteligência, de agudo espírito crítico, do gosto da análise a partir de enfoques múltiplos, alternando-a com sínteses parciais que procura fazer convergir em conclusões globais seguras, a sua crítica da literatura portuguesa e, em geral, do nosso pensamento é uma das mais fortes e fecundas. A História da Literatura Portuguesa (manual), em colaboração com António José Saraiva, na qual lhe coube sobretudo o período contemporâneo, foi a primeira grande revelação do que afirmo. Um gosto literário seguro, aliado à compreensão dos movimentos estéticos modernísticos e à posse de métodos históricos e críticos actualizados, fez dele um dos mais influentes historiadores actuais da cultura portuguesa, tanto na criação especificamente literária como na história das ideias, na sociologia da cultura, na pedagogia e nalguns aspectos da psicologia.
Uma boa preparação matemática permitiu-lhe propor-se tratar algoritmicamente problemas de psicologia, linguística e semiótica em geral. (Para apoio destes meus juízos permito-me remeter para a notória bibliografia do autor, abreviando este já longo parecer.)
Não quero contudo rematá-lo sem aludir exemplificativamente às profundas e vastas análises das obras dos nossos poetas e ficcionistas, principalmente do movimento Orpheo para cá, na História da Literatura Portuguesa, in História Ilustrada das Grandes Literaturas (Lisboa, Estúdios COR). E ainda à rara capacidade de Óscar Lopes como organizador e moderador de colóquios, conferências públicas, simpósios e congressos. Aí os seus dons dialécticos e o seu bom sentido socrático do diálogo confirmam a forte personalidade do professor e do crítico, cuja formação predominantemente marxista não impede uma larga flexibilidade hermenêutica e uma visão original das obras e das formas.
Tive o gosto de contar a Óscar Lopes, ainda bem jovem, como colaborador num modesto e efémero seminário de Literatura Portuguesa que orientei em Lisboa, pelos anos 30, no Centro de Estudos Filosóficos. Depois comentou oralmente no Porto, como moderador de discussão pelo auditório, várias lições e conferências minhas. De ambas as experiências guardo a melhor impressão, honrando-me de poder ter participado assim de situações concretas do seu poder intelectual. No privilégio de eu ter sido, como criador literário, alvo de extensos e benévolos estudos seus não deveria falar, por melindre de suspeição.
Enfim, sou de parecer que o licenciado Óscar Luso de Freitas Lopes - Óscar Lopes - tem méritos excepcionais para ser proposto professor catedrático efectivo da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, independentemente de concurso de provas públicas, segundo a legislação vigente de provimento por distinção ou escolha.
Lisboa, 10 de Julho de 1975/Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva.

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