segunda-feira, 25 de março de 2013

CÍNICOS E INIMPUTÁVEIS



O dia de hoje em termos de blogue é pródigo em afirmações e ditos que considero prova de que o cinismo inimputável está por aí instalado. Em tempos em que a “accountability” (imputação de responsabilidades, prestar contas na expressão sábia do povo) é crucial, os dislates cínicos e aparentemente inimputáveis têm que ser combatidos.
Vejamos três exemplos.
Primeiro exemplo. O senhor Abebe Selassie (que sabemos bem quem é e não ao sabor da anedota de outros tempos sei … lá… se é), no meio de uma entrevista à Lusa em que pôs o dedo numa das feridas mais profundas da economia portuguesa, o custo de alguns não transacionáveis, como as telecomunicações e a energia, mostrou-se surpreendido com a dimensão galopante do desemprego, muito pior do que o esperado: “Penso que a única forma duradoura de criar os empregos, que Portugal tão desesperadamente precisa, é realmente tentar completar o processo de ajustamento tão rápido quanto possível, e estabelecer as bases para o crescimento sustentável. Não podemos perder de vista que o principio base do programa é fazer regressar Portugal a uma situação fundamentalmente melhor do que a que estava quando a crise começou”. Lágrimas de crocodilo e cinismo inimputável. Não só as instituições e o país sob ajustamento precisam de ser “accountable” e prestar contas. Também quem propõe as terapias e os tratamentos precisa de o ser. E não é só a famigerada questão dos multiplicadores que tira o sono a Olhi Rehn sobre a qual o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, fez mea culpa, que parece ter uma disseminação lenta no seio da instituição. É também a total falta de sensibilidade ao modo como a desalavancagem dos não transacionáveis foi equacionada. A questão crucial dos custos da energia e das telecomunicações resistiu dada a rigidez dos mais poderosos, para a qual José Sócrates muito contribuiu. Os menos poderosos (comércio e construção civil de pequena e média dimensão) ruíram como baralho de cartas. Resultado, uma destruição sobregalopante do emprego que teria de ser mais regulada e controlada, sobretudo porque ao contrário do que estes senhores pensam as curvas de aprendizagem na exportação são lentas e os resultados também.
Segundo exemplo. A entidade reguladora da saúde concluiu com bom senso que o exercício de medicina privada nos hospitais públicos deveria ser suprimido. Ora, o senhor bastonário da Ordem dos Médicos vem insurgir-se contra tal recomendação, pois entende que com a devida regulação tal modalidade de coexistência público-privado nas instituições contribuiria para um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. Se a regulação ou regulamentação não existem isso não será culpa dos médicos. Existindo, essa coexistência poderia continuar. Para bem de quem? Haverá alguém de bom senso que acredite que, com a leveza das nossas preocupações reguladoras, que nem a investigação sobre um possível cartel bancário sobre crédito à habitação poderá apagar, tal coexistência não conduzirá sempre a nebulosidades indesejáveis. Melhor aproveitamento dos recursos disponíveis? Para quem e em função de que critérios? Puras externalidades positivas para o exercício da atividade privada? Cinismo inimputável.
Terceiro exemplo. Fresquinho e com grande impacto sistémico. Já se percebeu que o novo Presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, também ministro das Finanças (mas que coleção! Estou a imaginar quem será o bacalhau ou o cabrito dos cromos de há longo tempo!) está lá não para procurar consensos (como Juncker pelo menos tentava) mas para afirmar a posição dos países do Norte. Ora este homem de nome difícil (para mim de holandês só o Ola John é que me interessa), afirmou hoje algo e o seu contrário apenas com algumas horas e uma quebra sinistra de cotações a separá-las. Ora, este senhor afirmou de início que “o modelo de intervenção aplicado no Chipre poderá passar a servir de exemplo para outras intervenções em países da zona euro, onde sejam detetadas situações de risco no setor financeiro, em linha com as afirmações do inenarrável Schauble à Rádio Alemanha” (ver post anterior) e que “Se há um risco num banco, a primeira questão deve ser: Ok, o que vão fazer no banco para resolver isso? O que podem fazer para se recapitalizarem? Se o banco não o pode fazer, então falaremos com os acionistas e detentores de títulos e pediremos para que contribuam para a recapitalização dos bancos, e se necessário falaremos com os depositantes com depósitos não garantidos”. Ao fim da tarde, deu o dito por não dito e lá frisou que a intervenção no Chipre é única e irrepetível. Como vêm um grande contributo para a estabilidade dos mercados à custa da qual nos tem sido impingida a austeridade. Cínicos e pelos vistos inimputáveis.

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