O dia de hoje em termos de blogue é pródigo em
afirmações e ditos que considero prova de que o cinismo inimputável está por aí
instalado. Em tempos em que a “accountability”
(imputação de responsabilidades, prestar contas na expressão sábia do povo) é
crucial, os dislates cínicos e aparentemente inimputáveis têm que ser
combatidos.
Vejamos três exemplos.
Primeiro exemplo. O senhor Abebe Selassie (que sabemos bem quem é
e não ao sabor da anedota de outros tempos sei … lá… se é), no meio de uma entrevista à Lusa em que pôs o dedo numa das feridas mais profundas da economia
portuguesa, o custo de alguns não transacionáveis, como as telecomunicações e a
energia, mostrou-se surpreendido com a dimensão galopante do desemprego, muito
pior do que o esperado: “Penso que a única forma duradoura de criar os empregos,
que Portugal tão desesperadamente precisa, é realmente tentar completar o
processo de ajustamento tão rápido quanto possível, e estabelecer as bases para
o crescimento sustentável. Não podemos perder de vista que o principio base do
programa é fazer regressar Portugal a uma situação fundamentalmente melhor do
que a que estava quando a crise começou”. Lágrimas de crocodilo e
cinismo inimputável. Não só as instituições e o país sob ajustamento precisam
de ser “accountable” e prestar
contas. Também quem propõe as terapias e os tratamentos precisa de o ser. E não
é só a famigerada questão dos multiplicadores que tira o sono a Olhi Rehn sobre
a qual o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, fez mea culpa, que parece
ter uma disseminação lenta no seio da instituição. É também a total falta de
sensibilidade ao modo como a desalavancagem dos não transacionáveis foi
equacionada. A questão crucial dos custos da energia e das telecomunicações
resistiu dada a rigidez dos mais poderosos, para a qual José Sócrates muito
contribuiu. Os menos poderosos (comércio e construção civil de pequena e média
dimensão) ruíram como baralho de cartas. Resultado, uma destruição sobregalopante
do emprego que teria de ser mais regulada e controlada, sobretudo porque ao
contrário do que estes senhores pensam as curvas de aprendizagem na exportação
são lentas e os resultados também.
Segundo exemplo. A entidade reguladora da saúde concluiu com bom senso
que o exercício de medicina privada nos hospitais públicos deveria ser suprimido.
Ora, o senhor bastonário da Ordem dos Médicos vem insurgir-se contra tal
recomendação, pois entende que com a devida regulação tal modalidade de coexistência
público-privado nas instituições contribuiria para um melhor aproveitamento dos
recursos disponíveis. Se a regulação ou regulamentação não existem isso não será
culpa dos médicos. Existindo, essa coexistência poderia continuar. Para bem de
quem? Haverá alguém de bom senso que acredite que, com a leveza das nossas preocupações
reguladoras, que nem a investigação sobre um possível cartel bancário sobre crédito à habitação poderá apagar, tal coexistência
não conduzirá sempre a nebulosidades indesejáveis. Melhor aproveitamento dos
recursos disponíveis? Para quem e em função de que critérios? Puras externalidades
positivas para o exercício da atividade privada? Cinismo inimputável.
Terceiro exemplo. Fresquinho e com grande impacto sistémico. Já
se percebeu que o novo Presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem,
também ministro das Finanças (mas que coleção! Estou a imaginar quem será o bacalhau
ou o cabrito dos cromos de há longo tempo!) está lá não para procurar consensos
(como Juncker pelo menos tentava) mas para afirmar a posição dos países do Norte.
Ora este homem de nome difícil (para mim de holandês só o Ola John é que me
interessa), afirmou hoje algo e o seu contrário apenas com algumas horas e uma
quebra sinistra de cotações a separá-las. Ora, este senhor afirmou de início que
“o modelo de
intervenção aplicado no Chipre poderá passar a servir de exemplo para outras
intervenções em países da zona euro, onde sejam detetadas situações de risco no
setor financeiro, em linha com as afirmações do inenarrável Schauble à Rádio
Alemanha” (ver post anterior) e que “Se há um risco num banco, a primeira
questão deve ser: Ok, o que vão fazer no banco para resolver isso? O que podem
fazer para se recapitalizarem? Se o banco não o pode fazer, então falaremos com
os acionistas e detentores de títulos e pediremos para que contribuam para a
recapitalização dos bancos, e se necessário falaremos com os depositantes com
depósitos não garantidos”. Ao fim da tarde, deu o dito por não dito
e lá frisou que a intervenção no Chipre é única e irrepetível. Como vêm um grande contributo para a estabilidade dos mercados à custa da qual nos tem sido impingida a austeridade. Cínicos e pelos vistos inimputáveis.
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