Já em trânsito para o Porto, depois de dois dias
intensos de informação e de discussão sobre as especificidades dos modelos
sociais de 10 países (Alemanha, Espanha, Estónia e outros países bálticos,
França, Grécia, Hungria, Itália, Portugal, Reino Unido e Suécia) e sobre as
alterações e efeitos dessas alterações que a crise está a provocar nesses
modelos, saio intelectualmente muito enriquecido mas profundamente preocupado
com as derivas em curso.
Pragmaticamente, diria que num cenário de maior
juventude e de motivação para migrar, a França e a Suécia seriam as únicas
alternativas a considerar, com a segunda claramente mais sustentável do que a
primeira. Pelas outras paragens, as derivas são muitas, o ataque ao modelo
social, por mais incipiente que ele se apresente, é aberto, pouco seletivo e
sobretudo escondido em preocupações de eficiência (que ninguém de bom senso e
sentido de futuro recusará). Ataque escondido, mas com pés ideológicos (e que
patas) bem a descoberto, talvez com maior evidência no caso do Reino Unido, no
qual o governo Cameron me começa a provocar reações de puro asco e rejeição
puramente instintiva.
Não há praticamente uma dimensão do MSE que
esteja a salvo, da concertação à proteção social, das relações industriais às
políticas ativas de emprego, das dimensões simples do welfare e do workfare às
mais sofisticadas e complexas políticas de proteção de públicos vulneráveis, da
dimensão e qualidade dos serviços públicos aos sistemas educativos e de formação.
No grupo analisado, os modelos sueco e francês
resistem, por razões diferenciadas, mas também porque as “instituições” que
enraizaram as manifestações do MSE resistem e continuam valoradas. No caso
sueco, apesar de ajustamentos, da maior presença dos mecanismos de mercado e até
de processos de privatização e “outsourcing”
de serviços públicos, os valores permanecem. Um ligeiro aumento da desigualdade
é talvez a única alteração que pode gerar efeitos perversos a prazo. No caso
francês, o mais surpreendente é o facto do próprio governo Sarkozy ter
resistido a uma implementação generalizada da agenda liberal. O mecanismo do salário
mínimo (SMIC) continua a ser assumido como vaca sagrada por todos os parceiros
sociais, tendo os empregadores obtido outras compensações para reduzir o custo
do trabalho. Apesar do desemprego em massa, dos problemas de sustentabilidade
do sistema de proteção social e dos défices públicos, o modelo francês continua
a não dar sinais de perda de perda de inclusividade. A expressão de Jérôme
Gautier é particularmente feliz: resiliência no “core”, alterações nas margens.
Mas a minha surpresa vem sobretudo das alterações
ocorridas no modelo social alemão. Há traços evolutivos relevantes e
preocupantes: o sistema salarial alemão perdeu inclusividade, fragmentando-se e
em França corre a perceção de que a Alemanha faz dumping social no contexto europeu, penalizando sobretudo aquela; os
princípios da “segurança de um padrão de vida já adquirido” e da “igualdade de
tratamento remuneratório” foram praticamente abandonados; o princípio
constitucional da igualdade de condições de vida está hoje seriamente ameaçado
pelo sub-investimento público, designadamente em infraestruturas, educação e
formação. Se for este o farol europeu, estamos bem aviados.
Por hoje, fico-me com ilustrações de alguns
desvarios.
No caso inglês, com a deriva liberal à solta,
alguém iluminado lançou um programa em que os trabalhadores das empresas
poderiam trocar os seus direitos associados ao contrato de trabalho por uma
participação em ações das empresas em que trabalham. Percebi bem? Sim, é mesmo
assim, trocar direitos adquiridos por participações no capital! Recetividade
anual: praticamente nula.
No caso italiano, deixo-vos com um quadro que descreve
o comportamento da afetação dos fundos aplicados em Itália a questões sociais:
Tipologia de Apoios
|
2008 (milhões de €)
|
2013 (milhões de €)
|
Fundo Nacional Política Social
|
929.3
|
44.6
|
Famílias
|
346.5
|
31.4
|
Dependentes
|
300
|
0
|
Igualdade de Oportunidades
|
64.4
|
2.2
|
Jovens
|
137.4
|
26.1
|
Inclusão social de imigrantes
|
100.0
|
0
|
Total
|
2520.0
|
271.6
|
Os números são eloquentes. Consultei os valores
dos anos compreendidos entre 2008 e 2013 e as séries são consistentes, ou seja,
sempre em queda. Registei apenas que o governo Monti terá recentemente robustecido
o fundo para apoio a dependentes com 100 milhões de euros.
Com estes números não custa compreender os
recentes resultados das eleições italianas, suscitando o mais complexo descalçar
de bota no país da bota.
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