sábado, 2 de março de 2013

CRISE E MODELO SOCIAL EUROPEU (MSE)



Já em trânsito para o Porto, depois de dois dias intensos de informação e de discussão sobre as especificidades dos modelos sociais de 10 países (Alemanha, Espanha, Estónia e outros países bálticos, França, Grécia, Hungria, Itália, Portugal, Reino Unido e Suécia) e sobre as alterações e efeitos dessas alterações que a crise está a provocar nesses modelos, saio intelectualmente muito enriquecido mas profundamente preocupado com as derivas em curso.
Pragmaticamente, diria que num cenário de maior juventude e de motivação para migrar, a França e a Suécia seriam as únicas alternativas a considerar, com a segunda claramente mais sustentável do que a primeira. Pelas outras paragens, as derivas são muitas, o ataque ao modelo social, por mais incipiente que ele se apresente, é aberto, pouco seletivo e sobretudo escondido em preocupações de eficiência (que ninguém de bom senso e sentido de futuro recusará). Ataque escondido, mas com pés ideológicos (e que patas) bem a descoberto, talvez com maior evidência no caso do Reino Unido, no qual o governo Cameron me começa a provocar reações de puro asco e rejeição puramente instintiva.
Não há praticamente uma dimensão do MSE que esteja a salvo, da concertação à proteção social, das relações industriais às políticas ativas de emprego, das dimensões simples do welfare e do workfare às mais sofisticadas e complexas políticas de proteção de públicos vulneráveis, da dimensão e qualidade dos serviços públicos aos sistemas educativos e de formação.
No grupo analisado, os modelos sueco e francês resistem, por razões diferenciadas, mas também porque as “instituições” que enraizaram as manifestações do MSE resistem e continuam valoradas. No caso sueco, apesar de ajustamentos, da maior presença dos mecanismos de mercado e até de processos de privatização e “outsourcing” de serviços públicos, os valores permanecem. Um ligeiro aumento da desigualdade é talvez a única alteração que pode gerar efeitos perversos a prazo. No caso francês, o mais surpreendente é o facto do próprio governo Sarkozy ter resistido a uma implementação generalizada da agenda liberal. O mecanismo do salário mínimo (SMIC) continua a ser assumido como vaca sagrada por todos os parceiros sociais, tendo os empregadores obtido outras compensações para reduzir o custo do trabalho. Apesar do desemprego em massa, dos problemas de sustentabilidade do sistema de proteção social e dos défices públicos, o modelo francês continua a não dar sinais de perda de perda de inclusividade. A expressão de Jérôme Gautier é particularmente feliz: resiliência no “core”, alterações nas margens.
Mas a minha surpresa vem sobretudo das alterações ocorridas no modelo social alemão. Há traços evolutivos relevantes e preocupantes: o sistema salarial alemão perdeu inclusividade, fragmentando-se e em França corre a perceção de que a Alemanha faz dumping social no contexto europeu, penalizando sobretudo aquela; os princípios da “segurança de um padrão de vida já adquirido” e da “igualdade de tratamento remuneratório” foram praticamente abandonados; o princípio constitucional da igualdade de condições de vida está hoje seriamente ameaçado pelo sub-investimento público, designadamente em infraestruturas, educação e formação. Se for este o farol europeu, estamos bem aviados.
Por hoje, fico-me com ilustrações de alguns desvarios.
No caso inglês, com a deriva liberal à solta, alguém iluminado lançou um programa em que os trabalhadores das empresas poderiam trocar os seus direitos associados ao contrato de trabalho por uma participação em ações das empresas em que trabalham. Percebi bem? Sim, é mesmo assim, trocar direitos adquiridos por participações no capital! Recetividade anual: praticamente nula.
No caso italiano, deixo-vos com um quadro que descreve o comportamento da afetação dos fundos aplicados em Itália a questões sociais:

Tipologia de Apoios
2008 (milhões de €)
2013 (milhões de €)
Fundo Nacional Política Social
929.3
44.6
Famílias
346.5
31.4
Dependentes
300
0
Igualdade de Oportunidades
64.4
2.2
Jovens
137.4
26.1
Inclusão social de imigrantes
100.0
0
Total
2520.0
271.6
Os números são eloquentes. Consultei os valores dos anos compreendidos entre 2008 e 2013 e as séries são consistentes, ou seja, sempre em queda. Registei apenas que o governo Monti terá recentemente robustecido o fundo para apoio a dependentes com 100 milhões de euros.
Com estes números não custa compreender os recentes resultados das eleições italianas, suscitando o mais complexo descalçar de bota no país da bota.

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