segunda-feira, 31 de outubro de 2022

ATÉ SEMPRE JOSÉ!

 


(A comunidade FEP – Faculdade de Economia do Porto, a família mais próxima e amigos e conterrâneos de Cesar, no Entre-Douro-e-Vouga despediram-se hoje do José Silva Costa, Professor da nossa Faculdade, com vida mais curta do que todos para ele desejaríamos, atraiçoado por uma doença fatal num dos órgãos mais complicados do nosso corpo. Privei durante muitos anos com o José na Faculdade, com gabinetes contíguos, mesmo junto ao átrio central do edifício, que deu para muitas conversas de ocasião, umas mais profundas e relacionadas com as nossas áreas de trabalho que por vezes se cruzavam, outras mais associadas a temas cívicos e políticos de momento. Tenho saudades desse tempo em que ainda me dividia pela academia e pela consultadoria e o José Costa fazia parte dessa ambiência, com amigos comuns como o Mário Rui Silva e o irmão Carlos Silva Costa de que também sou próximo. Não ficaria de bem com a minha consciência se não registasse aqui a sua partida numa manhã húmida, mas tépida, com uma cerimónia na igreja das Antas, caracterizada por um misto de sobriedade e grande sensibilidade.)

Para além do período em que foi Diretor da Faculdade (1998-2010), sacrificando a sua investigação à tarefa da gestão da Escola numa altura ainda relativamente fraturada entre tendências internas, cruzei-me disciplinarmente com a sua obra, investigação e docência em vários domínios.

Primeiro, apreciando os seus primeiros contributos de investigação, iniciada com o seu doutoramento na Carolina do Sul com o tema das infraestruturas e da sua relação com o crescimento e desenvolvimento económico. Este seu contributo foi teoricamente importante para compreender os efeitos e dimensão ótima dos investimentos públicos e por essa altura Portugal estava por via dos Fundos Estruturais num ciclo de fortíssimo impulso de modernização de infraestruturas. Foi graças a esse contributo que cheguei depois à obra do economista francês Rémy Prud’homme. O tema foi depois objeto de desenvolvimentos por parte de Alfredo Marvão Pereira, professor nos EUA, mas no meu entendimento a investigação inicial do José Costa marcou bastante a minha compreensão desse tema, numa altura em que toda a gente escarnecia da deriva infraestrutural do nosso desenvolvimento, impulsionada pelos Fundos Europeus.

Segundo, reagindo positivamente ao seu convite para assinar um artigo no seu Compêndio de Economia Regional, por ele inicialmente coordenado, e que teve depois a participação do prestigiado Peter Nijkamp numa nova edição dessa obra. A importância deste Compêndio para o ensino da Economia Regional em Portugal foi decisiva, já que era necessário algo que assegurasse a passagem de testemunho do saudoso Professor António Simões Lopes. A minha geração participou massivamente nesse Compêndio e o José Costa soube integrar as diferentes entradas construindo uma espécie de manual que, homenageando a obra pioneira de Simões Lopes, lhe acrescentou todo o saber de uma geração atualizada com a grande transformação que a ciência regional estava a atravessar.

Um pouco mais tarde, cruzei-me com um dos últimos contributos do José Costa que podemos classificar como estudos para a compreensão e operacionalização da descentralização, sobretudo da decentralização baseada no fortalecimento do poder local. As suas análises sobre a estrutura e valores de taxas municipais, em que chegou a trabalhar em municípios concretos, contribuindo para a racionalização de um sistema por vezes caótico e com dificuldade de nele identificar um racional, foi de grande utilidade para compreender os meandros da descentralização. Ness trabalho, manifestou-se todo o seu profundo conhecimento da Lei das Finanças Locais e da sua evolução ao longo do tempo, à medida que o Poder Local fazia a sua progressão como uma das mais sólidas manifestações da revolução democrática em Portugal.

Muitos alunos terão beneficiado todos estes anos do conhecimento do José Costa em disciplinas como Economia Regional e Urbana, sempre sereno nas suas convicções.

Na sua simples e comovida alocução no fim da cerimónia de hoje, o irmão Carlos Silva Costa salientou que uma das formas mais nobres de nos mantermos lembrados, como diria Virgílio Ferreira de nos mantermos vivos mesmo depois de deixarmos fisicamente este mundo, é o prolongamento do nosso pensamento e contributos, dos mais abrangentes aos mais pontualizados, nas instituições em que trabalhamos.

Estou certo que na Faculdade de Economia do Porto, na comunidade de práticas do desenvolvimento regional e urbano e na própria Associação Portuguesa do Desenvolvimento Regional o pensamento e obra do José Costa estarão internalizados nos princípios e valores de tais instituições ou comunidades. E essa é a melhor homenagem e recordação do seu convívio.

A Professora Aurora Teixeira da Faculdade de Economia do Porto tem em mãos o projeto de organizar uma obra de ensaios em homenagem à obra e pensamento do José Costa, o que será também uma forma dos que nela participarem de mostrar que o pensamento e investigação do que hoje nos deixou se prolongará para lá da tristeza desta manhã húmida no último dia de outubro de 2022.

À Rosa sua mulher, Sofia sua filha e família mais próxima, com destaque para o seu irmão Carlos da Silva Costa a quem envio um sentido abraço, a modesta lembrança e reflexão deste que com ele conviveu.


ENTENDIDOS, ELES?

 

Mais um momento risível por parte da dupla que representa e governa Portugal! Desta vez, num curto espaço de dois dias, um e outro vieram a público criticar o BCE quanto à linha que vem prosseguindo em sede de política monetária, o presidente chegando mesmo a recomendar uma reponderação da opção de subida das taxas de juro (“vale a pena pensar, e pensar o mais próximo possível, se é de continuar este galope, porque pode ser a maneira não certa, não correta, de resolver o problema, nem o da inflação, nem o do crescimento económico”) e o primeiro-ministro sugerindo prudência no seu combate à inflação (que está, todavia, estatutariamente definida através de um objetivo de estabilidade de preços de 2% ao ano, estando a inflação de outubro num nível médio europeu de 10,7%) e chegando mesmo a adiantar uma vulgar tese sobre os fundamentos do fenómeno, que não sobre a sua escassa durabilidade, como há meses atrás (“é preciso compreender a natureza específica do choque inflacionista que estamos a sofrer, que não resulta de um aumento exponencial da procura, mas de quebras significativas da oferta [resultado de uma rotura das cadeias de abastecimento e da pandemia da Covid-19, com agravamento pela guerra desencadeada pela Rússia contra a Ucrânia e na geração de uma crise energética à escala global]”). Além de um e outro se esquecerem de analisar em concreto a situação portuguesa, que é a que mais diretamente lhes respeita e muito pano teria para especulações (como, por exemplo, um tratamento sério da questão da contraditória incentivação do consumo que decorre do seu afã de popularidade), forçoso é constatar estarmos perante dois responsáveis políticos que assim se pretendem também revelar como uns improváveis mas extraordinários especialistas teóricos e práticos de política monetária!

AGORA É LULA OUTRA VEZ!

(João Montanaro, http://folha.uol.com.br)

Após uma noite de renhida contagem eleitoral, Lula acabou por vencer a contenda e assim ganhar o direito de voltar ao Planalto. A esta breve saudação de agrado que aqui pretendo deixar pela escolha da democracia no Brasil acrescento três notas mais: a primeira, na linha do post de ontem, a da perturbadora força do “bolsonarismo” nos estados mais ricos, estruturados e emblemáticos do país; a segunda, a de uma sincera expectativa de que alguns potenciais checks & balances em presença e as pressões da opinião pública nacional e mundial levem Bolsonaro e os seus apoiantes, designadamente no seio da instituição militar, a não cederem a perigosas tentações golpistas e antidemocráticas; a terceira, e mais determinante do ponto de vista do futuro, a de que Lula saiba mostrar que aprendeu com os seus erros de tempos anteriores e seja capaz de se posicionar para um exercício presidencial verdadeiramente diferenciador, porque mais aberto e inequivocamente progressista do que o que certas lógicas passadistas ainda lhe recomendarão ― aí reside o único elemento substantivo de esperança que resulta destas eleições.



(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

domingo, 30 de outubro de 2022

UMA SIMPLES RECORDATÓRIA

 


(A contragosto e forçados pela força e novidade das circunstâncias inflacionistas, relativamente às quais a principal dúvida é a de saber se a inflação está já entrincheirada, com sinais de propagação endógena e sinais de espirais salários -preços, a macroeconomia está hoje de novo sob o fogo de velhas controvérsias. A questão-chave continua a ser, não a de saber se as subidas de taxas de juro são necessárias para controlar a situação, o que parece inevitável, mas antes a de avaliar se é estritamente necessário ´provocar uma forte recessão para conseguir o objetivo. Ou seja, se em vez de uma luta de morte entre política monetária, restritiva por natureza, e política fiscal, amenizadora dos custos recessivos, não seria vantajosa uma cooperação entre as duas políticas.)

Nestes momentos de conflito e controvérsia de ideias, é fundamental recordar argumentos-chave que por vezes as derivas monetárias ou monetaristas tendem a ignorar ou pelo menos a ocultar, deliberadamente.

Sem tempo para mais, limito-me a recordar algumas ideias essenciais expressas por um economista americano de grande atividade na divulgação das ideias macroeconómicas, Bradford DeLong. Interpretemos bem o que ele diz:

Para concluir: Não “precisamos” de recessões. As recessões não são “funcionais”. As reivindicações de que as recessões são necessárias para promover mudanças estruturais desejáveis estão muito próximas de ser uma completa falsidade. Numa recessão, quase nenhum negócio é lucrativo e muito poucos estarão a recrutar.

É numa expansão, não numa recessão, que as mudanças estruturais desejáveis acontecem à medida que as pessoas são levadas a uma produtividade mais elevada e setores e homens de negócios aprendem a expandir esses mesmos negócios e a aumentar a eficiência.”

É com estas conceções que me identifico. A ideia “liquidacionsta” da recessão, interpretada e desejada como uma força salvífica de expiação, deve ser rejeitada. O que não é a mesma coisa que rejeitar que a política monetária pode ser restritiva.

Ninguém melhor do que Brad DeLong o expressaria.

 

QUE NÃO SEJA O CANDIDATO BBB A PASSAR!

(cartoons de Cristina Sampaio, http://expresso.sapo.pt Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

 

Contagem decrescente para se ficar a conhecer a decisão final dos brasileiros sobre quem os irá comandar nos próximos quatro anos. Num contexto em que, quanto mais fui vendo, ouvindo e lendo sobre o candidato dito BBB (Boi, Bíblia e Bala), mais fui ganhando a convicção de que Jair Bolsonaro seria mesmo uma escolha escandalosa por parte daquele povo “abençoado por Deus” (cito o famoso samba de Jorge Ben, “País Tropical”). Sendo que as sondagens dos últimos dias terão diminuído a diferença entre os dois contendores (2,5 pontos na média das últimas doze inquirições divulgadas), deixando tudo aberto para o desfecho de mais logo, e que o mais surpreendente continua a ser o facto de, um pouco ao invés do que acontece nos EUA onde os excessos de reacionarismo coincidem com o interior profundo, o inconcebível Bolsonaro surgir à frente e como declarado favorito (vejam-se abaixo os resultados saídos da primeira volta) em zonas cultural e economicamente mais favorecidas como o Rio e São Paulo ou o Rio Grande do Sul, o Paraná e Santa Catarina). Ao que acresce ainda que, segundo vários analistas geralmente bem informados sobre os meandros daquele regime, existem riscos sérios de que uma derrota do candidato de extrema-direita possa traduzir-se em focos generalizados de forte instabilidade social e tentações de um imprevisível chamamento militarista. Pode ser que o tal Deus se decida a dar asas à sua capacidade abençoadora...


sábado, 29 de outubro de 2022

DISSABORES E OUTROS PERCALÇOS DA MAIORIA ABSOLUTA

 


(Na qualidade de apoiante crítico e contributivo do governo de António Costa que assumo sem qualquer problema de consciência, tenho de admitir que desvalorizei bastante o temor que por aí se levantou sobre os eventuais riscos ou perigos de uma maioria absoluta na governação. Entendi, e na altura tinha fundamentos para isso, que esses riscos iriam ser permanentemente ponderados pelo coletivo de ministros e secretários de Estado, não me parecendo então difícil superar derivas e tentações. É verdade que, ponderada a gestão relativamente eficiente da pandemia, ninguém previra o encavalitamento da recuperação pandémica com uma guerra na Europa, conjuntura exigente para qualquer governo. Mas mesmo assim admiti que um contexto dessa natureza com maioria absoluta seria mais facilmente enfrentado. O confronto desta minha posição com os factos e evidências do dia a dia da governação leva-me a reconsiderar a minha avaliação inicial e a perceber que a coisa pode ficar preta em matéria de solidez da maioria absoluta do PS. Vale a pena por isso refletir sobre o erro de desvalorização a que aludi há pouco.)

Esta reflexão emerge de um acumular de evidências, essencialmente combinadas em perspetiva a partir do momento em que vi esta semana António Costa na Assembleia da República com ar de ladino gingão, aproveitando é certo uma oposição que tarda a encontrar o tom e o ponto certos da sua crítica ao governo. Da exuberância incontinente do Chega e sobretudo de André Ventura à histeria de um Paulo Rangel (este não no Parlamento) sobre o acordo entre Macron, Sánchez e Costa focado na questão do gás têm emergido situações que dariam cabo da paciência de um santo e António Costa não está obviamente na fila para a canonização. Mas aquele tom sobretudo dirigido aos inconsequentes protagonistas da Iniciativa Liberal, atingida em cheio pelos danos colaterais da histeria conservadora no Reino Unido e pela falácia da economia zombie da descida de impostos como estímulo ao crescimento económico, anuncia o pior em matéria do que virá por aí da parte do primeiro-Ministro.

E o que é mais intrigante é que as últimas semanas não tinham corrido propriamente mal a Costa. O acordo na concertação social pode ser desvalorizado pelos mais críticos dada a fragilidade atual do movimento sindical não comunista, mas em termos de comunicação é um bom resultado nos tempos que correm de incerteza e indeterminação. Poderá também dizer-se que o acordo sobre o gás ainda tem de ser bastante melhor explicado, admitindo-se que possa ter sido um fogacho político sem tempo suficiente de maturação técnica, mas não é todos os dias que se desbloqueia um obstáculo comunitário e se tem um primeiro-Ministro português a fazer parte do core da negociação. E, para Costa, acabava de convergir com as posições do Presidente da República na crítica ao contributo que o BCE estará com a sua política restritiva a dar para o agravamento dos riscos de recessão séria na Europa.

Costa costuma dar sinais de uma outra segurança, tornando ainda mais inexplicável esta oscilação, até porque depois de ter andado a apanhar bonés a comunicação do governo parece ter encontrado um rumo de competência que lhe faltara nos últimos tempos.

Dei comigo a refletir sobre o que poderá estar a determinar esta oscilação de António Costa. Não pude deixar de identificar uma causa possível, que é afinal a sucessão de imensos casos mediáticos penalizadores da imagem do governo que se têm sucedido. No quadro atual da mediatização da atividade governativa, estes incidentes que se têm multiplicado, podem ser alguns inconsistentes e outros sobrevalorizados pela voracidade mediática do contrapoder, mas podem ser considerados como dissabores e tropelias da tal maioria absoluta sobre a qual tanta gente receou o pior.

Comecemos pelo caso da TAP. Conhecem a minha posição sobre o que eu considero ser a ilusão da importância do hub de Lisboa e a inviabilidade da chamada “companhia de bandeira” numa economia pequena como Portugal. Tenho frieza suficiente para não me comover com os saudosos de uma companhia que servia com rigor e distinção os clientes da executiva (guardanapo de pano aquecido), não deixando de tratar satisfatoriamente os passageiros da económica. Esse mundo do transporte aéreo desapareceu e as sucessivas tropelias cometidas por um Senhor brasileiro que trouxe o negócio ruinoso da compra da empresa de manutenção no Brasil sempre me fizeram antecipar o pior. Ora, quem governa muito tempo sujeita-se à evidência da contradição. É evidente a contradição alimentada pelo PS com a decisão sobre a TAP pública e depois querer encontrar desesperadamente um parceiro privado para se libertar o mais depressa possível do fardo incómodo. Neste domínio, o governo (e o próprio Pedro Nuno Santos vai cavando lentamente seu próprio enfraquecimento) está sob pressão no assunto TAP. Até porque a ideia do hub de Lisboa e do prestígio internacional da companhia vão sendo destruídos dia a dia, e basta ler a crónica de hoje de Clara Ferreira Alves na revista do Expresso, com a penúria de aviões, caos de cancelamentos, falta de respeito pelos clientes e desorganização que baste que a Madame CEO francesa já terá espiado amargamente a decisão que a trouxe a Lisboa. Tudo isto com uma ANA privatizada (disso o PS não tem culpa) a tornar cada vez mais o filme numa sessão de terror.

O outro tiro no porta-aviões da confiança do governo foi e continua a ser o tema das incompatibilidades. O país é pequeno, o campo de mobilização de ministros e secretários de Estado está cada vez mais limitado, toda a gente tem contas para pagar ao fim do mês, a rede de famílias de governantes está também cada vez mais apertada, Lisboa é uma grande família e por isso com uma lei atamancada tudo pode acontecer. E tem acontecido com as mais variadas situações. Reduzir a questão das incompatibilidades a uma questão estritamente legal é um enorme erro político. O cidadão em geral está-se borrifando para os pormenores da ginástica legislativa invocada por quem é apanhado no circuito. É um facto que a lei deve ser clara e sem malabarismos, mas para isso é necessário tomar a dianteira da sua revisão e explicar também com clareza o espírito da sua revisão. Mas cada executivo deve clarificar à partida os contextos económicos e profissionais dos seus membros. Estas situações corrigem-se à partida, antes do executivo estar constituído, e não se remendam a posteriori. É de accountability e de escrutínio políticos a priori que deve falar-se e não de jogos interpretativos da lei à medida das situações que vão emergindo e que se pretende corrigir. Do ponto de vista do desgaste político, o problema não é assim apenas uma questão de legalidade, mas também uma questão de ética e responsabilidade política. Neste último plano, a sucessão de casos faz mossa na credibilidade do governo, mesmo que daqui a uns tempos venhamos a concluir que todos os envolvidos permanecem nos seus lugares, protegidos seja por uma interpretação da lei, seja por uma lei entretanto revista.

Praticamente o mesmo registo de análise pode ser estendido ao último caso protagonizado pelo atual secretário de Estado Miguel Alves, ex-Presidente da Câmara Municipal da Caminha da minha afeição, integrado no governo para reforçar a sua coordenação política. Por maior legalidade (aguardemos o que dirá o Ministério Público) que possa ser assacada à decisão tomada e validada no Executivo Municipal de contrair um contrato promessa para a futura instalação de um Centro de Congressos ou coisa que o valha, uma vez mais se trata de uma questão de bom senso e razoabilidade. O trajeto político de Miguel Alves é de grande ambição, com pretensões de afirmação inclusivamente a nível regional. Existirem políticos com ambição não é algo à partida reprovável, a política precisa de motivação e muitos políticos vão buscá-la à sua própria ambição. Mas por mais que possa aqui existir alguma fantasia mediática, os contornos do caso, sobretudo a natureza da empresa praticamente unipessoal que está na origem e outorgante do contrato-promessa, são pouco canónicos. Para além de que imaginar a viabilidade de um Centro de Congressos de grandes proporções num concelho como Caminha releva já do campo da mais pura ilusão.

Se acrescentarmos a tudo isto outros casos que vão emergindo no âmbito da grande família socialista (designadamente no mundo das autarquias), como foi o caso recente de Montalegre, temos um desgaste que faz mossa na credibilidade política do governo. Esse desgaste consome energias da governação e do primeiro-Ministro, e António Costa lida mal com este tipo de questões, e pior do que tudo penaliza a focagem da governação não só nos meandros mais profundos da conjuntura inflacionista, mas sobretudo na mitigação talvez do problema central da sociedade portuguesa (ver hoje o artigo de António Barreto no Público). O combate decisivo à pobreza não pode ser obviamente apenas responsabilidade da intervenção do governo. Mas para que uma frente alargada e institucional de cooperação seja possível no combate a esse problema é preciso que o governo seja credível.

Nota final:

A imagem escolhida para abrir este post não tem substancialmente nada que ver com o tema da crónica. Mas é uma oportunidade para recordar um autor de escrita fulgurante, numa vida curta, do qual gosto muito.