Hesitei em vir aqui pôr mais numa carta que tanto dói a todos quantos acompanham com preocupação extrema a informação internacional, especialmente a relativa à guerra na Ucrânia. Mas, tudo visto e ponderado, duas razões me levam a optar pela efetivação deste breve comentário. A primeira decorre da excecional gravidade das palavras produzidas por Joe Biden segundo as quais, desde há exatamente quarenta anos (por ocasião da crise dos mísseis entre os EUA, a União Soviética e Cuba), “o apocalipse nuclear nunca esteve mais perto do que agora”. A segunda, e após os sucessivos e terríveis incidentes entretanto verificados na sequência da explosão na ponte da Crimeia, tem a ver com o sempre avisado comentário de Wolfgang Münchau que, no seu “Eurointelligence” de ontem, respondia à interrogação que nos assalta (What if this happens?) com uma argumentação algo menos inquietante do que a da maioria dos analistas que se vêm pronunciando sobre a matéria.
Escreveu ele: “Quando discutimos cenários futuros, tendemos muitas vezes para resultados binários ― os de triunfos e desastres. Ao discutirmos se Vladimir Putin recorrerá a armas nucleares, também pensamos em termos binários. Ele vai ou não vai.” E, prosseguindo: “Devemos lembrar que Putin se enquadra na categoria de pessoas que mentem, mas geralmente não fazem bluff. O nosso melhor guia para as suas ações futuras são as suas próprias ações passadas. Ele usou o agente químico Novichok no Reino Unido e em casa contra Alexei Navalny. Tanto quanto sabemos, fez explodir os oleodutos de Nord Stream perto de águas dinamarquesas no Mar Báltico. O que todos estes casos têm em comum é terem-lhe dado plausibilidade na negação. Não se trata do que você e eu acreditamos, mas de se suas negações são suficientemente plausíveis para o seu próprio povo e aliados. Com base nas suas ações passadas, duvido muito que ele recorra a uma arma nuclear tática à vista do mundo. A sua arma nuclear de eleição seria uma bomba suja; ou a explosão de uma central nuclear. Culparia imediatamente a Ucrânia ou os americanos.” Por fim, e após vários outros elementos analíticos desigualmente tratados (como, entre outros, o de que a sua aliada China se poderia voltar contra ele, o de alguma especulação em torno de uma improvável queda de Putin, o do sublinhado da vulnerabilidade de várias infraestruturas ocidentais, o da duvidosa persistência da solidariedade europeia em face de um Inverno frio ou o da devastadora catástrofe ambiental e financeira que proviria de uma explosão nuclear em solo europeu), conclui: “A probabilidade de uma catástrofe nuclear não é trivial. Pode mesmo não ser pequena. Dos vários cenários nucleares, um uso não convencional é o mais plausível. (...) Se você pensar estrategicamente sobre risco, eis onde deve traçar a linha: entre zero e pequeno. Ninguém quererá basear a sua estratégia de segurança nacional numa tentativa de ganhar um jogo de roleta russa. O risco de uma guerra suja nuclear, química ou biológica é aquele para que o Ocidente deveria estar a preparar-se, uma clássica diversão ‘putinesca’ em grande escala.”
Neste verdadeiro jogo desconhecido de probabilidades em que vamos estando metidos, os mestres da adivinhação pululam por todo o lado. Não serei seguramente eu a ostentar a pretensão de os confirmar ou desmentir. Mas sempre prefiro ouvir um pouco de todo o lado do que viver mergulhado na depressão de uma espera pelo carregar de um botão de despoletamento nuclear em toda a linha.
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