quarta-feira, 12 de outubro de 2022

ENSANDECEU?

 


(Por terras de Lisboa para trabalhar o tema das competências coletivas e do saberes-fazer coletivos com a ajuda presencial de Guy Le Boterf(1), revisitar filho, nora e netos de Lisboa e dar uma olhada ao efeito que pode ter um alemão, engenheiro mecânico de profissão inicial, na recuperação de uma equipa de futebol anteriormente desarticulada e sem chama e que ganhou personalidade e consistência, ontem não deu para aceitar o desafio do écran em branco e escrever. Mas hoje de manhã, aqui com a mítica livraria Bucholz ao pé, agora já sem o ambiente de outros tempos mas ainda com atmosfera que vale a pena disfrutar, apetece-me perguntar se Marcelo ensandeceu. Terá ensandecido mesmo ou haverá aqui alguma agenda oculta que valeria a pena escrutinar em condições e sem pezinhos de lã?

Dizem-me que o homem Marcelo tem um novo amor, estamos felizes com isso pois gostamos de políticos que partilhem os nossos prazeres e infelicidades e detestamos políticos ascetas sem meter a mão na massa (não é o que pensam …) da realidade. Por isso, dou de barato que o homem já de si instável esteja mais instável e até posso ter alguma tolerância para com essa instabilidade. Mas a sequência nos últimos de metidelas dos pés pelas mãos em defesa da sua Igreja e dos valores católicos que o guiam nas suas interrogações ultrapassou toda a tolerância possível. Aliás, este domingo à noite quando Ricardo Araújo Pereira assinou um dos seus mais brilhantes trabalhos humorísticos sobre os atores principais de toda esta peripécia, o Bispo Ornelas, o Bispo Linda e o próprio Marcelo não pude deixar de me lembrar do célebre sketch/entrevista humorístico sobre o aborto com o próprio Marcelo e que muito boa gente entendeu que serviu para bloquear o efeito opinião que o católico Marcelo exerceria.

Não se compreende a menorização que Marcelo realizou do número de casos registados pela Comissão dirigida pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, assim como já não tinham sido compreensíveis as contradições das conversas entre o Presidente e o Bispo Ornelas e a maneira como o Presidente tratou o caso de Monsenhor Manuel Clemente. A agenda oculta que pode estar aqui implícita é a da reverência para com a Veneranda Igreja. No afã de defender a Instituição a que deve reverência, Marcelo não hesita em abalar a consistência da sua posição face à sociedade portuguesa, acreditando talvez que a sua popularidade é um escudo à prova de bala e que tudo pode fazer para salvar a face da sua Instituição.

Apetece dizer que o homem ensandeceu ou que o novo amor terá exacerbado a sua própria instabilidade.

Até por estas coisas se vê que António Costa é de facto um político com a sorte a entrar-lhe porta adentro, nas mais variadas manifestações e feitios. Com um acordo na concertação social a marcar a diferença, preenchendo um vazio de há longo tempo, um Orçamento que deu finalmente oportunidade a Fernando Medina de mostrar alguma consistência e um Presidente ensandecido e em queda de popularidade que mais pode o Primeiro-Ministro pedir?

(1) Guy Le Boterf, Construire les Compétences Colletives, EYROLLES, 2018

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