domingo, 2 de outubro de 2022

OS VENTOS DA DIREITA

 


(Por terras de Basto para um fim de semana com família próxima, deu tempo para refletir sobre algumas tendências de momento, materializadas em alguns importantes artigos de opinião, sobretudo António Barreto e Pacheco Pereira, em sondagens/barómetros como o do JN e os prolongamentos da cena internacional com os resultados de Itália ainda a ecoarem no nosso espírito e com a estranha evidência de que entre protagonistas da direita mais radical na Europa estão os mais condescendentes com a deriva de Putin. Este, por sua vez, acaba no seu último discurso de se identificar pessoal e intransmissivelmente com a alma da velha Rússia e está tudo dito. A ideia peregrina que grassa em algumas correntes do PS que basta traçar a linha vermelha para suster a dinâmica da radicalização à direita está a revelar-se coisa pouca para a consistência da maioria absoluta se aguentar. Não por acaso, o barómetro JN/Aximage coloca a esquerda em Portugal abaixo de um putativo voto global de direita e os dados estão lançados.

A ascensão da direita em Portugal tem tanto mais significado quanto mais tivermos em conta que a liderança de Montenegro do PSD, depois de até ter começado com sinais promissores, tem acumulado disparates e tiros no pé. Monte(negro) transformou-se nestas últimas duas semanas em Monte (cor de burro quando foge), depois da sua rábula de líder desautorizado quando deu indicações aos seus parlamentares para votar positivamente a eleição para Vice-Presidente da Assembleia da República do representante do Chega. A desautorização transformou-se rapidamente em disparate de primeira, quando solicitou os bons ofícios de Augusto Santos Silva, Presidente da Assembleia da República, para resolver o impasse de não existir um número de deputados suficiente para eleger o referido representante de Chega. Nos dias que se seguiram, foi bastante indecoroso assistir às afirmações e contra-afirmações do Chega e do próprio PSD sobre o tal novo ambiente que terá sido criado entre os dois partidos com o ato de boa vontade suicida de Montenegro. Todos compreendemos que o destempero de Rio nos Açores precipitou o PSD numa situação que tenderá a agravar-se à medida que a massa de descontentes e de protestantes (de protesto e não relacionado com os Evangélicos) se adensar e o capital eleitoral do partido de Ventura for engrossando.

A posição do PS de afirmar a defesa da sua maioria absoluta com base no argumento de que só o PS garantirá a não passagem da linha vermelha do relacionamento com o Chega é de uma fragilidade imensa. O eleitorado é pouco sensível a afirmações elaboradas na defensiva e não devemos enjeitar a possibilidade de que possa emergir uma dinâmica de direita, camuflada nas suas reais intenções e sobretudo alimentada pelo descontentamento que os próximos tempos irão trazer.

É óbvio que poderemos aqui invocar argumentos de sobranceria das elites políticas, de sucessivos tiques de má governação, incompetência ou simplesmente de descuidos imperdoáveis de governantes para explicar a perda de consistência da maioria. Posso concordar que estes factos acresçam ao problema, mas recuso-me a aceitar que eles sejam o problema central. Este, pelo contrário, está concentrado na falta de respostas e no vazio de soluções para os mais penalizados pelo agravamento de situações pessoais e familiares. Insisto na minha tese de que a política tem horror aos vazios de representação. Quando os mais penalizados não têm resposta aos seus problemas ou pressentem que não têm representação, a propensão para aceitar discursos de rotura é elevadíssima e não estará seguramente em causa a robustez dessas soluções de rotura.

Não há razões plausíveis que transformem Portugal numa espécie de oásis face às dinâmicas da direita mais radical que grassam pela Europa ou que exista um muro de proteção essencialmente determinado pela situação periférica do país. Por mais desestruturada que seja a emergência do Chega, o risco não é menor. A precipitada corrida para preencher os vazios de representação de uma parcela significativa da população pode gerar uma dinâmica global (ainda não representada no já referido barómetro da Aximage) que arraste o PSD para essa corrente e Montenegro já mostrou o suficiente para nos fazer esperar o pior. Por conseguinte, a única resposta possível por parte da esquerda, neste caso essencialmente do Partido Socialista, é o preenchimento do respetivo vazio antes que outros o preencham. Insisto na ideia de que no seio dessas dinâmicas a tal linha vermelha pode ser de difícil determinação.

Ora o preenchimento dos vazios a que me refiro exige criatividade e não arrogância, clareza de posições e não zigue-zagues, consistência e coerência do discurso político e não multiplicação de papagaios bem pensantes a pretender representar a Voz do Governo, ou seja, o contrário do que temos tido nos últimos tempos.

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