domingo, 31 de março de 2024

FIM NA LINHA


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Olhada à distância a que estou nesta minha paragem pascal, a derrota do FC Porto ontem na Amoreira, sem prejuízo da incompetência manifesta do árbitro António Nobre e do VAR Tiago Martins, veio não só confirmar o essencial do que aqui tenho defendido — que Sérgio Conceição é um excelente preparador de grandes jogos mas um sofrível técnico para o campeonato no seu conjunto, deixando que a sua equipa seja frequentemente enredada por outras mais pequenas (seja por soberba seja por incapacidade tática para se assumir, criar e marcar) e/ou desenvolvendo um relacionamento tão cíclico e afrontativo com os jogadores como aquele que decorre das suas demasiado furiosas presença no banco e reação à adversidade (vejam-se os presentes casos de Huelva e de Taremi, este repentinamente relegado para o estatuto de não convocado, tal como Borges e Nico antes o tinham sido estranha e continuadamente) — como pôs definitivamente a nu a crise de um futebol portista que apenas conquistou quatro títulos nos doze últimos anos (na década precedente conquistara oito!) e parece bem necessitado de uma varridela de alto a baixo para que, na próxima época (sim, porque esta está perdida, com a Champions tornada inacessível, e talvez nem a luta pela Taça de Portugal venha minimizar o descalabro!), possa regressar com nova energia e competência ao lugar que lhe tem cabido nestes cinquenta anos de democracia (alcançando exatamente metade dos títulos em disputa). Impõe-se uma mudança urgente para honrar o passado e ganhar o futuro!


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

A VIA-SACRA DO CAMINHO PARA A PAZ

 

                                                                    (Voz de Galicia)

(Confesso que não sou decididamente um adepto, fervoroso ou sequer moderado, das cerimónias da Semana Santa. Sempre me assustou o caráter fúnebre e pesado de algumas das suas principais manifestações, seja nas fustigações impiedosas das Filipinas, no negro carregado dos eventos em Espanha e mesmo no que me dizem, pois nunca assisti in loco, às cerimónias de Braga. Não sendo católico praticante, imagino que não seja pelo negro pesado que a Igreja possa recuperar decisivamente praticantes, mas isso é questão que as autoridades religiosas devem abordar, embora a Semana Santa comece a apresentar laivos claros de oferta turística e essa, creio eu, tenderá a apostar no realismo quanto mais lúgubre possível para entreter a multidão. Mas hoje Seixas acordou com esperanças de sol, as nuvens não são negras, mas uma massa imensa de nuvens brancas envolve Santa Tecla, embora sem ocultar o pico do monte e daí que me apeteça dissertar sobre as dificuldades da paz pascal, pensando sobretudo no drama da resistência, e do seu reverso a opressão, em Gaza e na Ucrânia mais martirizada e em todos os lugares em que as pessoas normais são privadas da liberdade. É a isso a que alude o cartoon dos autores galegos Pinto e Chinto).

Estamos hoje naquele limbo estranho que a história frequentemente nos traz, no qual temos a perceção de que vai ser necessário pensar na guerra, pelo menos prepará-la com organização e recursos para isso, para podermos imaginar as hipóteses, ainda que mais remotas, de paz.

Este limbo estende o seu manto por todas as sociedades democráticas e por aquelas em que minorias ou maiorias procuram combater o autoritarismo. É um facto e basta ler os jornais e ver televisão para o compreender. Mas não há dúvida que é na Europa que a questão é mais aguda, até porque as memórias pelo menos da Segunda Guerra Mundial não estão ainda totalmente esquecidas, há ainda e sempre avós ou conterrâneos que o conseguem lembrar.

A Comissária Elisa Ferreira, tal como o meu colega de blogue justamente o lembrou, veio desassombradamente a terreiro afirmar com pertinência que a reforma mais importante que a Europa enfrenta é a das mentalidades, pois só ela tenderá a potenciar decisivamente as outras Reformas para as quais a Comissão Europeia, como por exemplo a da transição verde, a transformação digital e a adaptação das qualificações e modelos de organização que essas grandes transformações implicam. Não podia estar mais de acordo. A população europeia, cada vez mais envelhecida e distraída da necessidade de proporcionar objetivos às gerações mais novas, convenceu-se que o modelo de Estado Social europeu eram favas contadas, que estava adquirido assim como a irmã mais velha da democracia. É verdade que os Escandinavos têm conseguido conjugar essa realidade com a da inovação, mas mesmo nesse campo de exceção o modelo de Estado Social tem experimentado alterações, por vezes subtis, que nos deveriam ter alertado para que nada estava garantido. E sobretudo esse Estado Social tem evidenciado dificuldades para se ajustar ao agravamento da desigualdade, estando por isso perante o dilema da universalidade ou da necessidade de apostar pelos mais desfavorecidos, que não é ideologicamente uma opção fácil, já que a universalidade pertence ao mundo dos “basics”.

Com esse manto de desigualdade instalado e a começar a penetrar o universo das crenças políticas, transformações como a transição verde e a transição digital adquirem uma maior complexidade, já que os ricos de esquecermos os “left behind” são cada vez mais acentuados.

O Our World of Data cita um estudo de 2024 no âmbito do qual se perguntou aos inquiridos se estariam dispostos a ceder 1% do seu rendimento para financiar a transição climática. Numa amostra de 125 países, a resposta foi que 69% disse que sim, mas perguntados que percentagem de outras pessoas no seu país daria a mesma resposta, a percentagem obtida foi de 43%. Estaremos, assim, provavelmente, a subestimar a percentagem de pessoas que estará disposta a financiar a transição verde, mas não sabemos que diferenciação tem a Europa nesta matéria e em que medida a desigualdade existente pode estar a condicionar a recetividade à mesma.

Tal como o Economist o afirmou com clareza esta semana, a Europa encontra-se numa posição claramente mais desfavorável, enfrentando três choques possíveis, alguns dos quais já revelados no horizonte: o da Rússia, com reflexos mais sérios nos países mais próximos do conflito Ucraniano, o da China, sobretudo depois de um longo período de cumplicidade interesseira com o modelo de expansão económica chinês e o dos EUA se Trump conseguir o atentado democrático que se antevê poder acontecer. As evidências desse choque não devidamente acomodado está por exemplo ilustrado na matéria da mobilidade elétrica em que a estratégia chinesa de subsidiação da produção de veículos elétricos se tem revelado incomparavelmente mais eficaz do que a da subsidiação do consumo que as autoridades europeias escolheram. A evolução no mercado europeu de marcas chinesas como a da BYD é do que estou a dizer uma inapelável ilustração.

Os Europeus não terão ainda intuído com clareza o que o reforço da Defesa (batismo de fogo para a leveza do ministro Melo) irá implicar em termos de sombras orçamentais sobre o modelo de Estado Social e também de alteração de comportamentos, por exemplo os efeitos de uma eventual imposição do ensino militar obrigatório para os jovens destes países (jovens masculinos ou também mulheres?).

Por isso, a Comissária Elisa Ferreira bateu no ponto certo quando alertou para a verdadeira reforma das mentalidades e comportamentos. Porque a banalização no jargão comunitário das palavras “transição verde” ou “transição digital” equivale a confundir mudança e transformação com um sedativo que nos devolve a tranquilidade. Por isso tendo a preferir a palavra revolução. Assusta mais e evita os conceitos “fofinhos”.

O caminho para a paz será tudo menos “fofinho”.

 

sábado, 30 de março de 2024

A HISTÓRIA NÃO SE REPETE, RIMA, SEGUNDO MARTIN WOLF

 

(Nestas coisas da denúncia da onda autoritária e fascizante que grassa pelo mundo, a memória conta. Por isso, vemos personagens com espessura e consistência como o cronista do Financial Times Martin Wolf como uma das vozes mais preocupadas com a deriva que atravessa as democracias um pouco por todo o mundo. Já o tinha expresso na obra (The Crisis of Democratic Capitalism) que veio a apresentar a Lisboa e que suscitou uma larga repercussão na comunicação social, da qual dei conta em devido tempo. Regressa agora ao tema numa crónica recente no Financial Times, à qual fui buscar a inspiração e título para este post. Começo por citar o último parágrafo do artigo: “O fascismo da Alemanha ou da Itália nos anos de 1920 e de 1930 hoje já não existe, exceto talvez na Rússia. Mas o mesmo pode ser dito de outras tradições. O conservadorismo não é o mesmo de há um século e o mesmo pode ser dito a propósito do liberalismo e do socialismo. As ideias e as propostas concretas das tradições políticas alteram-se em linha com a sociedade, a economia e a tecnologia. Não é surpresa nenhuma. Mas essas tradições ainda partilham um padrão comum de atitudes relativamente à história, à política e à sociedade. Isso é também verdade para o fascismo. A história não se repete. Mas ela rima. E está agora a rimar. Não sejam complacentes. É perigoso pedir boleia ao fascismo”.)

Este conselho do consistente Wolf só é possível de entender se o reportarmos à sua memória da velha Europa e como seria importante que a juventude seduzida pelo apelo antissistema das forças políticas que dele fazem a sua propulsão no eleitorado o ouvissem e compreendessem os perigos de pedir boleia a essa corrente. O risco é obviamente o aviso cair em saco roto e só se aperceberem dos perigos dessa incursão quando a experiência já estiver em marcha.

Como seria de esperar, alguém de tão consistente como Wolf teria de fazer evoluir o seu pensamento em bases sólidas: Humberto Eco e Hannah Arendt são as referências invocadas no artigo e isso bastaria para a leitura ter valido a pena. Para nossa boa sorte, essas referências estão acessíveis on line e ambas derivam da New York Review of Books. Mais substancial a referência de Eco, um artigo sobre a sua curiosa expressão do “Ur-Fascism” (fascismo eterno), ao passo que a referência de Arendt é uma entrevista à referida revista, embora com toda a sua obra sobre o totalitarismo a pairar sobre a mesma, incluindo a já aqui comentada banalização do mal, que mereceu na altura um elevado número de visualizações deste blogue, que me surpreendeu bastante.

Vale a pena recordar os atributos que Eco reconhece existirem no fascismo para compreendermos a sua inspirada versão de que a história não se repete, mas que rima. 

O culto da tradição e o enraizamento do tradicionalismo é a primeira característica e aconselho os leitores que tenham acesso à HBO que visualizem a mini-série THE REGIME com uma fabulosa Kate Winslet para entenderem como a metáfora da pureza da tradição pode ser instrumentalizada a favor da autocracia mais despudorada. Eco mostra como o Fascismo Ur pela rejeição da idade da Razão e do modernismo que transporta consigo pode ser entendido como uma forma de irracionalismo e de desconfiança relativamente ao mundo intelectual. É conhecida a máxima de Goering – “quando ouço falar de cultura tenho a minha arma à mão”.

A segunda característica é a rejeição da diversidade, de maneira a identificar toda a população com a mais comum das identidades, pertencer a um país e a uma nacionalidade, considerando o exterior como inimigo e apelando por essa via à xenofobia. Discordar é uma forma de traição.

A terceira característica do Fascismo Ur é depender da frustração individual ou social.

A quarta característica está relacionada com a rejeição do pacifismo e com a assunção da violência e da guerra como passo necessário para uma solução final de controlo do mundo, em que o princípio da paz desejada contradiz, segundo Eco, o princípio da guerra permanente.

Na quinta característica, o Fascismo Ur confunde-se com o culto do heroísmo, no qual ao contrário das mitologias em que o herói é um ser excecional ele é aqui a norma, associada ao culto da morte. Sempre atento, Eco recorda que a mote dos falangistas em Espanha era o Viva la Muerte.

Como sexta característica, o Fascismo Ur glorifica o machismo, desdenhando das mulheres e promovendo a intolerância para com os comportamentos sexuais que considera desviantes face à norma.

E, finalmente, o povo é concebido como uma entidade monolítica em que os indivíduos não têm direitos e não agem. O líder é o seu intérprete.

O que Humberto Eco nos transmite é que tendo estes princípios do Fascismo eterno em mente será mais fácil estarmos atentos aos disfarces dos tempos modernos que podem emergir nas derivas antidemocráticas e ser sensível à ideia de que a liberdade e a libertação constituem tarefas que nunca acabam nas sociedades democráticas.

Como transmitir e fazer compreender esta ideia central aos que por serem demasiado jovens e por lerem pouco ou nada não têm qualquer memória do que alguns pretendem recuperar?

 

NÍVEIS SALARIAIS COMPARADOS

 

Ainda quentinha, aí está a estatística do “Eurostat” sobre os níveis salariais horários nos 27 da União Europeia (UE). Para melhor leitura e perceção da evolução temporal desde a “grande crise”, junto abaixo dois gráficos com a ordenação dos países no início (2008) e no final (2023) do período considerado. Olhando em especial o caso português, podemos constatar alguns aspetos de razoável interesse informativo: (i) uma estabilidade em relativa baixa do nosso nível face à média da UE (de 56,5% para 53,5%); (ii) uma ligeira perda no posicionamento classificativo (de 12º para 10º a contar do fim), em resultado de uma ultrapassagem nossa em relação à Grécia e de uma ultrapassagem de três economias (Estónia, Chéquia e Eslováquia) em relação a nós; (iii) uma deterioração do nosso nível salarial em relação aos mais baixos, em notório catching-up (o nível da Bulgária passa de 21,3% para 54,7% de Portugal e o da Roménia de 35% para 64,7%), e uma recuperação moderada do nosso nível salarial comparado ao dos vizinhos e concorrentes espanhóis (de 62,9% para 69,1%) e italianos (de 48,4% para 57%). Continuidade de salários baixos, portanto e como se esperaria (embora com um pendor tenuemente ascendente), e evoluções não particularmente prometedoras perante o principal contexto em que operamos.


(Construção própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)