(Adoraria ter capacidade e engenho para a construção de um registo alargado de observações do quotidiano, de caráter simbólico e sobre as quais pudesse elaborar uma teoria das manifestações simbólicas de como país, região ou outro qualquer território nos encaramos e vamos levando a vida como coletivo. Como não tenho essa capacidade, devo limitar-me a alguns fogachos ou exemplos desse simbolismo do quotidiano que nos cerca. O universo de evidências possíveis é vasto e diversificado. São pessoas que nos marcam em deambulações “flaneurianas pela cidade”, são registos de criatividade popular assinalada no espaço público, muitas vezes destruindo ou degradando a apresentação desse espaço público. São evidências do quotidiano caseiro das pessoas, como o são por exemplo os sacos de plásticos que secam numa varanda ou quintal, em antecipação do que hoje designamos de economia circular. É o modo desorganizado como as “nossas” obras marcam o espaço público, dando-nos cabo da cabeça e exasperando-nos em matéria de mobilidade. Como se percebe o universo possível é muito desafiante e daí a minha manifestação de incapacidade para o retratar com a ambição e minúcia que desejaria alcançar. Num registo modesto e, sabe-se lá se iniciando uma nova família de posts neste blogue, fico-me hoje por uma evidência que marca crescentemente a atmosfera e a fisionomia das Cidades – as lojas e as suas montras.
Entre os critérios que mais utilizo para operacionalizar a perspetiva de visitante acidental de uma cidade está a perceção do estado da arte das suas lojas comerciais. Regra geral e sobretudo nas cidades em que está presente alguma transição para a modernidade, encontro sempre matéria para estabelecer confrontos entre a visão mais tradicional e arreigada (caso, por exemplo, das lojas de santinhos em cidades como Braga) e o despertar do emergente, que transparece de uma loja sofisticada do tipo “delicatessen”, de uma livraria mais ousada, de uma loja de artesanato mais criativo ou de moda mais alternativa. Como todos os riscos que devemos associar à lógica do visitante acidental que outros designam (o que me encanta) de abordagem “flâneur”, tenho normalmente resultados sempre positivos com essa análise das manifestações do comércio na cidade que visito por lazer ou em trabalho. Consigo regra geral compreender a tensão da transição em que a cidade se encontra, olhando também para a densidade de lojas encerradas ou abandonadas, à espera de uma utilização alternativa.
Há dias, quando calcorreava a cidade bastante cedo para fazer horas e parei uns minutos num Guarani quase vazio (decididamente o biorritmo mais intenso da Cidade não é já claramente o meu), anotando algumas reflexões para um blogue futuro, veio-me à pena uma dessas manifestações urbanas que mais me tem intrigado.
Não há praticamente loja que não ostente na sua montra mais exposta ao exterior a placa “montra em remodelação”.
Tenho dado voltas ao miolo para tentar compreender porque é que a esmagadora maioria das montras que vale a pena ver ostentam esta marca de prudência ou precaução. O que é que ela significa? Uma perspetiva defensiva – afinal uma coisa que está em permanente remodelação não pode ser acusada de desleixo ou de falta de atenção para com olheiros do quotidiano? Alguma mensagem misteriosa do foro comercial?
Confesso que não encontro razão plausível. Por isso, começo a interpretar o facto como algo de simbólico da nossa inconfundível maneira de estar nas coisas. Insegurança estrutural? Tentativa de deixar transparecer uma ideia de mudança permanente para nada mudar? Simplesmente um estratagema comercial ditado por algum marketer que gera tendências?
Sem explicação plausível, decidi inaugurar o meu conjunto de evidências do quotidiano urbano com valor simbólico e este, estou seguro, não lhe falta esse valor simbólico.
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