(Jornal Público)
(As expectativas eram baixas, por razões bem conhecidas e compreensíveis. Embora sem estar ainda disponível a lista dos secretários de Estado, peça essencial para compreender a governação face aos desafios diários que irá enfrentar, o governo de 17 ministros proposto por Luís Montenegro merece em meu entender o benefício da dúvida. É essa a minha posição depois de ter resistido a toda a imaginação pouco criativa da generalidade dos comentadores televisivos que ocupou a tarde de ontem e a noite depois da apresentação oficial. Acossado por um resultado eleitoral que não lhe concede grande margem e avisado pelas peripécias da eleição do Presidente da Assembleia da República, Montenegro optou por um governo com a prata da casa do PSD e gente independente próxima desse círculo, sugerindo um estilo de governação que não será seguramente equivalente ao de António Costa. Estimo que a ação governamental de Montenegro seja mais distribuída pelos seus ministros. Dou-lhe o benefício da dúvida no que respeita à coordenação política que esse modelo permitirá alcançar, até porque como ficou provado um estilo de governação mais centralizado no primeiro-Ministro como o foi o de António Costa não o garante à partida. A reflexão que por agora posso avançar passa por comentários a alguns nomes e uma ideia que valerá a pena acompanhar no futuro próximo. Estou de facto curioso quanto aos nomes que o PSD vai indicar para as Europeias, já que os pesos pesados do Parlamento Europeu estão todos no Governo.)
O grupo dos 17 ministros com os quais Montenegro vai à luta, embora centrado num núcleo PSD bastante forte, assenta em potenciais contraditórios, como o tentarei demonstrar.
Manuel Castro Almeida (que regressa aos Fundos Europeus e à coesão territorial mas que acumula tarefas relevantes de coordenação política), Pedro Duarte (Assuntos Parlamentares) e António Leitão Amaro (Presidência) são nomes que revelam o empenho da máquina PSD em ajudar Montenegro na sua espinhosa tarefa. Embora o regresso de Castro Almeida (refira-se que a sua experiência de secretário de Estado de Poiares Maduro no governo de Passos Coelho foi fortemente penalizada pela inexperiência do ministro) possa constituir surpresa, o triunvirato decorre da importância do Governo ter um núcleo político-partidário consistente. A este triunvirato há que juntar Paulo Rangel que se inicia na via diplomática em tempos difíceis.
Mas, por exemplo, quando se compara os nomes propostos para a Administração Interna (Margarida Blasco) e Justiça (Rita Júdice, trazendo de novo a família à política) compreende-se rapidamente que à experiência de Blasco (passagem pelo SIS e uma voz autorizada nas matérias) se contrapõe a inexperiência de Júdice, sem que se perceba se a nova ministra tem ou não algum entendimento sobre a situação delicada em que a pasta se encontra.
A surpresa de José Manuel Fernandes para a Agricultura e Pescas tem pelo menos o condão de afastar a CAP da governação, pelo menos ao nível da influência direta, esperando que a experiência orçamental na União Europeia, a sua origem (Minho e Vila Verde) e os possíveis conselhos de Arlindo Cunha possam fazer de José Manuel Fernandes alguém mais próximo da diversidade de problemas da agricultura portuguesa. Um Ministro que é bastante mais do que “mais do mesmo” e que, por isso, exigirá monitorização mais atenta da nossa parte.
O regresso de Fernando Alexandre às tarefas da governação era uma crónica anunciada, bastaria compreender o seu percurso público desde o governo de Passos Coelho. Tenho de admitir que a ambição deveria ser muito grande para aceitar um pincel do tamanho de ter numa só pasta as questões da educação, da ciência e da inovação, o que não deixa de constituir um recuo face a últimos governos, em que o ensino superior e a ciência estiveram desligados da educação e formação. Esta é das tais pastas que só será compreendida com a indicação dos secretários de Estado, para entender como é que o ministro vai organizar-se. A articulação com Pedro Reis na Economia no que respeita às questões da inovação constituirá um ponto crítico, suscitando também monitorização atenta.
A proposta de Maria Graça Carvalho para o Ambiente e Energia traz também a marca do Parlamento Europeu ao Governo. Compreende-se a lógica, dada a importância europeia das questões da descarbonização e da transição climática. Aqui, o desafio vai ser o contraponto com a ação de Duarte Cordeiro, afinal um dos ativos mais relevantes do governo de Costa.
Não tenho opinião definida acerca de Maria do Rosário Carvalho para o Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Quanto aos restantes nomes, o que é que posso dizer: Nuno Melo beneficia de uma daquelas tradições sem aparente racionalidade (o CDS assumir as pastas da Defesa), assumindo uma pasta para a qual não tem vocação específica e longe da qualidade dos seus colegas do CDS que o precederam; Miranda Sarmento tanto pode ser o flop do Governo dada a sua inexperiência governativa ou assumir-se como uma possível surpresa, embora admita que não vai ter grandes condições para impor o seu choque fiscal; Ana Paula Martins vai medir forças com problemas maiores que os do Hospital Santa Maria, abrindo-se a questão de saber porque é que Montenegro a escolheu e não ao ex-bastonário da Ordem dos Médicos; Margarida Balseiro Lopes herda uma pasta que não se compreende – Juventude e Modernização (administrativa? atração e regresso de jovens ao país?; Dalila Rodrigues prolonga a vertente da museologia e da história da arte para o Ministério da Cultura, recebendo uma matéria bastante pacificada pela ação de Pedro Adão e Silva; e, finalmente, o “fofinho” (em relação ao Chega) Pinto Luz fica com as infraestruturas e habitação, presume-se, abrindo-se a questão se vai ser por aqui que a liberalização de pendor Passos Coelho vai ensaiar experiências, esperemos que não tão desastrosas como as do governo de Passos.
Dúvidas, certezas e confirmações, um núcleo partidário duro e espera-se que consistente é o que temos e daí o meu benefício da dúvida, seja para seis meses (talvez o mais provável) ou para tempos mais longos
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