(Compreensivelmente ou talvez não, vive-se já um afã de procurar explicações para a explosão do Chega e para as variâncias que o seu voto apresentou, máximos expressivos no Algarve e valores abaixo dos 18% em muitas vezes de voto por este país fora. Este afá talvez fosse desnecessário se tivéssemos com tempo combatido a tese do excecionalismo português nesta matéria, como se fôssemos uma terra abençoada sabe-se lá por quem (ver crónica de Daniel Oliveira no Expresso digital). O Amigo sempre atento a este espaço António Oliveira das Neves relembrou-me a tese do altamente cotado na Comissão Europeia (sobretudo na DG da Política Regional), Andrés Rodríguez-Pose, que associa o populismo na suja expressão territorial aos “lugares a quem ninguém concede atenção, os tais “places that don’t matter). Dediquei em 13 de junho de 2023 um post a esta tese, o que prova que a minha preocupação antecipou toda esta onda de procura de explicações para a carga de trabalhos que será lidar no Parlamento e na esfera pública com a corja de Ventura e seus apaniguados. No meu último post, tentei mostrar que uma das dificuldades de explicação da complexidade da explicação do populismo reacionário que se apresenta como voto de protesto antissistémico reside no facto de se tratar de um fenómeno com elevada plasticidade de adaptação e de assunção de formas novas em função dos contextos sociais e económicos em que irrompe. Por isso, não fiquei especialmente agradado com a profundidade das relações de causalidade que suportariam a tese de Pose, cuja complexidade está muito para além, em meu modesto entender, de umas correlações apelativas e suscetíveis de mapeamento. Assim, penso que por exemplo que para explicar a erupção do VOX e do CHEGA em Espanha e Portugal poderemos precisar de lentes diferentes, embora beneficiando de uma primeira explicação global do fenómeno para a qual a tese de Pose está mais talhada. Posso dar um exemplo. Na vizinha Espanha, há um exemplo sagrado de terra a quem ninguém daria atenção política, perdida lá para os interiores da região de Aragão, onde tive uma experiência de avaliação. Neste caso, a insatisfação Terueliana deu origem a um partido político que chegou a ter assento parlamentar e que não seguiu as vias da sedução espanholista do VOX. Isto de combinar a identidade aragonesa com o castelhanismo é coisa difícil de consumar e viu-se.)
Mas será que a tese dos lugares a que ninguém concede a devida atenção será para deitar fora? Não, nem por sombras. Mas o próprio Pose tão identificado com o paradigma da inovação-competitividade na política regional europeia deveria ser o primeiro a reconhecer que no quadro desse novo paradigma será cada vez mais difícil conceder oportunidades de revigoramento a territórios que perdendo energia demográfica, a não ser com o combustível da imigração a mitigá-lo, perdem obviamente capacidade de iniciativa empresarial. E, que eu saiba e os meus mestres assim me ensinaram, com o Schumpeter à frente, não existe inovação sem capacidade empresarial. Todo o paradigma da inovação e competitividade acontece e floresce em universos de rendimentos crescentes e nesses universos quem tem menos recursos perde sempre, por mais que douremos a pílula. Lembremos que esse paradigma penetrou as próprias políticas de coesão, etapisticamente consideradas, ou seja com a pretensãi de que por exemplo as infraestruturas, mesmo nesses lugares de perda da esperança deixaram de ter sentido.
Por isso, não posso deixar de sorrir ironicamente quando vejo um guru que tanto influencia a Comissão Europeia estar a dissertar sobre lugares de desesperança que a própria política regional, iluminada pelo paradigma da inovação-competitividade, ajudou a aprofundar, inexoravelmente, como se fosse possível encontrar fontes de inovação e competitividade em tudo que é lugar.
Creio que o Daniel Oliveira está cheio de razão quando refere que para explicar fenómenos complexos teremos de abandonar o afã das respostas rápidas e resistir à falsa simplicidade dos argumentos.
O que espanta na votação do Chega é a sua disseminação territorial, incluindo áreas urbanas de grande densidade. Esta evidência justificaria que pelo menos acrescentássemos a dimensão de “people that don’t matter” ( as pessoas a quem ninguém concede atenção). O que significa que a dimensão compósita da explicação tem de ser mais cuidada. E também o peso explicativo da relação ”votação Chega e peso da imigração parece não funcionar do mesmo modo, a não ser que nos movimentemos no domínio das perceções falsamente construídas, como ficou demonstrado do caso do BREXIT. Por isso, se tivesse idade para me abalançar a um projeto de investigação de largo fôlego daria mais atenção às condições em que se formam as perceções políticas e não exclusivamente à procura de uma racionalidade que muito provavelmente é muito incompleta e imperfeita.
Recordam-se do pretenso incidente numa ação de campanha do Chega em que ficou a ideia de que teria havido uns tiros a perturbar o evento. Houve um desmentido oficial de que o alarido não tinha nada que ver com tiros. Ora, apesar de ter ficado claro que a explicação era falsa, as redes sociais próximas do Chega vomitaram permanentemente a ideia de que a campanha tinha sido objeto de agressão e violência. É também neste plano que as perceções políticas que conduziram à explosão do Chega foram construídas.
Referi há pouco que a tese dos “lugares que não interessam” não é para deitar fora. Se a quisermos trazer ao mundo da investigação séria e racional há um caminho incontornável. Trabalhar e aprofundar o conceito de justiça territorial. Basta pensar nos nomes e obras que temos à nossa disposição para trabalhar o conceito de justiça social (Rawls e companhia) e comparar com o que temos (com as devidas desculpas e vénia a Jordi Borja) para perceber do que estou a falar.
Obrigado ao AON por este pretexto.
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