sexta-feira, 15 de março de 2024

CONTRA OS FOFINHOS TIPO PINTO LUZ

 


(Como previa, a grande pressão para manter com o Chega uma proximidade cúmplice que permita dar algum sentido a uma maioria alargada tipo AD+IL+ assentimento de Ventura e seus apaniguados na governação virá do interior do próprio PSD. E a sua origem está bem definida. Estamos a falar do grupo, do qual no passado Montenegro e de Hugo Soares nunca se libertaram plenamente, que tentou com o instrumento e pretexto da Troika mudar radicalmente a origem de pensamento do partido e transformá-lo num partido de direita liberal e não social-democrata, ao jeito por exemplo do ideário que o Observador procura disseminar com competência jornalística. Por estes dias, este grupo tem estado na expectativa não se pronunciando com notoriedade, mas Miguel Pinto Luz não se conteve, a espera era já demasiada, e veio a terreiro pegar no problema não pela via direta, mas pela via do tratamento dos votantes no Chega. É preciso “acarinhar” o eleitorado “descrente” que votou Chega proferiu o candidato derrotado no Algarve pelo próprio Chega e este pormenor não é de somenos importância. Em simultâneo, para justificar esta abordagem indireta, referiu ainda que se enganou no passado e que o dito partido está mais radical do que no passado.)

Nunca condescendi com a ideia de infantilização de uma parte considerável do eleitorado nacional. Tenho para mim que um dos princípios básicos da democracia é a responsabilização de quem vota e por mais desalinhado que seja esse voto e, por mais dúvidas que possamos colocar à forma como é difundida a informação que esclarece os eleitores (papel perverso das redes que beneficiam o infrator), toda a consequência de um ato eleitoral resulta de decisões individuais. Por isso, os eleitores desalinhados com a democracia, pois não acredito que identifiquem o Chega como partido democrático, não têm de ser nem acarinhados, nem desprezados. Têm de ser tratados como simples eleitores e abordados como quaisquer outros – através de políticas que impactem as condições de vida, não acreditando eu que seja possível a nível da política nacional fazer “micro-targeting” e nesse plano tratar das preocupações da D. Henriqueta ou do senhor Eleutério. A democracia tem vários níveis e é nas eleições de proximidade, as locais, que poderemos estar mais perto dessas inquietações. A nível nacional, são as condições mais transversais a todos os Portugueses que interessa impactar e nesse domínio o PS andou a dormir e demasiado arrogante.

É aqui que esta questão entronca com o importante debate em curso de saber o que é que explica sociologicamente o milhão e cem mil pessoas (veremos como é que o Chega penetrou na diáspora). Há uma perfeita sintonia entre os “fofinhos” tipo Pinto Luz e as explicações mais apressadas e superficiais que têm surgido na comunicação social, a começar pelo João Miguel Tavares de escrita fluida e fácil, mas cada vez mais superficial nas análises que sustentam o verbo.

Uma questão desta amplitude não escaparia por certo a um dos últimos intelectuais da imprensa portuguesa, António Guerreiro, que não me canso de citar. Na crónica de hoje, no ÍPSILON, Guerreiro entra por um domínio que me parece muito promissor e que não fora formalizado como o ele o faz – a influência da pobreza cultural.

Citando:

“(…) A catástrofe cultural começa aqui. A nova pobreza que alimenta a extrema-direita é esta, de natureza cultural, que já nada tema ver com a velha pobreza. Há mais de um milhão de pobres e excluídos racistas e xenófobos? É muito fácil perceber que, potencialmente, (e essa classificação apenas com base no sentido de voto não é legítima nem correta), há certamente ainda muitos mais. Não por convicção ideológica racionalizada, mas porque habitam no interior de uma cultura que promove a condição de possibilidade do extremismo político. No intetior do Alentejo (para me ater à experiência pessoal), o racismo contra os ciganos só tem paralelo com os guetos dos judeus sob as leis raciais do nazismo. É um racismo sem pudor nem censura social e que exige que eles se integrem ao mesmo tempo que os considera não integráveis. Esta “fobia” não procura razões históricas e sociais: faz do “eterno” cigano, como outrora o eterno judeu, um indivíduo que, por motivos “raciais” e por enraizamento mítico a uma cultura de segregação, é um pária.

Esta nova pobreza eminentemente cultural tem um enorme poder de difusão. O seu modelo não é compatível com uma consciência de classe. Para haver uma “classe” é preciso que intervenha este factor: a solidariedade. Só através da solidariedade a consciência de classe se torna activa e faz com que aquilo que era pura e simplesmente uma massa, uma multidão gregária, passe a ser uma classe. Ora, o que os indivíduos que fazem parte desta massa têm em comum são os interesses privados. E, no fundo, eles não concebem a cidadania senão segundo o modelo do cidadão-painelista, produtor e consumidor de bens e serviços sociopolíticos”.

Creio estar aqui o princípio de uma boa explicação do fenómeno que entrou de uma vez por todas na sociedade portuguesa.

E talvez convide os governos democratas a preocuparem-se mais com a política cultural. Sem esquecer a dimensão económica da pobreza, é também e em grande medida de pobreza cultural que estamos a falar.

 

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