domingo, 3 de março de 2024

PELO EXTREMO MAIS A LESTE DO CORREDOR AZUL

 

(O Corredor Azul foi uma associação entre municípios constituída para organizar uma rede urbana no Alentejo, de Sines, Alentejo Litoral, até à fronteira, agrupada em torno da influência da A6 e da então futura ferrovia. Tive na altura oportunidade e a boa experiência de coordenar os trabalhos de planeamento estratégico para dar algum sentido à configuração daquela rede urbana. Diga-se de verdade que a rede nunca conseguiu sobrepor-se à ação influente das NUTS III e Comunidades Municipais do Alentejo Litoral, Sines, do Alentejo Central (Évora) e do Norte Alentejano (Portalegre). Mas permitiu-me perceber que trabalhar sobre a identidade alentejana não é fácil de todo e que a tentativa de elaborar sobre imagens do Time is Everything no Alentejo está longe de ser favas contadas. Recordo-me que desse trabalho me ficaram recordações bastante apetecíveis, não só gastronómicas, mas também de fruição visual do extremo daquele corredor, em que pontificam Elvas, Borba, Vila Viçosa e Estremoz. No seguimento de uma campanha promocional conjunta entre o ACP e o Grupo Pestana, aqui estou com Amigos chegados numa nova ronda do Desanuviar pessoal na Pousada Convento de Vila Viçosa, ganhando energia mental e psicológica para o embate do próximo domingo que estimo vá irritar-me quanto baste.)

Desta vez não deu para me concentrar em Portalegre, cidade em que me seduz bastante aquele declínio burguês que tanto a caracteriza, mas para explorar o quadrilátero mais a leste do Corredor Azul. Desta vez não utilizei a A6, mas a articulação entre a A13, A23 e estrada nacional e cá estamos em Vila Viçosa. A Praça da República e o Paço em que a Pousada Convento está integrada ainda conservam algum esplendor e sobretudo a Praça da República constitui a referência de localização de Vila Viçosa. Claro que nas imediações, os depósitos de detritos e restos da extração de mármores continuam aqui e em Borba a marcar negativamente a paisagem, mas a verdade é que se trata de uma atividade matricial na economia dos dois municípios e o paisagismo/ordenamento ainda não conseguiu encontrar soluções (ou falta de vontade política talvez para o conseguir). Retirando essa questão ambiental e paisagística, os pequenos centros urbanos apresentam a grande vantagem de estar consolidados, pelo que menos nos seus lugares mais representativos nada de substancialmente atentatório da imagem urbana está visível.

Dos quatro centros do quadrilátero desta zona a leste do Corredor Azul (desculpem a insistência nesta figura nado-morta da organização espacial), aquele que parece evidenciar neste momento maior dinamismo é Estremoz, tirando partido de uma procura lisboeta de nível médio-alto de rendimento, cuja presença se pressente em algumas lojas comerciais ajustadas ao modelo de consumo que por ali se instalou. A praça central de Estremoz tem dimensão e escala que não é muito comum no Alentejo, mesmo tendo por termos de comparação as praças de Évora. A restauração é requintada e o gosto a ela associado está nessa mesma linha. O Gadanha Mercearia é de outro mundo, com um ambiente de sexta-feira à noite bem jovem, os preços são para ocasiões especiais de fruição de momentos particulares. Para a próxima fica o outro Gadanha.

Dos restantes centros, Elvas vai confirmando o seu estatuto de cidade transfronteiriça, atraindo uma massa regular de visitantes da região vizinha. Encontrar sem reserva prévia um restaurante revelou-se tarefa impossível e no conhecidíssimo El Cristo a massa de espanhóis que esperava pela sua vez para almoçar parecia uma invasão pacífica. Nem a chuva miudinha dissuadiu os gastrónomos e visitantes regulares daquele restaurante. Por isso, na falta de alternativa, outros restaurantes foram abordados sem qualquer êxito e por isso rumámos a Olivenç(z)a para encontrar uma alternativa. Tinha expectativas baixas quanto a um centro perdido na periferia extremenha. Sem informação prévia, deparámos com uma Olivença no seu dia mais especial do ano, com a festa anual do touro a animar por um dia algo que ao longo do ano deve ser uma pasmaceira. Uma massa de jovens espantou-me ocupando ao jeito bem espanhol a rua e as pequenas praças (a chuva miudinha e o vento algo impiedoso induziu a imaginação de bares e restaurantes com esplanadas de ocasião. Sociologicamente não consegui entender bem quem era aquela população jovem. Disseram-me que muita população de Madrid estava por ali, o estacionamento era praticamente impossível. Talvez filhos da granadaria local que é forte, como em Estremoz e Elvas, ou se quiserem “betinhos” com bom ar, muito espanhol, fossem o principal filão de toda aquela animação. Mas o visitante acidental de um dia de chuva impossível acabou por ficar com uma ideia de Olivença que seguramente não corresponde à de uma visita aleatória noutra época do ano. O almoço muito tardio num restaurante que tinha nos touros e nas lides a sua principal imagética completou o dia.

De regresso ao Porto, a paragem incontornável em Évora impunha-se, com algumas das joias da coroa gastronómica encerradas ao domingo (Tasquinha do Oliveira, Dom Joaquim e Botequim da Mouraria). O “Quarto para as nove” já viveu melhores dias e numa visita rápida apercebi-me que o comércio urbano também já terá vivido momentos mais entusiasmantes. A Capital Europeia ainda vem longe (2027) pelo que me interrogo como é que a Cidade equaciona superar esta perda de dinâmica que se vai sentindo.

De qualquer modo, o Alentejo desanuvia-me e revelou-se uma boa escolha para ganhar endurance para o desastre do Dragão.

 

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