quinta-feira, 21 de março de 2024

NUVENS NEGRAS SOBRE O NORTE

 

                                                                (ECO- on line)

(Os meus leitores já perceberam que não morro de amores por coletivos de massas, a exceção é o SLB mas mais de poltrona do que de estádio. Tenho uma propensão algo doentia para estar no oposto desses grupos ou com eles não me identificar ou, pelo menos, não me comprometer. É nessa linha que nunca fui um aficionado entusiasmado pelo chamado movimento da afirmação do Norte, que tem como sabem várias expressões. Um dos grandes motivos para esse não entusiasmo prende-se com as raízes do seu modelo de desenvolvimento em curso quando esse desejo de afirmação se mostrou publicamente, com o qual não concordava e sempre critiquei, ainda em plena primavera demográfica, quando por exemplo o distrito de Braga emergia nas estatísticas europeias, juntamente com a Irlanda, como a região mais jovem da Europa. Isso não significa que não tenha apoiado e ajudado a estudar a transformação estrutural desse modelo de desqualificação, sobretudo a partir da lenta maturação do sistema regional de inovação, largamente centrado nos territórios da Área Metropolitana do Porto e do Ave-Cávado. O meu desalinhamento foi essencialmente suscitado por um posicionamento divergente. No meu caso, a afirmação de um Norte mais qualificado era a reivindicação de que o país pode ser lido e promovido a partir de outros territórios que não apenas a capital e que esse contributo não é nem inferior, nem menor. Pelo contrário, a outra afirmação do Norte não raras vezes se orientou para um regionalismo algo serôdio e com interesses nem sempre muito claros. Diria, por outras palavras, que as minorias têm direito à sua lucidez. Estarão alguns leitores a suspeitar que um tão longo introito leva água no bico. O motivo é simples e não é com prazer ou desforra egoísta que aqui o invoco. Estou a referir-me às peripécias judiciais e jornalísticas (nunca sabemos onde acabam umas e começam as outras) que envolvem o empresário Manuel Serrão, a Seletiva Moda e um conjunto variado de outras empresas que, alegadamente segundo as notícias publicadas, giravam em torno dos conhecidos apoios do COMPETE à internacionalização).

Devo aqui mencionar que embora a personagem Manuel Serrão me provoque alguma reatividade, porque o identifico com aquele modelo de afirmação do Norte que me inspira desconfiança, o entrevistei com prazer há alguns anos no âmbito de uma avaliação de políticas públicas de inovação e internacionalização que tive oportunidade de coordenar. Na altura, fiquei realmente impressionado com o poder de mobilização que as iniciativas de internacionalização promovidas tinham alcançado junto de um público de empresas têxteis claramente atomizado e sem força propulsora para uma presença marcante a nível individual nas principais feiras e eventos de moda relevantes para o setor. Na altura pensei e escrevi-o no relatório de avaliação que a questão principal consistiria em saber quando é que estes apoios à internacionalização deixariam de ser necessários, pois além da necessidade de diversificar as empresas apoiadas, estes instrumentos visam essencialmente quebrar as barreiras iniciais à internacionalização, dando origem posteriormente ao investimento das próprias empresas e dos seus organismos associativos. Como é fácil compreender uma avaliação não é uma auditoria e trabalha com outras evidências que não as utilizadas pelos serviços de controlo dos programas como o COMPETE.

Pelo respeito que a investigação judicial me merece e por duvidar das derivas de sensacionalismo jornalístico que são hoje o salve-se quem puder de muita comunicação social em Portugal, não é minha intenção cavalgar este assunto nas suas minudências, mais ou menos escabrosas. O advogado de Manuel Serrão já afirmou que a defesa do seu cliente não será pública, mas apenas em tribunal, veremos se resiste a este princípio. Muito sinceramente no plano pessoal estou a marimbar-me que personagens como Manuel Serrão ou Katty Xionara saiam beliscadas deste imbróglio. São pessoas crescidinhas para arcar com as consequências das derivas que alegadamente protagonizaram. Mas o que me chocou, institucionalmente falando, e essa é a dimensão que me interessa, é que o nome do CITEVE – Centro Tecnológico do Têxtil e Vestuário surja associado nas notícias que divulgaram o caso. Aí sim, seria questão para me preocupar e me dececionar profundamente. Quero crer que a investigação irá fazer permanecer o bom nome desta relevante instituição do sistema nacional e regional de inovação e aí ficarei descansado.

De resto e regressando à minha mensagem inicial, são personagens como a do empresário Manuel Serrão que me fizeram sempre descrer de um dado tipo de afirmação do Norte. Não está em causa obviamente a sua capacidade de iniciativa, que é reconhecida e não pode ser ignorada. Está sim em causa o modo e as formas que essa afirmação revestem. Mas isto, muito sinceramente, vale o que vale, pois continuo preso aquela velha mania de que os grandes ajuntamentos de interesses me causam algum temor. E não há maneira dele me libertar, sobretudo quando alguma realidade o infirma.

 

1 comentário:

  1. Vamos esperar. Neste momento a informação de que dispomos é escassa, mas o risco de serem cometidas fraudes, na captação e gestão dos fundos europeus , é independente da origem regional das pessoas e das instituições. Mas reconheço que estas últimas, se funcionam bem, devem ser protegidas.

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