segunda-feira, 25 de março de 2024

STEM OU NÃO STEM, TALVEZ NÃO SEJA A QUESTÃO FUNDAMENTAL!

 


(Não sendo um afiliado das questões académicas da educação, a necessidade profissional suscitada pela avaliação de políticas públicas, designadamente as que direta ou indiretamente estão relacionadas com a consolidação do sistema de educação e formação, obriga-me a seguir com atenção o que vai sendo produzido sobre a eterna questão de saber como melhor ensinar, adaptada aos desafios que pesam hoje sobre a Escola. Nesta matéria, sobretudo por força dos instrumentos de política pública que valorizam as questões da inovação e do aumento desejado da produtividade, a sigla STEM (Science, Technology, Engineering, Mathematics) veio para ficar, a qual, por vezes, se transforma algo timidamente em STEAM, para incluir a dimensão do A das Artes. Nota-se, tal como a intervenção do PRR na área da educação e formação o ilustra bem, que existe uma tendência formada para reforçar o peso destes conteúdos de formação. Como sabemos, esta tendência tem provocado reações do tipo de existir uma propensão para valorizar a dimensão produtivista da educação, afunilando excessivamente o lado tecnológico da formação. Como aliada próxima desta reação está a que condena a desvalorização precoce das humanidades e até existe uma filósofa de eleição, Martha Nussbaum, que com o seu brilhante NOT FOR PROFIT, veio a terreiro defender a necessidade democrática e cívica de as artes e humanidades não serem desvalorizadas na formação dos jovens. Nas minhas atividades de vigilância bibliográfica a que anteriormente aludi, chegou-me ao conhecimento uma investigação curiosa que traz uma abordagem desligada da oposição STEM versus Artes e Humanidades e que coloca antes a questão no modo sistémico ou não sistémico como se ensina hoje em dia. Trata-se de um contributo entre muitos, que vale o que vale, mas que me parece ser útil e que devolve ao modo como se ensina e aprende uma relevância que as apostas exclusivas na dimensão curricular têm progressivamente desvalorizado.)

Esta questão é curiosa porque me faz lembrar as enormes hesitações quando na antecâmara do antigo sexto ano do liceu tive de optar por uma linha de estudos. Ciências ou Letras era então a dicotomia a que se recorria para a escolha e foi nessa base que escolhi Economia, que me pareceu na altura a melhor maneira de escapar aquela dicotomia que me incomodava um pouco, pois tinha preferências nos dois campos e assim iludia a escolha. O “Ciências e Letras” desse tempo era afinal uma forma precoce de colocar a oposição entre STEM e Artes e Humanidades, já que, como o exprimi há pouco, o A do STEAM é claramente envergonhado e continua a não ter a expressão que a mudança de sigma anunciava.

Esta questão adquire alguma relevância quando, por todo o mundo, o afã produtivista tem consequências sobre os orçamentos de educação, colocando crescentes dificuldades aos programas de humanidades e artes. Por outro lado, a força dos domínios STEM no retorno da educação para os que se qualificam tende a apertar o cerco. Se não for por causa de restrições orçamentais, a procura social encarrega-se de completar o círculo vicioso, influenciando a procura dos alunos e famílias e também a oferta de professores.

O artigo publicado nos Scientific Reports da Nature (www.nature.com/scientificreports) vai por uma outra linha, não a de âmbito curricular, mas antes a de alcance cognitivo, estudando as consequências do que os investigadores designam de pensamento transcendental ou sistémico, ensinando os jovens a pensar sobre as questões sociais mais globais, numa palavra ensinando os jovens a pensar sobre sistemas, hoje em dia, como sabemos, cada vez mais complexos. Esta abordagem tem a grande vantagem de escapar à dicotomia “STEM versus humanidades”, obrigando a repensar processos de ensino e aprendizagem e convidando a equilíbrios curriculares mais amplos.

A abordagem procura, assim, responder ao que é reconhecido a adolescência representar, um período de “relevante crescimento cognitivo, emocional e psicossocial, assim como um período sensível para o desenvolvimento neurológico”.

Aos mais interessados e especialistas no tema recomendo a leitura do artigo, que parece confirmar a relevância futura em termos de conexão com os outros e de bem-estar individual e social nos primeiros estádios da vida adulta do pensamento abstrato ou mais transcendental ou sistémico, ajustando-se ao período de desenvolvimento cognitivo dos 14 aos 18 anos.

Num sistema de educação e formação em maturação, estas questões não podem ser substituídas por uma luta curricular acesa entre os mundos do STEM e das humanidades, sobretudo enquanto existirem condições orçamentais e de professores para que estas últimas possam ter um papel na formação global dos jovens.

 

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