quarta-feira, 27 de março de 2024

BALBÚRDIA NO OESTE

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Ninguém tinha dúvidas de que a estabilidade cuidadosamente esculpida por Marcelo ia acabar mal, ou seja, instável. E, enquanto alguns analistas mais otimistas admitem que tudo se vai resolver, outros foram lestos em prever novas eleições lá para o final do ano. O que ninguém previu foi que o exato momento do arranque da legislatura na Assembleia da República se iria transformar no circo a que assistimos ao longo do dia de ontem. Uma vergonha sem nome!

 

Olhando o que se passou, parece-me que será razoável concluirmos que o “Chega” deixou evidente à saciedade o seu grau de irresponsabilidade democrática e que o foco da sua missão está nas doentias ambições pessoais do seu líder independentemente das consequências implosivas do sistema político tal como o conhecíamos até ao presente. Mas também devemos avaliar muito negativamente o modo profundamente amador como o PSD de Montenegro geriu a agenda com que queria levar José Pedro Aguiar-Branco à presidência do Parlamento; uma eleição que teria sido perfeitamente pacífica se Hugo Soares ou Miranda Sarmento tivessem feito uma aproximação, mesmo que discreta, ao PS nesse sentido. Já o PS acabou por ser o vencedor tático da jornada, sobretudo na medida em que se limitou a começar por constatar a existência de um acordo à Direita, depois a registar quebra do dito na prática da votação e finalmente a assumir como uma obrigação para si decorrente a apresentação de uma candidatura alternativa (concretamente, Francisco Assis).

 

Mais dia menos dia o imbróglio acabará forçosamente por se resolver. Só não sei exatamente como. Será com uma aproximação do PSD ao PS, devidamente aproveitada por este último, ou através de uma efetiva assunção da existência de uma maioria de Direita, como pretende a chantagem de Ventura? De todo o modo, a escolha está agora inteiramente na mão do PSD, do qual se espera que retire os necessários ensinamentos do ocorrido, designadamente em sede de um posicionamento maduro e ponderado enquanto partido mais votado e encarregado de chefiar o governo.

 

Sendo ainda certo que ganhou nova dimensão de credibilidade a tese dos três blocos com que Rui Tavares (Livre) avaliou os resultados eleitorais de 10 de março. Tal deveria significar que, se o PSD a incorporasse e lesse pela positiva, o partido teria de evoluir no sentido de se capacitar para pivotar relacionamentos de geometria variável com as forças democráticas do Parlamento (representativas de 82% dos votos expressos); o que até poderia vir a saldar-se por hoje improváveis soluções governativas de interesse nacional. Mas, se assim não for, como talvez seja o mais provável, o que iremos ter nos tempos mais próximos vai passar por escaladas permanentes de desgaste por parte do “Chega”, até conseguir alcançar a vitória final (novas eleições), e/ou por navegações à vista (chamam-lhe “negociar com todos”) por parte de um Montenegro que, mal tendo começado, já vai dando sinais de uma mundividência política pouco abrangente e, portanto, de dispor de duvidosas competências para uma gestão suficientemente eficaz do problema nacional que aí está e não deixará de ganhar mais gravosas proporções. Daí que não seja de excluir, digo-o com algum sobressalto, que amanhã ou depois de amanhã venha a ser uma chico-espertice de qualquer ordem e espetro de origem a vir aparentemente resolver o que só pode sê-lo com coragem política, sentido patriótico e frontalidade estratégica.

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