quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

POR VEZES, APETECE PERGUNTAR …

 

(O humor dos cartoons, sobretudo os de origem anglo-saxónica, são um universo infinito de inspiração possível. Recorria a eles frequentemente nas apresentações de suporte às minhas aulas e, do ponto de vista da abordagem ao mundo das empresas, dos negócios e das organizações, a reflexão que transparece de alguns exemplos é extremamente estimulante. O cartoon que inspira este pequeno post encontrei-o num tweet do persistente Richard Baldwin, que não resistiu ele próprio a um sorriso pela interpelação que ele representa. Na minha atividade profissional de andarilho do planeamento e da avaliação de políticas públicas, o chiste que ressalta deste cartoon aplica-se como uma luva a muitas das instituições com que me cruzo e é sobre esse tom que construo este post.)

De facto, em tempos em que os interesses público e privado aparecem promiscuamente combinados e até confundidos, em que muitos indivíduos sugam e extraem das instituições tudo o que lhes convém, abdicando de contribuir ativamente para os objetivos últimos que essas instituições deveriam servir e para a sua consolidação, apetece por vezes perguntar e interpelar esses personagens com esta desconcertante pergunta do cartoon: o que raio estás aqui a fazer?

Imaginem que pelas instituições mais problemáticas e menos consolidadas deste país se multiplicavam os artefactos digitais acessíveis ao público com perguntas deste teor.

Será que daí poderia resultar alguma tensão criadora e de correção de posturas?

Perguntar não ofende!

 

NA CATÓLICA, A FAZER O PAPEL DE ECONOMISTA ATÍPICO

 


(Ontem, ao almoço, o Amigo Professor Leonardo Costa do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa convidou-me a fazer uma pequena charla com os alunos do curso de Economia sobre o meu percurso como Economista. Tenho boas recordações do período em que no âmbito da cooperação entre a UC e a FEP lecionei creio que durante três anos letivos a cadeira de Desenvolvimento Económico. Essa boa experiência estendeu-se aos tempos em que o Doutor Joaquim Azevedo assumia as funções de Direção do Centro Regional em que participei como coordenador da QP nos trabalhos de planeamento estratégico do Centro Regional. Tive assim oportunidade de conhecer melhor por dentro a capacidade formativa e de investigação do Centro Regional e foi com alguma tristeza que senti nos últimos anos uma tensão interna declarada, fruto de opções de chefia não condizentes com o espírito da Escola. Foi com satisfação que observei ontem que esses tempos estão ultrapassados e que o então ambiente de tensão interna está claramente superado. O clima do almoço de ontem é disso a melhor ilustração e agradeço por isso ao Leonardo Costa a possibilidade de o ter podido observar in loco.)

A minha pequena charla, proferida entre a parte principal da refeição e a sobremesa-café, dirigiu-se a um conjunto de cerca de 40 alunos e alguns professores (entre os quais antigos meus alunos) e tive a oportunidade de rever alguns Amigos como o brilhante Nuno Ornelas Martins que considero o nome mais promissor da jovem geração universitária que se interessa pelo mundo da teoria da economia política.

Como transmiti aos alunos presentes, a minha preocupação era mostrar-lhes que o meu percurso e estatuto de Economista eram bastante atípicos em relação ao padrão normal com que irão confrontar-se quando ingressarem na vida ativa. Foi assim num papel de economista atípico que lhes falei do meu percurso. Desde os tempos da escolha do curso, sem grande racionalidade e mais fruto do caráter disciplinarmente híbrido que o curso de Economia apresentava na altura, até à passagem pelo sótão da FEP no edifício da atual Reitoria em que me confrontei com um curso demasiado híbrido para os meus interesses, os da macroeconomia e da política económica, passando pela entrada na FEP como docente para participar ativamente na reconstrução democrática da Escola, mostrei-lhes que a minha experiência não é propriamente uma “boa prática”. A eterna partilha da investigação e docência com a consultadoria não é uma boa opção à luz dos tempos atuais, embora me tivesse dado gozo na altura, não permitindo nem uma carreira académica sólida, nem a aposta por uma notoriedade maior no domínio da consultadoria.

Terminei com a referência a dois dos meus interesses académicos e profissionais, ambos no exterior do “mainstream da economia”, por isso com a dificuldade adicional de reconhecimento num mundo académico e social voltado para outras coisas, sobretudo de publicação rápida e acessível.

Esses domínios são os da “economia do território”, felizmente redescoberta nos tempos mais recentes através da economia da inovação que finalmente percebeu a relevância dos fatores territoriais nos determinantes (elementos que favorecem) da inovação e o das ciências da organização, claramente deficitárias em Portugal. Procurei mostrar-lhes neste último caso que estamos perante um caso típico de não ajustamento entre oferta e procura. A procura de conhecimento-organização é intensa e creio mesmo que os fatores organizacionais representam um dos mais importantes, senão o mais importante, constrangimento ao desenvolvimento em Portugal. Apesar dessa procura revelada, a oferta de conhecimento-organização é incipiente, bastando para isso observar a oferta curricular em Portugal nas ciências da organização, esmagadas pelo peso do management.

Um excelente e diferente almoço, fora da minha rotina.

Um abraço de agradecimento ao Leonardo Costa e para os alunos que tiveram a paciência de escutar a descrição do meu percurso atípico os desejos de uma frutífera e bem remunerada entrada na vida ativa.

 

MACRON E OS SEUS FANTASMAS TERMINAIS

Uma coisinha má passou há dias pela brilhante mas desorientada cabeça de Emmanuel Macron. Então não é que, durante a conferência que organizou no Eliseu em apoio à Ucrânia, o homem sugeriu um possível envio de tropas europeias para aquele terreno de guerra! Ninguém consegue explicar a origem profunda de tão peregrina ideia, que aliás logo se deparou com a generalizada oposição da larga maioria dos aliados (excetuaram-se os amedrontadíssimos bálticos), tendo surgido como especialmente críticos os parceiros alemães, habitualmente tão admirados e desta vez notoriamente afrontados. Mas duas coisas são certas: por um lado, Macron perdeu claramente os poderes e já pouco contará para a procura de soluções europeias e, por outro, a escalada de perigosidade bélica está em indesmentível crescendo (veja-se, a propósito, a crónica de José Pacheco Pereira no “Público” de Sábado), com Putin à espera do melhor momento circunstancial para novas investidas de alcance necessariamente doloroso para o lado democrático.


(Pierre Kroll, http://www.lesoir.be)

(Corinne Rey, “Coco”, https://www.liberation.fr)

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

URSULA 2.0


(Nicolas Vadot, http://www.levif.be) 

Ainda houve quem tentasse empurrá-la para a NATO, ao que parece com alguma ajuda da parte de Biden, mas a senhora sabe bem o que quer para dar sequência à sua carreira em zona de conforto e poder consolidado, pelo que não foi na cantiga de Breton e respetivos apaniguados (sobretudo franceses e liberais, amigo Michel incluído).


(Patrick Blower, https://www.telegraph.co.uk)
 

Pés ao caminho e eis Ursula a lograr ser indicada como a spitzenkandidat do EPP, tornando-se assim a favorita quase indiscutível a um segundo mandato no lugar que vem ocupando. Mas não só, já que a presidente em exercício, além de possuidora de caraterísticas pessoais muito marcantes (inteligência prática, capacidade de trabalho, voluntarismo), é também dotada de um significativo golpe de rins que a constitui numa taticista política de alto gabarito (que boa parceria fará ou faria com o nosso Costa!).


E Ursula aí está a arrancar com toda a sua versatilidade, emitindo três poderosos e inapeláveis sinais. Primeiro, ao observar a força do movimento dos agricultores e como referi em post anterior, logo se decidiu a enterrar a sua prioridade máxima da candidatura anterior (o chamado Green Deal), aspeto que se lhe tornou grandemente facilitado pela ausência entretanto verificada em Bruxelas do fundamentalista holandês Timmermans.


(Ricardo Martínez, http://www.elmundo.es)

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

(Joep Bertrams, https://caglecartoons.com)

 

Segundo, confrontada com a aflição de um bom número de países europeus perante os crescentes riscos provenientes da Rússia (com a agravante de uma possível eleição de Trump), logo veio abdicar do seu verdejante discurso precedente para declarar que com ela a segurança e defesa estarão na primeira linha de opções, assim se comprometendo com a nomeação de um comissário a encarregar de tais matérias e rompendo com uma tradição de décadas de adormecimento europeu.


(Alessio Atrei, https://cartoonmovement.com)

(Carlos Alberto Amorim, https://cartoonmovement.com)

(Rytis Saukantas, https://www.politico.eu)
 

Terceiro, tomando conhecimento das sondagens eleitorais existentes relativamente às eleições de junho, logo declarou que nada quereria com a extrema-direita populista mas trabalharia sem problema com os conservadores e antieuropeus do grupo ECR (que se estima poderem vir a ocupar a terceira posição naquelas eleições).

 

Quando, há cinco anos, Ursula surgiu como candidata à presidência da Comissão Europeia, muitos foram os analistas que duvidaram das suas condições de espessura política para o desempenho de tal função. O que não veio a corresponder à verdade, muito por via das particulares situações concretas (da pandemia à guerra) que acabaram por se lhe deparar e por se ajustar às suas caraterísticas de formiguinha voluntariosa. Agora, quando o que se lhe apresenta é toda uma outra realidade, politicamente bem mais complexa, oferecem-se-me claramente as maiores dúvidas sobre a adequação do seu perfil para enfrentar os imprevisíveis cinco anos que estão para vir.