(Já há longo tempo que tenho para mim que a justiça portuguesa é um corpo da sociedade e da democracia portuguesas relativamente ao qual não existem razões plausíveis para a considerar diferente e imune aos problemas estruturais e exemplos de derivas que caracterizam os restantes corpos. Tal como noutros corpos da sociedade portuguesa existe gente boa e gente má, competente e incompetente, zelosa do interesse público ou embrenhada em interesses corporativos. Por isso, quando vejo sinais do justicialismo mais despudorado fico de pé atrás, porque não acredito na pureza regeneradora de uns e na perfídia de outros. O tandem que existiu durante longo tempo entre magistrados do Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre que assumia então o putativo lado bom do TIC criou legitimamente a ideia de que poderia haver uma agenda política do MP, largamente favorecida pelos media que acorriam zelosos a esfolar o que o MP matava com acusações de que a política portuguesa precisava de regeneração imposta de fora. Como esse tandem felizmente se desfez, hoje torna-se claro que os juízes que cuidam das liberdades e garantias dos cidadãos não só não fazem “copy paste” das alegações do MP, como as questionam e colocam no ridículo. Em meu entender, o problema é mais vasto e grave do que a existência no MP de sinais de agenda política de alguns dos seus magistrados, com a complacência da Procuradora da República, inquietantemente silenciosa presumivelmente porque não comanda já as tropas. O que parece estar a acontecer é o desenvolvimento em campo aberto de lutas fratricidas no interior dos vários corpos da justiça, materializando invejas, pequenas vinganças, quebras de solidariedade e de empatia. Todo este movimento se cruza com as tais possíveis agendas políticas de grupos de juízes, gerando um ambiente de grande incerteza que penaliza obviamente o mexilhão, o cidadão desprotegido que necessita da proteção da justiça.)
Há quem rejubile com esta situação e até proclame que a justiça está agora finalmente a funcionar. Peço imensa desculpa mas esta interpretação é um pouco tonta. O contraditório interpretativo é obviamente possível e até necessário, sempre que esse contraditório esteja ao serviço da proteção da verdade e dos cidadãos que necessitam dessa proteção. Mas o que não é saudável é esse conflito resultar da colisão de egos, de interesses em gerar agendas políticas, de zangas de comadres e compadres juízes, de fortes aspirações ao exercício do justicialismo. E é o que parece que está a acontecer sob a inexistência de coordenação da Procuradora Geral.
Se este é o funcionamento da justiça então estamos mal.
E somos reconduzidos ao que Rui Rio tem sem grandes companhias vindo a denunciar. Não pode haver nenhum corpo da democracia isento de escrutínio. A ausência de escrutínio é um mau entendimento da independência necessária do sistema judicial. Este é que é o problema central, que se ataca antes da casa arder. É uma atitude preventiva, por muito que o sindicato dos juízes do Ministério Público pense que atue em roda livre.
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