quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

AS PSEUDO MARAVILHAS DO UNIVERSO LIBERAL DO REINO UNIDO

 


(Espanta-me que os liberais de serviço na cena política portuguesa, com a IL à cabeça, não remetam mais para o Reino Unido como exemplo da experiência mais estruturada de liberalismo económico com moeda própria, polvilhada aqui e ali com aqueles toques de conservadorismo de classe que a elite britânica tanto adora. Desde os tempos da dupla Cameron-Osborne, o primeiro regressado às lides políticas como Ministro do Foreign Office, que os Conservadores consagraram uma política económica de redução da magnitude do Estado, perda de qualidade dos serviços públicos e adaptações das políticas sociais a esse novo referencial, algumas das quais roçando a desumanidade. E, nos tempos mais recentes, antes de Sunak tomar o poder, o Reino Unido assistiu à mais espantosa incursão pela tão badalada matéria dos choques fiscais, com uma promessa de Liz Truss, hoje dedicada a um novo movimento político, para a mais ambiciosa redução de impostos que o Reino Unido algum vez vira. Numa típica entrada de leoa atrevida e saída de ovelhinha indefesa, Truss encarregou-se ela própria de desacreditar tão importante experiência que terá feito as delícias efémeras de Rui Rocha e seus apaniguados.  

 


Mas os tempos da opção liberal do Reino Unido não surgiram com a desgovernada Liz, antes começaram conforme disse com a dupla Cameron-Osborne. É, por isso, nesse tempo mais longo e não no universo da efemeridade de Liz Truss, que não resistiu sequer ao confronto com o tempo de decrepitude de uma simples couve, que a deriva liberal britânica tem de ser analisada. Há quem tenha investido nessa análise temporalmente mais alargada e certamente que Martin Wolf é uma dessas personalidades mais salientes e Wolf não é seguramente um perigoso intervencionista.)

Existem várias alternativas para se caracterizar com nuvens de preocupação a herança conservadora britânica, mas não vou aqui reproduzir todo o artigo de Martin Wolf que, como qualquer outro escrito por ele assinado, exige leitura integral e atenta.

Vou concentrar-me apenas em duas dimensões analíticas.

A primeira diz respeito ao grau de confiança que os cidadãos atribuem ao governo que regula as suas vidas. A mensagem liberal é implicitamente a de que uma orientação liberal da política e da economia reduzirá os tentáculos do Estado, induzindo os cidadãos a uma maior confiança na atividade governativa, graças à maior intensidade e presença da atividade privada.

A figura que abre este post documenta que a confiança da população britânica no seu governo anda, comparativamente com a observada noutros países, pelas ruas da amargura. Na amostra OCDE citada, só a Itália e os EUA apresentam graus de confiança mais baixos do que os registados no Reino Unido. É o que os números dizem e por isso a opção de menos Estado parece não ter induzido a confiança desejada.


A outra dimensão diz respeito à taxa de investimento, que mede nada mais do que o rácio entre a Formação Bruta de Capital Fixo de um dado ano e o PIB desse mesmo ano. Este indicador é importante porque os amantes do choque fiscal da descida de impostos, para todos os gostos, mas em alguns países essencialmente dirigida aos mais ricos, costumam apregoar que magicamente essa magia fará crescer o investimento para além de limiares não sonhados, não só a partir de dentro, mas também de fora, atraindo novos investidores.

Na amostra OCDE considerada por Martin Wolf, os dólares e libras desse surto de investimento devem ter-se perdido pelo caminho. A taxa de investimento do Reino Unido é mesmo a mais baixa da referida amostra. Aliás, em linha com o que outros economistas, com relevo para o Professor de macroeconomia em Oxford, Simon Wren-Lewis, assinalaram atempadamente, denunciando o estado lamentável de algumas infraestruturas públicas no Reino Unido. Esse baixo investimento acentuou as vulnerabilidades do país a fenómenos extremos, como por exemplo as cheias que assombraram partes do território britânico menos cosmopolita e a tão badalada impreparação de resposta à crise pandémica.

Esta debilidade do peso do investimento ficará também como um dos legados mais perversos da passagem do PS pelo poder em Portugal, numa espécie de contradição de princípios a que a candidatura de PNS não pode deixar de dar resposta.

Moral da história

Parece assim poder concluir-se que a deriva liberal e do Estado pequeno (nem sequer foi a de menos, mas melhor Estado) nem se traduziu pelo aumento de confiança dos governados, nem espicaçou o investimento conforme o choque fiscal das descidas de impostos tanto apregoa e que, por exemplo, está na base das perspetivas otimistas de crescimento apresentadas pelo programa económico da AD.

Não estamos em tempos de discussões doutrinárias. Evidências de experimentação precisam-se. E estas, reveladas por Martin Wolf, são bem explícitas. Conclui Wolf: “O país, em suma, precisa não de um estado mais pequeno, mas de um mais ativo e mais focado, juntamente com reformas substanciais frequentemente necessárias em áreas problemáticas. O “business as usual” não funcionou. Uma mudança radical é hoje urgentemente necessária.”

 

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