segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

LIÇÕES POSSÍVEIS DAS REGIONAIS GALEGAS

 

(As eleições regionais na Galiza, domingo próximo, acontecem num momento muito particular da política espanhola. O PSOE nacional de Pedro Sánchez vai governando em contexto de grande fragilidade, visível nos dez pontos percentuais de inferioridade que as sondagens mais recentes lhe atribuem relativamente ao PP de Feijoo. Os nacionalismos regionalistas estão cada vez mais ativos na cena política espanhola e não tenho memória de tão estranha coligação política no meu horizonte histórico de observação. No centro de toda essa agitação, a tentativa desesperada de Sánchez para impor alguma trégua ao independentismo catalão tem-lhe custado dissabores que se sucedem a uma velocidade estonteante, com a lei da Amnistia a produzir danos colaterais sem conta. Mas a história desta semana que antecedeu as eleições regionais do próximo domingo na Galiza veio baralhar ainda mais o ambiente e, perante a surpresa de todos, incluindo a deste escriba, o fator de agitação veio do PP e de inesperadas declarações de Nuñez Feijoo. Explico-me. Mas a cena é rocambolesca e, aparentemente, não alinhada com a pose do ex-líder galego e agora candidato ao governo de Espanha.)

A política tem coisas do arco da velha e nesse campo a Espanha é um observatório inesgotável. Quando após as últimas eleições legislativas em Espanha, Feijoo e Sánchez procuravam apoios para a sua investidura, pois nenhum deles conseguira votação própria para a poder garantir no Congresso de Deputados, mesmo antes do PSOE ter iniciado a aproximação aos independentistas, o PP de Feijoo realizou junto do Junts per Catalunya de Puigdemont uma aproximação pela calada para tentar obter o apoio daquela força política para a sua investidura. Tendo o PNV (Partido nacionalista do País Basco não propriamente independentista radical) e a Esquerra Republicana da Catalunya (também independentista mas mais radical) recusado à partida qualquer contacto, o PP viu-se forçado a esta estranhíssima aproximação. Nunca veio a lume o teor das conversações e Feijoo tentou passar despercebido. Por isso, quando abertamente, o PSOE de Sánchez iniciou as mesmas diligências junto dos partidos regionalistas e organizou uma delegação para visitar Puigdemont no exílio belga não entendi na altura lá muito bem o clamor de indignação do PP e de Feijoo perante a ousadia de ensaiar um acordo com tão instável e pouco fiável personagem.

Este longo introito é crucial para entender esta agitada semana que precedeu as eleições na Galiza.

Quando a campanha eleitoral para as regionais galegas se iniciou, o PP gozava, como se previa, de uma sólida maioria absoluta. O novo Presidente da Xunta, Alfonso Rueda, tem um perfil muito similar ao de Feijoo, percebe-se que o manto protetor da tecnocracia da Opus anda por ali. É alguém que conhecia já bastante bem a governação, pois era Vice-Presidente do Governo Regional e, por isso, mesmo não fazendo grandes ondas a sociologia da região favorece o PP e a maioria absoluta estaria de novo garantida, ainda que não necessariamente com o mesmo número de deputados regionais. Das restantes forças políticas, só o Bloco Nacionalista Galego (BNG) poderia aspirar a alguma luta, já que o PSOE galego navegava em tempos de uma espécie de pré-agonia para a irrelevância regional, ainda que presente e dominador em algumas cidades (Vigo e Corunha, por exemplo).

Mas esta calma galega foi perturbada muito recentemente por um conjunto estranho de fatores. Primeiro, em resposta a uma tentativa de última hora do judicialismo espanhol de envolver Puigdemont e o Junts numa trama terrorista com possíveis ligações a Putin, o político catalão reagiu à bruta insinuando que pode falar e que poderia explicar o que é que Feijoo lhe prometeu quando tentou o seu apoio para a investidura. Segundo, o mistério adensou-se e ficou ainda mais escurecido quando um dia ou dois depois grupos próximos de Feijoo deixaram entender que, com certas condições a impor a Puigdemont, Feijoo poderia aceitar um indulto do político catalão. O PP entrou em polvorosa, petrificado por esta deixa do seu líder, o qual em declarações posteriores procurou corrigir o tom e acentuar as tais condições a satisfazer, mas o mal estava concretizado. O que permitiu ainda ao VOX acordar da sua autofagia interna. Terceiro, sabe-se lá porque motivo, talvez pelo apoio concedido pelo velho ícone da política galega Xosé Manuel Beiras, o BNG de Ana Pontón, a líder regionalista mais consistente, deu um pequeno pulo nas sondagens, criando alguma interrogação, sem a comprometer, na maioria absoluta de Rueda.

É com este novo contexto que as eleições na Galiza acontecerão domingo próximo, o que não deixa de ser uma surpresa face à situação vivida na Região um mês antes. Dificilmente, o resultado equivalerá ao que Feijoo pretenderia, uma forte alavanca para precipitar o desgaste político do governo de Sánchez, até porque o PSOE nacional não tem regateado apoios ao PSOE galego, com múltiplas presenças no terreno.

Da evolução deste contexto retiro essencialmente duas ideias, que podem ser consideradas lições políticas, mesmo com a preocupação de refrear qualquer tentativa apressada de ignorar o contexto muito particular da Espanha.

A primeira lição prende-se com os perigos de nacionalismos regionalistas à solta e, devo dizê-lo, não me considero um devoto nacionalista. A governação política de um contexto de forças desta natureza não se recomenda para um tempo como o nosso, no qual os políticos nacionais e regionais deveriam preocupar-se mais com a política internacional do que com o conta-corrente local ou regional. O permanente balanceamento a que a política de Sánchez é obrigada para negociar com os regionalismos delapida qualquer esforço ou foco estratégico.

A segunda lição está relacionada com a necessidade de estudo profundo do que o declínio do PSOE galego significa. Na Galiza, não há propriamente uma força política antissistema como o VOX a pressionar a esquerda democrática. O que está a acontecer na Galiza é que a população galega encontrou não no PS mas num partido nacionalista, o BNG, os fundamentos de uma possível alternativa ao PP. E não me parece que seja a força da personalidade da líder Ana Pontón a explicar o sucedido. Bem sei que aquele abraço do velho Beiras a Ana Pontón pode ter representado um élan adicional na campanha. Mas por detrás do avanço do BNG está a incapacidade do PSOE galego em oferecer uma alternativa credível à já histórica presença do PP à frente da Xunta.

Alguns eleitores galegos poderão pensar assim: somos socialistas e o nosso partido a nível nacional sobrevive com acordos do arco da velha com os partidos regionalistas. Porque não então depositar o voto no nosso “nacionalismo regionalista”?

Encontrei, entretanto, num jornal galego, o El Diário, uma excelente interpretação do abraço entre Beiras e Pontón:

“O abraço entre Xosé M. Beiras e Ana Pontón marcará algo mais do que o tempo da campanha. Trata-se de um abraço icónico (simbólico para os que nasceram antes de 1980) que chama a atenção por razões evidentes, mas também por outros pormenores. Beiras poderia parecer o lobo fatigado que regressa a casa depois das suas correrias. Pontón, passando-lhe a mão pela cara, quer dizer que é ela quem manda. Fá-lo com carinho e sinceridade, mas a Beiras não é qualquer um que lhe passa a mão pela cara. Pontón deixou a expressão do seu carisma nessas imagens. No fim de contas, o carisma não é mais do que auto-confiança” (Manuel Veiga Taboada).

Por cá, a luta é outra, como combater nas urnas um partido antissistema como o Chega?

 

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