sábado, 10 de fevereiro de 2024

IMPASSE NOS PAÍSES BAIXOS

 
(Jean Plantu, https://twitter.com) 

Já lá vão uns meses desde que o Partido de extrema-direita (liderado por Geert Wilders) venceu as legislativas nos Países Baixos. Sendo que, como é regra na maioria dos países europeus, a formação de um governo pressupõe negociações complexas, e quase sempre bastante alargadas (considerando a extrema fragmentação que resulta de um sistema eleitoral muito proporcional), para que o mesmo possa dispor de um apoio parlamentar confortável. E, no caso vertente, a situação parecia ter-se tornado ainda mais difícil por força de um jogo estratégico em torno de “linhas vermelhas” relativamente a aproximações aos populistas radicais (p.e., Mark Rutte, o então líder do partido conservador de direita e ainda atual primeiro-ministro, há muito que excluíra liminarmente qualquer tipo de coligação com Wilders). Só que, e por um lado, Rutte vai sair de cena e a sua sucessora (Dilan Yeşilgöz-Zegerius) estará mais propensa a poder adotar uma lógica diferente (ainda que preferindo viabilizar um governo minoritário), e por outro lado, surgiu desta vez um novo partido (o NSC, “Novo Contrato Social”, liderado pelo ex-democrata-cristão Pieter Omtzigt) que, ao ter sido o quarto mais votado, veio acrescentar mais incerteza à questão (fruto das suas oscilações entre algum tradicionalismo partidário e uma distanciação aberta face às elites políticas instaladas, assim como da sua heterodoxia de princípios, nomeadamente uma certa progressividade em termos económicos e um certo conservadorismo em termos socioculturais); a sua recente decisão de abandonar as negociações que decorriam (quer pela agudização de divergências internas, quer por choques com o designado chefe das negociações, Ronald Plasterk) fez com que resultasse ainda mais imprevisível o cenário em presença (que parecia em vias de encaminhamento) ― será uma repetição de eleições inevitável?

 

Explico-me: as informações disponíveis e os dados objetivos apontavam para que se estivesse a tornar provável um acordo a quatro (o PVV de Wilders, o VVD, o NSC e o BBB, o também novo “Movimento Agricultor-Cidadão”). Mas sem o NSC nada feito, os números não batem. Daí que haja muitos analistas a preverem novas eleições, o que seria inédito no quadro da história constitucional do país, embora outros prefiram acreditar na continuidade, eventualmente com outra chefia, do processo negocial (até por não haver qualquer limite de tempo para a sua consumação) e outros ainda que sustentem que o caminho de solução poderá estar num governo minoritário de direita liderado por Geert Wilders e apoiado pelo NSC ― o que não será fácil face ao posicionamento de Omtzigt segundo o qual o estado das finanças públicas permite a concretização de “promessas irrealizáveis” ― ou numa grande coligação de centro-esquerda e centro-direita ― mas nem Frans Timmermans não parece muito afim nem a estratégia mais à direita (com foco na imigração e na segurança) do VVD o tende a facilitar. Não valorizando a hipótese também aventada de um “governo tecnocrático” com largo apoio parlamentar.


 

Mas há pior: refiro-me ao facto de as sondagens mais recentes virem complicar adicionalmente o problema ao permitirem concluir que, em caso de novas eleições, Wilders e o VVD iriam conseguir ainda mais assentos do que antes e ainda: que nenhum governo seria possível sem Wilders (que passaria de 23,6% dos votos para 34%), que os três partidos atualmente em negociação estariam próximos de uma maioria absoluta em conjunto e que o partido de Omtzigt cairia e poderia acabar por se tornar redundante. Não obstante o facto contraposto, e salientado por muitos observadores, da enorme volatilidade que carateriza hoje o eleitorado holandês, cada vez mais desligado, partidariamente desleal, aberto a discursos populistas e conjunturalmente determinado pelo queixume e pela demagogia das correspondentes pseudorespostas.



(Pierre Kroll, http://www.lesoir.be)
 
No cômputo geral, as opções são todas manifestamente más, por uma razão ou por outra. Sendo que a mais lamentável ― um verdadeiro sinal dos tempos! ― provém da centralidade de que gozam Geert Wilders e os perigosos e fraturantes ideais que agita e vão alastrando.

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