sábado, 10 de fevereiro de 2024

IMPORTAÇÕES CHINESAS: AMIGAS OU NEFASTAS PARA A PRODUTIVIDADE?

 

(O VOX EU é um manancial de sínteses de investigação atualizada, cuja leitura regular nos coloca a par do que de mais relevante a investigação económica europeia vai produzindo. Por isso, se calhar sem a intensidade desejada, e disso me penitencio, não tem estado presente neste blogue com a regularidade desejada. Mas estamos sempre a tempo de remediar essa falha involuntária. É o caso da referência que hoje vos trago, centrada num tema que é central para os destinos da industrialização europeia, os efeitos das importações provenientes da China para a economia europeia. A história dos resultados desta investigação conta-se de forma simples. Ao contrário do observado na economia americana, em que pelo menos ao nível do emprego, economistas reputados identificaram efeitos perniciosos das importações chinesas[1], na União Europeia verificava-se estranhamente o contrário, as importações chinesas afetavam positivamente a produtividade europeia. Mas esta investigação recente reportada pelo VOX EU sugere que essa onda está a mudar e que existem evidências de que os efeitos sobre a produtividade são hoje negativos. Pergunta pertinente: o que é que explica essa mudança?)

Embora o artigo de Klaus S. Friesenbichler, Agnes Kügler e Andreas Reinstaller de 8 de fevereiro passado não seja tão incisivo como eu desejaria sobre as razões que terão determinado esta mudança do tipo de efeitos das importações chineses na produtividade europeia (o artigo é curto e está focado na demonstração empírica), podemos encontrar na sua análise alguma interpretação de suporte a essa explicação.

Em meu entender, o principal dado a ter em conta nessa explicação é a profunda e induzida mudança estrutural das exportações chinesas, à qual grande parte das autoridades europeias permaneceram indiferentes ou pelo menos minimizando o significado e impacto do que estava de facto a acontecer. Durante largo tempo, ficámos presos na ideia de que as importações chinesas eram compostas de produtos manufaturados provenientes de uma economia de baixos salários e tecnologia com baixo conteúdo em conhecimento. Aliás, foi esse contexto que atraiu o investimento direto estrangeiro à China, convicto de uma simples padronização tecnológica equivaleria a chorudos lucros para o padrão de baixos salários existente. Ora, esse panorama mudou radicalmente, tendo a China iniciado um processo vigoroso de política industrial segundo os padrões da industrialização asiática dos “late comers”. Baseada em processos de transferência de tecnologia, que o investimento direto estrangeiro trouxe à economia chinesa, ou seja o ocidente criou as bases da mudança industrial chinesa, a economia chinesa, sobretudo entre 2009 e 2016, aproveitando a perturbação a ocidente causada pela Grande Recessão de 2008, não só tornou no grande produtor mundial de manufaturas como passou a estar representada nas exportações de tecnologia mais avançada. Como é de simples antecipação, por detrás deste aparente milagre de mudança estrutural do perfil de exportações está um vigoroso e inequívoco processo de subsidiação da produção nacional e um largo esforço de I&D industrial que a massa enorme de investigadores chineses (1% de engenheiros de I&D na China não tem obviamente o mesmo significado de 1% de engenheiros de I&D numa Europa envelhecida e em declínio demográfico) completa com grande impacto.

Na minha modesta interpretação, quando as importações chinesas eram de baixos salários e de fraca tecnologia, os seus efeitos na produtividade europeia poderiam ser positivos, já que essa concorrência tenderia a provocar efeitos de destruição empresarial precisamente nos ramos de mais baixa produtividade. Como os efeitos no emprego nunca foram tão visíveis como a investigação americana detetou na manufatura USA, as importações chinesas nunca provocaram impacto mediático que se visse. Além de que tais importações de manufaturas vieram ajustar-se como uma luva à norma de consumo operária e trabalhadora em Portugal garantindo produtos a preços que a indústria europeia não podia assegurar. Ora, quando as importações chinesas mudam de perfil e começam a exercer concorrência sobre setores de alta tecnologia na economia europeia, como consequência do gigantesco esforço de política industrial das autoridades chinesas, os efeitos sobre a produtividade teriam obviamente de mudar de padrão. A investigação dos três economistas atrás referenciados documenta essa mudança de padrão de efeitos e até mostra que a intensidade dessas perdas de produtividade é mais saliente nos grupos de setores e empresas mais expostos às importações chinesas.


 

Continua, no entanto, para mim a ser um mistério a conclusão de que ao contrário do observado nos EUA, os efeitos sobre o emprego e a sua distribuição regional não sejam significativos. Os autores não oferecem nenhuma explicação para esta evidência e, repito, não encontro explicação plausível para tal.

Este tipo de artigos não costuma ser entusiasmante em matéria de propostas de política para mitigar os tais efeitos negativos sobre a produtividade. Mas, ainda assim, recuperei as suas propostas:

Primeiro, parece importante manter a capacidade dos exportadores europeus em assegurar um upgrade tecnológico, diversificar exportações e, quando possível, manter-se na frente de competidores internacionais e proteger a sua propriedade intelectual dos concorrentes chineses. Segundo, a UE deveria encorajar o investimento direto pelos líderes da tecnologia chinesa na União e assim promover a reversão dos efeitos de spill-over de conhecimento. Terceiro, é importante atuar contra as distorções de mercado que são proibidas pela Organização Mundial de Comércio. Uma investigação europeia sobre a violação de subsídios, seguida da imposição de medidas anti-dumping parece apropriada. Uma solução regulatória seria a melhor alternativa mas isso não está no horizonte.”

Retenho sobretudo a segunda das pias propostas. Estimular o IDE chinês na Europa para inverter o rumo dos spill-overs de conhecimento não vai contra o ambiente político que se pretende criar nas relações com China?

Perguntar não ofende.



[1] Destaque para o artigo de 2013: Autor, D H, D Dorn and G H Hanson, “The China Syndrome: Local Labor Market Effects of Import Competition in the United States”, The American Economic Review 103 (6): 2121–68, a que o nome de David Autor concede o prestígio a que, anteriormente, me referi.

 

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