terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

UMA DAQUELAS CAPAS …

 


(As capas do Economist, pelo menos algumas, são conhecidas por nos facultarem numa simples imagem que é reproduzida pelos écrans e escaparates de todo o mundo uma sábia compreensão do mundo que nos cerca. Umas vezes, essas imagens projetam-nos ameaças, às quais os democratas deveriam prestar mais atenção, não esquecendo as diferenças entre o acessório e o essencial. Outras vezes, essas imagens alertam-nos para dinâmicas promissoras que exigiriam estímulos para a sua disseminação mais generalizada. A capa deste último fim de semana é toda ela um desafio e ameaça. O trocadilho é precioso: “The right goes GAGA”. Com origem no discurso caótico e despudorado de Trump, o boné alerta-nos para a disseminação da “Global Anti-Globalist Alliance” que se projeta no Make um país qualquer Great Again” (MAGA nos EUA). Dou comigo a pensar que, muita gente como eu que, no passado académico e cívico, emitiu juízos críticos sobre os rumos da globalização e, no meu caso, até trabalhou sobre o tema, não imaginaria que a direita anti-globalização pudesse dominar o debate crítico sobre a mesma. Não é uma volta de 360º mas para lá caminha. Sempre associamos a defesa indiscriminada da globalização a forças de direita endeusadora do mercado. Não antecipámos que essa mesma direita poderia comandar, por via das derivas nacionalistas e populistas, o ataque a essa mesma globalização. É certo que um dos patronos deste blogue, Albert O. Hirschman, demonstrou nos anos 40 como o nazismo alemão começou por meticulosamente organizar o comércio externo alemão de modo a reforçar a vulnerabilidades dos países adversários. Apanhados em falso ou em contrapé, temos demorado a reinstalar a confiança no reformismo para melhor orientar essa globalização. Disso se tem aproveitado o movimento GAGA e, para o pior dos mundos, esta gente não está gagá, mas desperta e perigosa.)

Certamente que o universo de países e de projetos de deriva nacionalista e autoritária que preenchem o boné vermelho está longe de constituir um todo homogéneo. Além disso, o grau de desenvolvimento do MAGA não é nesses países também homogéneo. Nalguns casos, o movimento tem o poder (Hungria, Itália, Israel), noutros está em ascensão e pode perigosamente acercar-se do poder (EUA, França e Alemanha) e noutros casos ainda as sociedades nacionais parecem poder resistir a essa onda (caso mais evidente da Polónia). Noutro plano de diferenciação, o facto de alguns dos protagonistas estarem politicamente integrados em blocos democráticos (casos da Itália e da Hungria na União Europeia) introduz matizes que não podem ser ignorados. Apesar das suas simpatias anteriores por Putin, a Itália e a Hungria ainda não descolaram do apoio à Ucrânia e isso não é coisa pouca.

O aspeto mais preocupante do boné vermelho e do MAGA que lhe está associado está no facto de se materializar numa mensagem que tem recebido apoio eleitoral, avançando pelos corredores da democracia para a ir minando por dentro. Esse apoio eleitoral está longe de poder ser confinado aos deserdados e perdedores diretos da globalização, como se verificou inicialmente entre os apoiantes de Trump. Ele excede esse universo, pois o discurso do MAGA pode representar a ilusão de que os pequenos DAVID (os grupos mais penalizados) se podem opor e ganhar expressão política aos GOLIAS (as forças da globalização). A adesão aos discursos incendiários do MAGA é assim acompanhada de um auto-sentimento de justiça (estou a resistir às forças do mal exterior). Este cadinho de abertura a este tipo de discursos é depois caldeado por características históricas nacionais, de que provavelmente o movimento em França do Rassemblement National é provavelmente o mais ilustrativo, pois a ilusão de reencontrar o poder de outros tempos constitui sempre um fator de empatia para muito boa gente.

Estou de acordo com gente como José Pacheco Pereira quando insiste que a dimensão do boné vermelho vem recolocar questões que habilmente tínhamos erradicado das opções políticas internas, como por exemplo investir na defesa e segurança nacional, reorganizar e reequipar forças armadas e obviamente olhar para organizações como a NATO com outros olhos e recursos.

Sem surpresa, o debate eleitoral em curso em Portugal tem ignorado olimpicamente estas questões não se apercebendo que não se trata simplesmente de dar atenção ao que se passa no mundo. É uma matéria essencial para ajuizar indiretamente do grau de realismo das propostas realizadas por todas as forças políticas. Na verdade, respostas consequentes ao avanço do boné vermelho obrigarão a novas escolhas políticas e a opções de afetação de recursos que pareciam erradicadas, mas que regressam com toda a importância do mundo.

Santa ignorância!

 

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