As duas principais forças políticas nacionais guardaram-se para o fim no tocante à revelação das linhas programáticas com que se apresentam à contenda eleitoral que se aproxima. Mas como mais vale tarde do que nunca, aí estão eles ― os programas ― para quem quiser ter a paciência de os ler, analisar, monitorizar e avaliar. No que me toca, ainda não o fiz de modo suficientemente cuidado para poder estar em condições de emitir uma opinião definitiva.
Ainda assim, o que já pude ouvir e ler permite-me aqui deixar algumas hipóteses de reflexão. Por um lado, a de que nenhum dos dois programas me parece trazer propostas e medidas tão fundamentadas e/ou disruptivas quanto certamente se esperaria de um e do outro, embora por diferentes razões; parece assim manifesto que Pedro Nuno e Montenegro jogam claramente à defesa no que respeita à assunção de compromissos concretos e à explicitação dos respetivos impactos. Reina, pois, uma certa impressão mesclada entre alguma gratuitidade pouco rigorosa e mais ou menos chamativa e o estrito cumprimento de meros mínimos olímpicos.
Por outro lado, a de que o “racional” subjacente, o tão aguardado cenário macroeconómico, ou acaba por ser uma espécie de “conta de chegar” assente em crenças mais ou menos axiomáticas (no caso da AD) ou resulta numa preferencial continuidade ligeiramente ajustada daquela que foi a ação governativa de Medina (no caso do PS). Ou seja: (i) os macroeconomistas da AD acreditam em choques e milagres, pelo que se tratarem bem o setor privado e baixarem os impostos (IRS e IRC) não duvidam um minuto de que a confiança regressará e com ela o investimento (incluindo o estrangeiro), assim fazendo a economia crescer espetacularmente e permitindo que os salários e as pensões subam, que existam meios adicionais para enfrentarmos os problemas da educação e da saúde e por aí fora num “oásis” reencontrado ― como sintetizava uma peça do “Público”, “AD acredita que corte de 5000 milhões nos impostos se pagará a si próprio”; (ii) Medina e Pedro Nuno acertaram que seria adequado optar por um “cenário realista, credível e ambicioso”, o que quer que isso signifique para além das palavras propriamente ditas (onde está a ambição, por exemplo?) e da pequena folga que advém da cedência do primeiro em relação ao ritmo de redução da dívida pública que vinha estabelecendo.
Claro que sempre se poderá argumentar que a maioria dos cidadãos não vota a partir deste tipo de documentos mas sim de modo bem mais intuitivo e subjetivamente interesseiro. E nesse quadro a impressão que me parece predominar vai no sentido de que se justifica mudar, quer porque o PS já é governo há oito anos, quer porque as caras que se apresentam nas listas são dominantemente as mesmas, quer porque não cessam de se pronunciar alguns “grilos falantes” internos (Assis à la recherche du temps perdu, mas também, entre outros, os inefáveis Tiago Antunes e Miguel Prata Roque), quer ainda porque constitui uma verdadeira quadratura do círculo a tentativa “pedronunista” de simultaneamente assumir o passado e querer construir um novo futuro. Apesar de ter de se reconhecer, digo eu, que o novo secretário-geral do PS possui boa preparação política e económica, tem uma agenda mais consistente para a transformação do país e é um bom tribuno na respetiva explanação.
Termino afirmando que não estou nada convencido de que a leitura integral dos dois programas, que irei fazer, altere algo de substantivo em relação ao que atrás deixo dito. Mas se tal for o caso, cá estarei para dar a mão à palmatória.
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