sábado, 29 de fevereiro de 2020

JORNALISMO VIRAL



(Já não há paciência para aturar os jornalistas mais metediços e interessados em descobrir algum buraco de argumentação nas autoridades oficiais do que contribuir para conter a disseminação do Coronavírus e controlar os seus efeitos. Nas condições atuais, um bom e eficaz jornalismo constitui uma peça fundamental para homogeneizar informação independentemente da qualificação de quem a recebe).

Os jornalistas metediços andam de candeias às avessas com a calma e competência da Diretora-Geral de Saúde Dra. Graça Freitas. Uma Diretora Geral precipitada ou incompetente seria uma prenda divina para tal gente, mas não, para bem público é a calma e competência que se têm imposto e que se lixem os metediços.

Ontem, quando a Diretora-Geral testou o ambiente com a referência aos primeiros cenários com que as autoridades começaram a preparar os planos de contingência (primeiros porque a situação em Itália obriga a uma permanente revisão desses cenários), o valor de 1 milhão de possíveis infetados em Portugal fez sorrir os metediços. Tinham finalmente combustível. Mas rapidamente a Diretora-Geral corrigiu a mensagem, esclareceu o significado da cenarização, relembrando a diferença entre cenarização e previsõs e colocou de novo as coisas nos devidos eixos, para pena inconsolável de tais personagens.

E assim vai acontecer nos próximos tempos até que surja o momento mágico do primeiro infetado. Veremos nessa altura como a Direção-Geral regulará a sua comunicação e as mensagens que a vão corporizar.

A questão crucial dos próximos tempos consistirá no modo como a população em geral, independentemente da sua qualificação e informação, comunicará sintomas, as suas próprias evidências e fornecer o registo pertinente para que as autoridades nacionais decidam em função da intensidade com que o problema se manifesta.

A principal interrogação e essa é preocupante é não sabermos ainda, nem em Itália, qual é a incidência dos assintomáticos, ou seja, aqueles que são já portadores do vírus e que por razões de variada natureza não evidenciam a incidência da doença. Nestes casos, não há incongruência cívica, mas apenas desconhecimento e, consequentemente, a possibilidade de infetar outros inadvertidamente. Muito provavelmente, é este fenómeno que explica a explosão súbita dos casos em Itália. Outros casos, de natureza mais penalizadora, são os que se sentem doentes e não evitam comportamentos de risco.

Moral da história, existe um mundo de informação em torno do qual se pode construir um jornalismo contributivo, capaz de homogeneizar e garantir informação mínima e crucial para induzir comportamentos cívicos adequados. As sociedades ocidentais, que se orgulham das suas democracias, têm nestes momentos oportunidades únicas para afirmar a sua diferença.

REAÇÕES

(Marshall Ramsey, https://mississippitoday.org)

(cartoons de Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

Constato que as pessoas se dividem em três grandes grupos: os paniquentos, os descontraídos e os prevenidos. Uns acham que estamos a viver o início de uma enorme desgraça global, outros entendem que tudo não passa de um excesso alimentado pelos media de toda a ordem, outros ainda jogam o jogo que se lhes vai apresentando com as possíveis conta, peso e medida. Como já aqui foi sublinhado, o que verdadeiramente impera é o desconhecimento na matéria, havendo por isso que reconhecer as vantagens de alguns cuidados, naquela linha de o seguro ter morrido de velho. Entretanto, e no essencial, o pior de quanto vamos ouvindo estar a germinar ainda parece ser a evolução no sentido de uma irremediável débacle económica, com sinais preocupantes a já emergirem em muitas geografias e consequentes ameaças sobre a economia mundial como um todo – vejam-se, bem a propósito, duas recentíssimas capas dos dois grandes oráculos internacionais que são a “The Economist” e o “Financial Times”.




UMA PEQUENA CURIOSIDADE


Não passa disso mesmo, de uma pequena curiosidade. Ademais, de uma manifestação de evidência bastante previsível – que os futebolistas são genericamente mais baixos e menos pesados do que os basquetebolistas ou os praticantes de futebol americano e que estes são genericamente mais pesados e menos altos do que os homens do basquetebol, tudo sem prejuízo de estarmos a falar de médias e, por isso, de termos outliers que escapam ao registo normal em todos os casos –, mas ainda assim bem esgalhada. Aqui fica sem mais e sem outra finalidade que não a de permitir uns minutos de interessante observação.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

TODOS MORTOS


Juro que não tenho a mania de possuir dotes adivinhatórios, mas juro também aos nossos leitores que quando vi as capas dos jornais desportivos (acima a de “O Jogo”, algo idêntica à de “A Bola”, que titulava “Em Aberto”) da última Sexta-Feira (dia seguinte à primeira mão dos dezasseis avos de final da Liga Europa, contando com a participação de quatro equipas portuguesas) pensei com os meus botões algo do género: “Deus queira que não corra mal!” – e o certo é que correu mesmo. Sintetizemos: o Braga fez pela vida até onde lhe permitiu a exagerada animação dos tempos recentes (e também a força do Rangers, por acréscimo), das desventuras e da malapata do Sporting nem é bom falar, o FC Porto deparou-se com um adversário de outro gabarito e voltou a ter um estranho coach no banco (aquela de tirar um médio e meter um defesa ao intervalo, quando perdia por 1-3 no cômputo geral, é de compêndio!) e o Benfica voltou a evidenciar as fragilidades óbvias (de plantel e de direção técnica) que os bons resultados tinham vindo a esconder enquanto duraram. É o futebol português na sua verdadeira dimensão, gritam os mesmos arautos da desgraça que em cada semana chutam para onde estão virados em função dos ventos que vão soprando...

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

GLOBALIZAÇÃO E COVID-19



(Bem lá no fundo, uma grande maioria de Portugueses ainda acredita que este pedaço de terra à beira-mar plantado ficaria à margem da possível incidência do Coronavírus. Não deixa de ser paradoxal que, em tempos de obstáculos e até repúdio pelo avanço da globalização económica e financeira, seja na sua parente pobre, a globalização das pessoas, que se colocam os problemas mais relevantes de contenção de uma possível pandemia).

Insisto na ideia que já procurei transmitir em posts anteriores. Desde os fins dos anos 80 até ao início dos populismos anti-globalização, foram as dimensões económica e financeira da globalização as que evidenciaram maior velocidade de progressão, para mal dos nossos problemas no caso da última. A chamada globalização das pessoas sempre revelou menor intensidade e até há historiadores económicos que identificaram em épocas anteriores maiores intensidades dos fluxos de pessoas intercontinentais. Em meu entender, não foi por acaso que surgiu a “ideologia” do “mundo é plano”, lançada pela popular obra do jornalista americano do The New York Times, Thomas Friedman, The World is Flat. Ao contrário do que poderia parecer o mundo seria plano essencialmente do ponto de vista do acesso ao conhecimento e seria a globalização do conhecimento que permitiria a grande convergência. Estaria, assim, compensada, a menor expressão da globalização das pessoas, graças à mobilidade do conhecimento que dispensaria a mobilidade plena das pessoas, pelo menos parcialmente. E mesmo nessa hipótese, vozes sábias questionaram se o mundo é assim tão plano.

O problema é que nas condições e amplitude das diferenças entre onde se é pobre e sem oportunidades e onde se é rico com um mar de oportunidades não há massa de conhecimento que valha para reequilibrar o que não é reequilibrável apenas por essa via. Para além disso, os motivos bélicos e de perseguição brutal de algumas minorias étnicas e o efeito brutal das guerras tenderam a dinamitar as condições para a mobilidade forçada das pessoas. Finalmente, a revolução do transporte aéreo, ainda sem estar sob o foco das emissões de dióxido de carbono e a atração pelo conhecimento de outros lugares e de outras pessoas, seja pela questão cultural e de lazer, seja pelo aproveitamento de gaps salariais muito elevados, tenderam também a precipitar os fluxos de pessoas. Em parte essa precipitação foi facilitada pelo facto de se partir de um desequilíbrio tão pronunciado entre a globalização das pessoas e dos capitais, por um lado, e das pessoas, por outro.

Nestas coisas das morbilidades determinadas por surtos virais, uma grande maioria de Portugueses habituou-se a viver dos “rendimentos” de ser periférico, esperando que o afastamento e a localização relativamente marginal face aos grandes fluxos nos protejam das morbilidades. Mas a verdade é que os Portugueses viajam cada vez mais e não se contentam com destinos próximos. Para além disso, a explosão do turismo não pode ser apenas procura dos nossos lugares, gastronomia e convivialidade que nos é própria. Temos cada vez mais à nossa porta uma massa crescente de pessoas vindas dos territórios mais longínquos. E, cereja no bolo, a indústria portuguesa nunca gerou tantos fluxos de viagens de negócios como hoje, afinal a conquista de mercados é complexa, obriga à presença constante e ao estabelecimento de laços de cumplicidade e confiança com os destinos das nossas exportações. Depois, ainda, China e Itália estão na rota dessa internacionalização e tivemos o azar de que esses dois países estão na linha da frente em matéria de infetados pelo COVID-19.

Ora uma coisa é controlar e organizar a nossa vida, serviços públicos e empresas em função dos riscos associados a gente infetada nesses territórios e que regressa ou entra no país, seguindo com rigor as interações com outras pessoas. Outra coisa bem diferente é tomar consciência do que é sugerido pela evidência da pessoa infetada em Sevilha. Neste caso, os jornais e autoridades espanholas são claros em confirmar que a evidência de Sevilha mostra que o COVID-19 circulou durante alguns dias sem ter sido detetado. O homem de 62 anos internado no dia 20 no Hospital Virgem del Rocio de Sevilha com uma pneumonia só foi identificado como estando infetado com o Corona virus porque se registou uma mudança de protocolo na Hospital e foi realizado o correspondente teste. O que significa que entre o internamento e a data do teste o doente não esteve sujeito a medidas específicas de controlo do COVID-19. Ora este doente não tem pelo menos diretamente qualquer ligação a países com pessoas infetadas, admitindo-se que foi numa reunião de trabalho em Málaga que foi infetado. O COVID-19 estará por isso a circular.

Embora os casos diagnosticados em Itália não sejam substancialmente diferentes dos tratados nos hospitais espanhóis no pico sazonal da gripe, com o conjunto de vulnerabilidades que algumas pessoas evidenciam face a essas estirpes, o facto do COVID-19 estar em circulação traz perspetivas novas para a sua transmissão entre diferentes países europeus.

Nestas condições, há que aguardar pacientemente a chegada do vírus cá por estas bandas, esperando que não circule silenciosamente e que surja com alguma ligação direta aos principais pontos de emergência da infeção.

LAURA FERREIRA


Se houve domínio em que Pedro Passos Coelho (PPC) evidenciou à saciedade sentimentos nobres, entre um amor profundo e uma profunda coerência nesse amor, esse foi o da relação com a sua mulher Laura Ferreira, que acaba de falecer vítima de um cancro resistente e finalmente incontrolável. Ao que se foi sabendo, e descontado o inevitável desfecho, a luta contra a doença foi longa e dura, a presença pública da atingida e do marido foi sendo marcada por uma enorme discrição e serenidade e a união entre os dois esteve sempre à vista sem exageros nem lamechices. Razão para aqui registar o facto, acompanhado dos respetivos pêsames e de uma saudação sincera à notável dignidade de PPC e da sua companheira e ao exemplo que deram quanto ao que é verdadeiramente determinante nos labirínticos meandros da vida humana.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

INFRAESTRUTURAS

(Jornal Público)

(O modelo de planeamento e programação de infraestruturas físicas, particularmente as de maior envergadura, está claramente enferrujado e, consequentemente, sujeito a toda a série de interferências e ruídos. Estamos de novo perante essa incómoda evidência.

As razões para o enferrujamento da máquina de planeamento das grandes infraestruturas são fáceis de explicar. Os ministérios setoriais foram perdendo as suas orgânicas de planeamento, à medida e em proporção do enchimento das equipas de assessores amovíveis e de confiança política de ministros e secretários de Estado. O aumento da idade média dos quadros da administração pública e a sua não substituição tenderam a agravar esse problema. Para além disso, nos últimos tempos o volume de investimento físico reduziu-se inapelavelmente, na sequência das famigeradas prioridades negativas dos Fundos Estruturais que começaram a rarefazer os recursos alocados a este tipo de investimentos, em grande medida passados para a escala dos grandes projetos e redes europeus. Daí a metáfora do enferrujamento.

Toda a gente ainda seguramente se lembra da grande salgalhada em que o então aeroporto da OTA se transformou, com estudos pouco transparentes sobre as opções de localização e um clima de praça pública pouco propenso a decisões sábias. Toda essa algazarra constitui a melhor evidência de que o planeamento da infraestrutura não se impôs como deveria, numa falta de prestígio técnico imune a qualquer jogada menos séria de contestação.

Depois, ainda me recordo da falta de sentido de algumas previsões de procura que acompanhavam o projeto do TGV Lisboa-Madrid, como se o comboio de alta velocidade tivesse capacidade de atrair praticamente todo o tráfego de viatura própria entre as duas capitais europeias. Nesses casos, estamos a falar muito provavelmente de consultoras muito imaginativas, sabe-se lá em função de que tipo de interesses, mas esta simples evidência mostra como é frágil o planeamento público e a sua capacidade crítica de questionar estimativas tão cruciais para um projeto desta natureza.

Pelas bandas de cá de cima, também não estamos livres de disparates que se pagam caro, normalmente com défices financeiros das entidades que devem posteriormente explorar comercialmente os resultados dessas infraestruturas-disparate. Professores e técnicos avisados alertaram para o erro de substituir a linha de caminho de ferro Porto-Vila do Conde-Póvoa de Varzim por uma extensão do metropolitano, já que o tipo de ligação e a frequência dos seus fluxos corresponderia mais a uma linha de comboio do que a uma linha de metro. Os senhores autarcas resolveram não prescindir da “modernidade” da infraestrutura metropolitana e o Estado que pague, já que não me parece ser do erário municipal que os défices de exploração vão ser colmatados. Para agravamento da má decisão, hoje o município de Esposende que estaria pronto e maduro para uma extensão da então linha da Póvoa tem hoje praticamente inviabilizada a extensão do metro, já que se compreendeu que a asneira tinha sido feita e, pelo menos, é tempo de não a repetir.

À escala mais ribeirinha, os edis do Porto e Vila Nova de Gaia anunciaram com pompa e circunstância uma nova ponte à quota baixa, lembro-me da sessão invocando a necessidade de uma alternativa à ponte de D. Luís à quota baixa. Nunca compreendi esse racional e pelo que se tem sabido, não com a pompa e circunstância como o projeto foi apresentado, afinal as condições de inserção da ponte nos tecidos do Porto e Vila Nova de Gaia não estavam bem definidas. Aguardam-se os novos episódios, mas é legítimo admitir que o planeamento da obra carecia de grande profundidade.

E estamos regressados ao tema aeroporto, numa época em que o futuro do transporte aéreo pode estar ameaçado, numa grave contradição entre a incontornável globalização das pessoas e o problema das emissões de dióxido de carbono. O governo está em dificuldades e as condições em que a hipótese Montijo emergiu são tudo menos claras, a não ser a invocação de uma necessidade de exceção. Entretanto, os riscos de um aeroporto praticamente no centro da Cidade, com aviões a voarem por cima das nossas cabeças, parece claramente subvalorizados. A privatização da ANA torna tudo mais complicado e o jogo de estratégias de atores que a construção de um novo aeroporto suscita é cada vez mais complexo.

Hoje, no Público (link aqui), finalmente, depois de uma longa ausência pelo menos com artigos do meu conhecimento, regressou a prosa esclarecida, rigorosa, do Professor José Manuel Viegas, esclarecendo-nos sobre o erro da extensão do metro de Lisboa até Loures (como o foi, como o mostram, os números a extensão a Odivelas) e mostrando que num outro contexto uma ligação de comboio inserida numa nova estratégia ferroviária para a Área Metropolitana de Lisboa. Imagino que muito provavelmente o amigo Professor Nunes da Silva, que sempre se incompatibilizou com o José Manuel Viegas, seu colega no Instituto Superior Técnico, aparecerá aguerrido a contrapor algum argumento para que o JMV não fique tão bem na fotografia. Cá pela minha parte, é com textos como o do José Manuel Viegas que se pode construir uma discussão aberta e rigorosa destes temas, um primeiro passo para que as orgânicas de planeamento das grandes infraestruturas possam respirar melhor e impor-se ao ruído e às jogatanas táticas.

Não quero ser saudosista porque o não sou. Mas havia uma coisa respeitada no país que se chamava Conselho Superior de Obras Públicas. Burilando alguns tiques de antigo regime, pelo menos era uma coisa em que se podia ter alguma confiança técnica. Sobretudo porque não abundam contributos como o do bem regressado José Manuel Viegas. E por aqui me fico.