segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

TERÃO OS CHINESES LIDO MAZZUCATO?



(Já há algum tempo que a ideia de Estado-empresário-inovador proporcionou alguma pompa e circunstância à economia italiana de Sussex, Mariana Mazzucato, formada sob a influência de obras como a de Chris Freeman e de Carlota Pérez. A política chinesa das telecomunicações parece seguir essa orientação e, apesar dos esforços de Trump, tal política parece ter reconhecimento extramuros.)

Tenho de confessar que o aparecimento em 2011 do The Entrepreneurial State de Mariana Mazzucato não me impressionou por aí além. Quem tenha lido com atenção alguns escritos seminais de Nathan Rosenberg sobre a história económica da tecnologia e sobre o modo como alguns paradigmas tecnológicos se impuseram percebeu então que a relevância do setor público na consolidação de algumas trajetórias de desenvolvimento tecnológico é crucial. Por exemplo, toda a aposta realizada pelos EUA na área da defesa e do aeroespacial teve repercussões laterais cruciais e sem esse impulso não teriam sido conseguidos impulsos fundamentais em termos de investigação básica.

Vem isto a propósito de uma das facetas menos divulgadas da guerra comercial entre os EUA e a China, relacionada com a questão das telecomunicações e com a desculpa pública apresentada por Trump de que a Huawei representava em última instância uma ameaça à segurança mundial pelo caráter intrusivo da sua estratégia de afirmação pelo mundo e pelo risco que representava em matéria de cibersegurança para o ocidente.

Pois o Reino Unido de Boris Johnson não para de nos surpreender, embora, como alguém escrevia hoje no Guardian, um dia depois de se consumar o BREXIT o intrépido Boris terá já compreendido que a sua força negocial em matéria de tratados comerciais não será a mesma depois de se concretizar a saída da União Europeia.

Trump deve ter esperneado quanto baste quando tomou conhecimento que o Reino Unido concedeu à Huawei um papel determinante no desenvolvimento da sua infraestrutura de telecomunicações, mais propriamente no âmbito das redes 5G. Que se saiba Trump não esperneou mas segundo o Financial Times (link aqui) um senador republicano assinou esta sentença mortífera: “O partido comunista Chinês tem a partir de agora uma passadeira vermelha para concretizar a sua espionagem invasiva da sociedade Britânica e aumentou a sua influência económica e política em relação ao Reino Unido”.

Embora reconhecendo tais riscos, o Reino Unido não é propriamente tonto nestas matérias e, ainda segundo o Financial Times, tal decisão o que traduz é a evidência de que a China não tem brincado em serviço nestas matérias. Sei lá se terão ou não lido Mazzucato, mas inclino-me mais para que tenham estudado com atenção a história da tecnologia e compreendido a relevância do impulso público no traçado de uma trajetória tecnológica que se afirme por custos imbatíveis na sua adoção.

No balanço entre custos sedutores e eventuais riscos de segurança o que terá conduzido á decisão britânica foi o primado dos baixos custos, já não falando no peso que a Huawei já apresenta no Reino Unido nas redes 4G. E a verdade nua e crua é que a Huawei é já hoje o principal produtor mundial de equipamento de telecomunicações. Segundo a notícia do Financial Times que me serve de guia, o investimento em I&D no setor atingiu, em 2018, 15, 1 milhões de milhões de dólares, mais do que a realizada pela Nokia e Ericsson juntas.

E não posso deixar de recordar que, à luz de uma visão um pouco simplificada da economia das ideias, a produção de I&D acaba por depender em última instância da massa de população. Basta pensar que 1% de engenheiros ocupados na China em atividades de I&D representam uma massa de produção de ideias incomparavelmente superior ao que percentagem idêntica determina nos EUA ou no Reino Unido.

Estamos feitos, sem ou com coronavírus a instalar o pânico na economia global.

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